Macroeconomia

Piora da pandemia e os seus impactos na economia

24 mar 2021

Difícil acreditar que um ano já se passou desde que as medidas de distanciamento social se generalizaram e a pandemia se tornou o foco principal da atenção dos brasileiros. Houve mudanças relevantes nesse período, mas essas não alteraram o fato de a crise sanitária ser um elemento determinante do ritmo de atividade econômica e do emprego.

Em especial, a corrida que se vê no Brasil entre a vacinação e o recrudescimento da pandemia é que vai ditar a hora, a intensidade e a dispersão da recuperação econômica. Neste começo de ano a pandemia está levando vantagem nessa disputa e o resultado deve ser um arrefecimento da recuperação ocorrida na segunda metade de 2020.

Nas últimas semanas, os números de casos e de mortes bateram recorde e vemos uma crescente taxa de ocupação de leitos hospitalares.  Além disso, as preocupações sobre as novas variantes de Covid-19 contribuem para uma rodada de incerteza sobre qual será a intensidade e a extensão dessa nova onda, que tem sido bem mais devastadora que a do ano passado. A vacinação continua em ritmo muito lento, e muito aquém do necessário para conter a pandemia.

Assim, apesar de a atividade doméstica ter começado o ano com um resultado positivo nos indicadores mensais, esperamos desaceleração nas próximas divulgações. O Monitor do PIB (FGV IBRE) subiu 0,5% em janeiro, em relação ao mês anterior, enquanto o IBC-Br teve uma alta ainda mais forte, de 1,0%.  Além de insuficiente para recolocar o país de volta à trajetória pré-pandemia, a retomada tem sido bem heterogênea entre setores, com a indústria de transformação mostrando bom resultado no início do ano, ao passo que o comércio e os serviços já estão em desaceleração, com destaque negativo para os serviços prestados às famílias e o setor de transporte. Um quadro que já não era bom deve piorar mais com as restrições adotadas recentemente, que devem se refletir em indicadores ruins de atividade a partir de março.

Essa dinâmica pode ser antevista a partir da piora que o recrudescimento da pandemia tem gerado nos índices de confiança. Uma prévia das sondagens, com dados coletados até o dia 10 de março, apontou quedas de 5,0 pontos do Índice de Confiança Empresarial (ICE) e de 7,8 pontos do Índice de Confiança do Consumidor (ICC), correspondentes a recuos, na margem, de 5,5% e 10%, respectivamente. Essas seriam as maiores retrações na margem desde abril de 2020, levando os índices ao menor nível desde junho do ano passado. A queda foi generalizada entre os setores, sendo especialmente forte no comércio e nos serviços.

Ou seja, os danos para a economia já estão contratados, mantendo o cenário muito negativo no curto prazo. A dúvida é se para a frente o ritmo de vacinação e, portanto, a economia vão melhorar.

Nossa avaliação é que o recrudescimento da pandemia tem efeito temporário na atividade, concentrado no primeiro semestre. Diante desse cenário, e levando em consideração os indicadores conhecidos até agora, esperamos, por ora, que o PIB caia 0,5% no primeiro trimestre e outro 0,5% no segundo. Para o restante do ano, o avanço da vacinação e a consequente reabertura gradual das atividades devem dar continuidade à recuperação, com o PIB crescendo 3,2% em 2021.

Esse valor encontra-se abaixo do carregamento estatístico, estimado em 3,6%: ou seja, na média, o PIB este ano deve ficar abaixo do patamar atingido no último trimestre de 2020. Nesse cenário, já levamos em conta a prorrogação do auxílio emergencial, que terá início em abril, totalizando R$ 44 bilhões. Além disso, contabilizamos cerca de R$ 50 bilhões em antecipação de décimo terceiro salário para abril e maio, suavizando a queda na renda das famílias.

Com relação ao comportamento dos mercados, o desempenho da bolsa, da taxa de juros e do câmbio sugere uma deterioração da confiança dos agentes. A frustação com o descontrole da pandemia e, consequentemente, a piora do cenário econômico reforçam o ambiente de alta incerteza. Apesar de o cenário internacional ser de retomada da economia mundial, com destaque para o forte crescimento dos EUA, superior ao de outros países desenvolvidos, o Brasil não tem se beneficiado desse ambiente. Pelo contrário, pode sofrer com pressões inflacionárias e uma menor capacidade de atrair capitais externos.

O crescimento global deve ser  robusto em 2021, reforçado não apenas pela reabertura das economias, mas também pelos fortes e inéditos estímulos de política fiscal e monetária, contribuindo para a manutenção do cenário de valorização dos preços das commodities em dólar. Porém, como há forte depreciação cambial, a inflação de bens comercializáveis se intensifica e o risco de controle de tarifas públicas volta ao radar dos investidores. Merece destaque a previsão do Copom de que os preços administrados subirão 9,5% este ano. E esses temas se agravam com a pandemia e com a antecipação do quadro eleitoral para 2022.

Mais importante, talvez, é que dificilmente esse quadro irá se alterar  rapidamente. A aceleração do crescimento econômico nos EUA  e o risco de volta da inflação e de que, com isso, haja eventual redução de liquidez global podem impactar negativamente os países emergentes, especialmente aqueles com piores fundamentos.

Para reverter esse quadro será preciso políticas econômicas consistentes. O receio de uma guinada populista não será fácil de ser superado. Em particular, o texto aprovado da PEC emergencial ficou bem aquém do necessário. Entre vitórias e derrotas da equipe econômica durante sua tramitação, a PEC Emergencial esbarrou em velhas e conhecidas resistências, deixando para o futuro o ajuste prometido. Mais uma oportunidade perdida.


Esse é o sumário do Boletim Macro Ibre de março de 2021

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

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