Macroeconomia

Pandemia do coronavírus agravou mais ainda a situação de uma década que começou a ser perdida em 2014

21 mai 2020

Diante da escalada de eventos nos últimos meses associados à pandemia do coronavírus, o nível de incerteza em relação ao desempenho da economia tem se elevado de forma extraordinária e seus impactos irão gerar distorções sem precedentes na história do país. De fato, nos últimos meses, as projeções de atividade econômica para o ano de 2020 pioraram drasticamente. A ideia, de três meses atrás, de que a economia cresceria em torno de 2% não existe mais. A projeção mais recente do IBRE FGV para o ano de 2020 aponta para uma brutal queda de 5,4% do PIB, a maior queda anual já observada.

A Tabela 1 mostra a projeção do crescimento anual do PIB e das aberturas dos grandes setores (agropecuária, indústria e serviços) em dois períodos distintos: 9 de março de 2020 (apresentada no I Seminário de Análise Conjuntural de 2020 promovido pela IBRE FGV) e 13 de maio de 2020 (última atualização após a intensificação da pandemia do coronavírus). O objetivo desta tabela é mostrar a forte mudança nas projeções num curto período de tempo, devido ao avanço da pandemia do coronavírus e seus impactos sobre as atividades.

Tabela 1: Taxa de crescimento do PIB e do Valor Adicionado dos principais setores
(em % em relação ano anterior) – Brasil.

Atividade

9 de março de 2020

19 de maio de 2020

PIB

2,0%

-5,4%

Agropecuária

4,0%

2,3%

Indústria

2,1%

-8,2%

Serviços

1,8%

-4,3%

Elaboração: IBRE FGV

Os dados da Tabela 1 mostram uma forte deterioração nas projeções de atividade econômica em apenas três meses. Enquanto que, na agropecuária, a mudança foi relativamente pequena, passando de alta de 4% no setor em 2020 para elevação de 2,3%, na indústria e no setor de serviços, a mudança na projeção do desempenho destes setores no ano de 2020 foi muito grande. Na indústria, a projeção para o crescimento no ano de 2020 passou de alta de 2,1% para queda de 8,2% e no setor de serviços ela passou de elevação 1,8% para retração de 4,3%.

Os resultados apresentados na Tabela 1 mostram o aumento da fragilidade econômica diante do avanço da pandemia do coronavírus. Em particular, as medidas de distanciamento social, que são indispensáveis para evitar a propagação do vírus, atingem em cheio o setor de serviços, que concentra a maior parcela do PIB e do emprego em grande parte dos países e contribuem para aumentar o drama pelo qual o país está passando.

Com este resultado, o Brasil caminha rumo a sua pior década dos últimos 120 anos.[1] Mas uma pergunta relevante diante deste contexto é: Isto acontecerá exclusivamente por causa da pandemia do coronavírus ou esta década já estava perdida mesmo antes da pandemia?

Para responder esta questão, iremos comparar o desempenho das últimas décadas desde início dos anos 80, imputando o resultado esperado para o ano de 2020 nos dois cenários, pré e pós-pandemia, a fim de entendermos os impactos destas mudanças de projeção no desempenho da década de 2010-2020. Começamos a análise na década de 80, pois desejamos ver o desempenho dos grandes setores (agropecuária, indústria e serviços) aos longos dos últimos anos.[2] Desta forma, podemos ver quais setores contribuíram para esta situação caótica na qual o país se encontra hoje.

Começaremos, no Gráfico 1, olhando o desempenho da agropecuária.[3]

Gráfico 1: Taxa de crescimento do Valor Adicionado da agropecuária
(em % a.a. para períodos selecionados) – Brasil.

Elaboração: IBRE FGV com base nas contas trimestrais e Cunha (2017)

Os dados do Gráfico 1 mostram que a agropecuária tem crescido de forma robusta desde o início dos anos 80. No período entre 1980 e 1990, que foi o de crescimento mais baixo, a agropecuária cresceu cerca de 2,4% ao ano (a.a.). Desde então, foi possível notar uma melhora significativa no desempenho do setor, de modo que entre 2000 e 2010, o crescimento foi de 4,1% a.a., após uma alta de 3,7% a.a. entre 1990 e 2000. Podemos notar que a pequena revisão no crescimento da agropecuária após o início da pandemia do coronavirus pouco impactou no crescimento do setor entre os anos de 2010 e 2020. Antes do início da pandemia, projetávamos que o crescimento do período seria de 3,1% a.a., e após a pandemia mudamos a projeção para um crescimento de 3% a.a.

