Energia

Os gastos de refino da Petrobras: comentários ao professor Eduardo Costa Pinto

13 set 2022

A preços de mercado, considerando toda a expectativa de ganho futuro sopesado pelos custos, valor de uma refinaria tem se revelado muito menor que custos do investimento da Petrobrás em expansão da capacidade de refino.

O professor da UFRJ Eduardo Costa Pinto criticou texto meu e de colegas neste blog. O argumento de Eduardo está correto. Ele afirma que a informação de gasto com expansão da capacidade de refino da Petrobrás considera outros destinos e não somente o refino propriamente dito. Esses destinos seriam: transporte (principalmente navios), modernização das refinarias e atendimento a critérios ambientais das refinarias e dos derivados de petróleo. A esse respeito, escrevi em minha coluna da Folha de 27 de agosto na Folha de São Paulo:

“O professor do Instituto de Economia da UFRJ, Eduardo Costa Pinho, criticou em um post a coluna da semana passada sobre os elevados custos da construção de refinarias pela Petrobrás (https://www.brasil247.com/blog/por-que-e-tao-dificil-acertar-nas-contas-...).

Eduardo argumenta que não está certo atribuir todos os US$100 bilhões a investimento em refino, como eu fiz. Que parte desse investimento teve outros destinos: US$13,6 bilhões em transporte; US$27,4 bilhões em melhora da qualidade; US$35 bilhões em modernização; e, portanto, somente US$24 bilhões em expansão da capacidade.

Assim, como a expansão da capacidade no período foi de 400 mil barris por dia, o custo foi de US$60 mil por barril diário de capacidade de refino, muito menor que o número que reportei na coluna, mas, ainda sim, o dobro do custo das melhores refinarias.

Segundo Eduardo, os custos foram maiores devido a três fatores: 1) o ciclo de investimento dos anos 2000 coincidiu com um boom de investimento do setor; 2) o aprendizado da Petrobras após décadas sem expandir a capacidade; 3) os problemas advindos da operação Lava-Jato.

Entendo a crítica e agradeço ao professor a gentileza do comentário e das correções. No entanto me parece que um fato continua valendo. Entre 1954 e 2002, a empresa investiu nessas áreas, das quais o refino representa um item, US$27 bilhões a preços de 2012 e, de 2003 a 2015, investiu US$100 bilhões, também a preços de 2012. Em ambos os períodos houve investimento para expandir a capacidade, em transportes e em modernização e melhora da qualidade. No primeiro período, a capacidade de refino cresceu de zero para 2 milhões de barris diários, e, no segundo, de 2 milhões para 2,4 milhões.

A menos que a composição do investimento no período atual tenha sido muito diferente daquela dos 48 anos anteriores, algo de muito errado ocorreu no ciclo de investimentos dos anos 2000.”

Há dois temas a abordar. Primeiro, houve grande alteração da composição do investimento entre os períodos? Segundo, os investimentos feitos nas outras áreas maturaram bem?

Segundo Eduardo, no período a Petrobras adquiriu 14 navios. Em 2002, a Transpetro tinha 55 navios. Evidentemente, entre 1954 e 2002 inúmeros navios também foram adquiridos e depreciados. O investimento em navios e transportes deve ter sido muito maior no período 1954 até 2002 que no período posterior a 2002. Pelo menos, se medirmos pelo resultado do investimento em capacidade de transporte.

Essa capacidade de transporte, medida em milhões de toneladas de porte bruto, subiu no período 70%. Com relação ao estoque de capacidade de transporte existente em 2002, sem considerar todo o investimento feito e depreciado nos 50 anos anteriores, o investimento representou, portanto, um número 30 pontos percentuais menor. Consequentemente, nesse item, a composição do investimento é desfavorável ao período mais recente: muito investimento com pouco resultado.[1]

Para que o investimento elevadíssimo de US$100 bilhões tenha alguma justificativa diante do baixo incremento nas capacidades de refino e de transporte, é necessário que “os investimentos em manutenção, qualidade dos derivados, conversão e modernização” tenham sido elevados e tenham gerado bons resultados.

Difícil avançar aqui. Uma possibilidade é verificar o que ocorreu com as refinarias que foram modernizadas. Em webinar recente do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Eduardo se refere ao erro que cometi ao não considerar esses investimentos. No 31º minuto, ele afirma que, com os investimentos que foram executados, “as refinarias da Petrobras têm uma rentabilidade econômica maior”. Eduardo cita nesse mesmo minuto a RLAN como exemplo de refinaria que teria passado por um bem-sucedido processo de modernização e, portanto, ganhou rentabilidade. Recentemente essa refinaria foi privatizada. O valor de venda foi de US$1,8 bilhão para uma capacidade de refino de pouco menos de 380 mil barris por dia, o que resulta pouco menos de US$ 4.800 por barril diário de capacidade de refino. Como Eduardo reconheceu, segundo suas contas, custou para a Petrobrás no ciclo de investimento dos anos 2000 US$ 60 mil dólares para elevar a capacidade de refino em 1 barril por dia. Se uma das melhores refinarias da empresa, após passar por um bem-sucedido processo de modernização, vale 12 vezes menos, certamente há sérios problemas no investimento da Petrobras em refino.

Será que a refinaria foi vendida por preços muito baixos pois uma “administração neoliberal” teria decidido “entregar” o patrimônio nacional. Não parece ter sido o caso. As duas refinarias da Petrobrás na Bolívia, vendidas em 2007, custaram ao governo boliviano US$112 milhões para uma capacidade de refino de 91.960 barris por dia, o que resulta em US$1.218 por barril dia de capacidade de refino.

A preços de mercado, que consideram toda a expectativa de ganho futuro sopesado pelos custos, o valor de uma refinaria tem se revelado muito menor que os custos observados para o investimento da Petrobrás em expansão da capacidade de refino. A menos que haja motivações extraeconômicas, como questões de segurança nacional, muito relevantes, a Petrobrás investir em refinarias no Brasil é rasgar dinheiro.


[1] Os dados foram obtidos no site da Transpetro. Veja https://transpetro.com.br/transpetro-institucional/instrumentos-de-governanca/relatorios.htm

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Bruno Vieira do...
Quanto ao custo das refinarias, elas são caras mesmo, mas isto não significa que elas não devam ser construídas. Sob a ótica estritamente financeira da Petrobras isoladamente não faz sentido construir refiinarias, mas seria interessante calcular as "externalidades" destes empreendimentos para a sociedade brasileira. Creio que mesmo com a 60 mil dólares o acréscimo de 1 barril a capacidade, as "externalidades" para sociedade compensam o investimento, ou seja, o governo deveria ter aportado algum valor na Petrobras na construção delas ou invés da estatal ter arcado sozinha. Se a Petrobras resolvesse arcar sozinha este empreendimentos, isto devia ser lançado no balanço como obra social sem retorno financeiro, que a lei das sociedsdes anônimas brasileira permite, mas teria que ser mais transparente. O cálculo das externalidades é interessante de ser feito, que o IBRE ou prof. Costa Pinto podem fazer. Quanto à refinaria da Bolívia o valor de 1000 dólares/barril acrescentado, está muito baixo, creio que o governo boliviano simplesmente deu um calote na Petrobras, que inclusive foi notícia na revista Veja em 2006 ou 2007. Acho difícil a custo de qualquer refinaria ficar muito abaixo de 10 mil dolares/barril acrescentado.

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