PLANASA e o novo marco legal do saneamento: semelhanças, diferenças e aprendizado
Em recente apresentação, Carlos Alberto Rosito, renomado profissional do saneamento nacional, contou sua experiência no setor desde a época do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), na década de 70, até os dias de hoje. Suas palavras suscitam reflexões sobre as similaridades e diferenças entre dois momentos do setor: o PLANASA e agora, com a recente reforma do marco regulatório.
O PLANASA era gerido pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), que aplicava recursos próprios e do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) em operações de financiamento para implantação ou melhoria de sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Os recursos eram encaminhados para as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs), criadas à época. Ou seja, apenas os municípios que haviam concedido os serviços para CESBs eram beneficiados com o plano. Em outras palavras, o PLANASA incentivava a regionalização da prestação dos serviços de água e esgoto, uma vez que as CESBs, apesar de firmarem contrato com os municípios (quando formalizavam), operavam sistemas interligados – que não viam limites políticos – e adotavam estrutura tarifária única – o que viabilizava, em teoria, a prestação dos serviços por meio do subsídio cruzado.
O novo marco legal (Lei n° 14.026/2020), por sua vez, prevê que a alocação de recursos públicos federais será condicionada, dentro outros, à estruturação de prestação regionalizada e a sua respectiva adesão pelos titulares dos serviços de saneamento. Um claro incentivo a regionalização, assim como no PLANASA. A diferença, contudo, é que agora a prestação regionalizada não é exclusivamente realizada pelas CESBs. Na verdade, devido a alteração legal que prevê a necessidade de licitação prévia a assinatura de contratos, qualquer empresa – CESBs e empresas privadas – poderão concorrer e serem declaradas vencedoras. Apesar dessa perda de preferência da prestação dos serviços por CESBs, os estados continuam tendo papel fundamental no atual momento do setor. Eles são responsáveis pela instituição dos blocos (regionalização), chamados de unidades regionais de saneamento básico.
Outra similaridade entre o PLANASA e o novo marco legal é a tentativa de harmonização regulatória. Na década de 70, a regulação – ainda não amadurecida e instituída formalmente - era “centralizada” no âmbito ministerial[1]. Atualmente, mais de 60 entidades reguladoras atuam no setor de saneamento[2]. Visando promover a harmonização regulatória, o novo marco legal também condiciona o acesso a recursos federais à observância das normas de referência para a regulação a serem editadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
Já com relação às diferenças, destaca-se a fonte de recursos prevista para viabilização dos investimentos. O PLANASA se utilizava basicamente de recursos públicos (FGTS e fundos estaduais de água e esgoto – FAEs), enquanto agora o foco é dado na atração de capital privado. Aliás, investidores privados têm mostrado bastante interesse no setor, haja visto o recente leilão da concessão dos serviços de água e esgoto na Região Metropolitana de Maceió/AL, que teve 7 propostas com ágios superiores a 1.000%[3], e o leilão da PPP de esgoto nos municípios de Cariacica e Viana/ES, que também recebeu 7 propostas.
Outro ponto que merece destaque é o foco atual na prestação adequada e eficiente dos serviços, invés da execução de obras. Isso se deve, em grande parte, ao amadurecimento do setor e a expansão das redes já experimentada.
Diante das semelhanças e diferenças, a principal reflexão posta é: o que a experiência PLANASA tem a ensinar para que, finalmente, seja alcançada a universalização dos serviços de saneamento? O que fez com que o PLANASA não tenha sido um sucesso completo e que serve de aprendizado?
O PLANASA é considerado um sucesso no que tange à expansão da rede de água. De acordo com Jorge (1992)[4], na década de 80 o atendimento urbano de abastecimento de água alcançou 80% da população – meta do plano. No entanto, o principal ponto de crítica ao plano da década de 70 refere-se ao não atingimento da autossustentação dos serviços, como era previsto. De acordo com análise feita por Rego Monteiro, esta falha ocorreu principalmente por dois motivos: (i) a política tarifária centralizada pelo governo federal que indevidamente reduziu as tarifas a fim de combater à inflação; e (ii) a não evolução conforme planejado dos fundos estaduais (FAEs), fonte de recursos do setor, devido a múltiplas razões, dentre elas, “a impontualidade das empresas no serviço da dívida com os FAE” e “o não cumprimento pelos Governos estaduais dos compromissos relativos à integralização dos FAE”[5].
Com isso, apesar das expansões na rede à época, as tarifas não eram suficientes para remunerar o investimento e assegurar a viabilidade do serviço. O aprendizado, portanto, é que uma adequada regulação é essencial para garantir a sustentabilidade do serviço – no curto e longo prazo. Um dos focos da recente reforma do marco legal do saneamento foi justamente o fortalecimento da regulação, de modo a garantir estabilidade para os investidores do setor, o que, consequentemente, atrai mais investimentos – tão necessários.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] De acordo com o Decreto n° 82.587, de 6 de novembro de 1978, as CESBs deveriam encaminhar ao BNH proposta com novo nível tarifário, calculado conforme normas expedidas pelo Ministério do Interior – ministério ao qual o BNH estava vinculado. Após parecer do BNH, o Ministério do Interior decidiria por revisar ou não as tarifas praticadas pelas CESBs.
[3] Vide “Nova era do saneamento à vista (apesar dos percalços)” em https://blogdoibre.fgv.br/posts/nova-era-do-saneamento-vista-apesar-dos-percalcos
[4] JORGE, W. E. A Avaliação da Política Nacional de Saneamento Pós 64. 1992. Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP.
[5] Plano Nacional de Saneamento – Planasa – Avaliação de desempenho. Texto do engenheiro José Roberto do Rego Monteiro, apresentado em novembro de 1993.
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