Os gráficos 2 e 3 mostram um exercício similar ao apresentado anteriormente, porém olhando para a indústria e para o setor de serviços, os dois grandes setores mais afetados pela pandemia do coronavírus, devido, principalmente, às medidas necessárias para conter o avanço da doença. Começaremos, no Gráfico 2, analisando o desempenho da indústria ao longo dos últimos anos desde 1980

Gráfico 2: Taxa de crescimento do Valor Adicionado da indústria
(em % a.a. para períodos selecionados) – Brasil.

Elaboração: IBRE FGV com base nas contas trimestrais e Cunha (2017)

Os dados do Gráfico 2 mostram que a indústria havia entrado numa trajetória robusta de crescimento de desde o início dos anos 80, e que foi interrompida no último período que compreende os anos entre 2010 e 2020. Entre 1980 e 1990, a indústria cresceu somente 0,2% a.a. Desde então, foi possível notar uma melhora significativa no desempenho do setor, de modo que entre 2000 e 2010 ela atingiu o maior crescimento ao longo dos períodos analisados (3% a.a.), após uma alta de 2,1% a.a. entre 1990 e 2000.  

A pandemia do coronavírus, no entanto, agravou ainda mais o desempenho do setor que já vinha sofrendo desde a última recessão pela qual o país passou, iniciada em 2014. Antes do início da pandemia, projetávamos que o crescimento médio entre 2010 e 2020 seria de queda de 0,4% a.a., que já fazia deste período o de menor crescimento desde 1980.  A forte revisão na projeção para o desempenho da indústria no ano de 2020 intensificou a queda na última década, de modo que a projeção para a indústria entre 2010 e 2020 passou para uma queda de 1,5% a.a.

Gráfico 3: Taxa de crescimento do Valor Adicionado do setor de serviços
(em % a.a. para períodos selecionados) – Brasil.

Elaboração: IBRE FGV com base nas contas trimestrais e Cunha (2017)

Assim como observado na agropecuária, o setor de serviços também crescia a taxas robustas desde a década de 1980. Este forte crescimento, no entanto, também foi interrompido na última década que compreende os anos entre 2010 e 2020. Os dados do Gráfico 3 mostram que, entre 1980 e 1990, o setor de serviços cresceu cerca de 2,7% a.a. O desempenho no período seguinte, entre 1990 e 2000, foi um pouco abaixo (crescimento de 2,3% a.a.), mas logo recuperado pela forte alta de 3,8% a.a. entre os anos de 2000 e 2010. Antes do início da pandemia, projetávamos que o crescimento médio entre 2010 e 2020 seria de 1% a.a., que já fazia desde período o de menor crescimento desde 1980.  A pandemia, no entanto, agravou ainda mais o desempenho do setor e, com a forte revisão para o desempenho do setor de serviços no ano de 2020, intensificou a piora na última década (crescimento de apenas 0,4% a.a.).

Gráfico 4: Taxa de crescimento do PIB total
(em % a.a. para períodos selecionados) – Brasil.

Elaboração: IBRE FGV com base nas contas trimestrais e Cunha (2017)

Os resultados apresentados nos gráficos anteriores mostram que o fraco desempenho da indústria e, principalmente, do setor de serviços, os principais setores da economia, ajudam a explicar a desaceleração do PIB ao longo dos últimos anos. Podemos notar, no Gráfico 4, que o PIB havia entrado numa trajetória robusta de crescimento desde o início dos anos 80, que foi interrompida na última década de 2010 a 2020. Entre 1980 e 1990, o PIB havia crescido cerca de 1,6% a.a., de 1990 a 2000, o crescimento foi de 2,6% a.a., e entre os anos de 2000 e 2010, que foi o de maior crescimento entre os períodos analisados, o PIB cresceu 3,7% a.a.

A pandemia do coronavírus, no entanto, agravou ainda mais o desempenho do PIB que já apresentava sinais de enfraquecimento, principalmente desde a última crise iniciada em meados de 2014. Antes do início da pandemia, projetávamos que o crescimento médio do PIB, entre 2010 e 2020, seria de 0,8% a.a., que já fazia desde período o de menor entre os anos analisados. A forte revisão na projeção do PIB para o ano de 2020 intensificou a piora na última década, de modo que a projeção para o crescimento entre os anos de 2010 e 2020 aponta para uma estabilidade no período.

O Gráfico a seguir, mostra o crescimento anual desde 1981, e reitera o argumento de que, desde o final de 2016, após a última recessão que foi uma das mais longas e profundas da história, a recuperação da atividade econômica tem sido lenta, contribuindo para que entremos na pior década dos últimos anos, antes mesmo da pandemia do coronavírus.

Gráfico 5: Taxa de crescimento do PIB e aberturas (em %) – Brasil.

Elaboração: IBRE FGV com base nas contas trimestrais e Cunha (2017)

O Gráfico 5 mostra o porquê desta última década já ter sido considerada a pior mesmo antes da pandemia. Entre os anos de 2014 e 2016, o país entrou numa longa e profunda recessão e o crescimento do PIB total e dos setores foi muito afetado, apresentando fortes quedas, principalmente nos anos de 2015 e 2016. Entre 2017 e 2019, período no qual a economia entrou num lento processo de recuperação, o crescimento do PIB variou apenas entre 1,1% e 1,3%.

Com exceção da Agropecuária, que apresentou forte crescimento no ano de 2017, a indústria e setor de serviços apresentaram crescimento fraco entre 2017 e 2019. Na indústria, após queda de 0,5% em 2017, o Valor Adicionado do setor cresceu 0,5% nos dois anos seguintes. Já no setor de serviços, após alta de 0,8% em 2017, o Valor Adicionado do setor cresceu 1,5% e 1,3% em 2018 e 2019, respectivamente.

O fraco desempenho do PIB, tem impactos perversos, ainda, sobre o desempenho do PIB per capita, que é uma medida de desenvolvimento econômico mensurada pela razão entre o PIB e a população total de um país. Com a queda de 5,4% do PIB em 2020, estimamos que a queda do PIB per capita, neste mesmo ano, será de -6,2%. Analogamente ao que vimos no caso do PIB, em termos de PIB per capita também fecharemos a década 2010-2020 como sendo a pior dos últimos anos.

Gráfico 6: Taxa de crescimento do PIB per capita
(em % a.a. para períodos selecionados) – Brasil.[4]

Elaboração: IBRE FGV com base nas contas trimestrais e Cunha (2017)

Como podemos notar no Gráfico 6, o desempenho da década que compreende os anos de 2010 a 2020 é muito ruim. Antes da pandemia, projetamos uma estabilidade do PIB per capita neste período, um pouco melhor do que a queda de 0,4 % a.a. observada entre 1980 e 1990, mas ainda assim um desempenho extremamente fraco. Com as atualizações das projeções após a pandemia do coronavírus, a nova projeção para a queda de PIB per capita para o período entre 2010 e 2020 é de recuo de 0,8% a.a., a pior já observada.

Diante dos fatos apresentados, podemos notar que o responsável pelo péssimo desempenho na última década não será somente a crise gerada pela pandemia do coronavírus. Logo, podemos concluir que a pandemia do coronavírus só agravou mais ainda a situação de uma década que começou a ser perdida em 2014 e que gerou uma série de distorções e desequilíbrios macroeconômicos.


 

[1] No site do Ipeadata podemos encontrar uma série longa, desde 1901, da variação real anual do PIB. Para maiores detalhes acerca da metodologia, acesse: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx e procure pela série “Produto interno bruto (PIB) a preços de mercado: variação real anual”.

[2] O PIB das atividades para os anos anteriores a 1996 foram extraídos a partir de metodologia desenvolvida em Cunha (2017) cujo título é: “Construção de indicador mensal de PIB e componentes para datação de ciclos econômicos: uma análise de janeiro de 1980 a setembro de 2016”, disponível no link a seguir: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/17997/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Juliana%20Carvalho%20da%20Cunha%20-%20vers%C3%A3o%20final.pdf

[3] Nos Gráficos 1, 2, 3, 4 e 6 o primeiro ano de cada período refere-se ao ano base da análise.

[4] Estamos considerando a série iniciada em 1980 para compatibilizar com os resultados do PIB e Valor adicionado dos setores. Mostramos, no entanto, em matéria recentemente publicada no jornal Valor Econômico que o desempenho desta década é o pior dos últimos 120 anos. Acesse a reportagem pelo link: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/04/23/pib-per-capita-tera-pior-decada-em-mais-de-100-anos-diz-ibre.ghtml

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV

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