Cenários

Produtividade e ciclo econômico

17 fev 2025

Embora o desempenho da produtividade esteja mais relacionado ao longo prazo, sua evolução ao longo do ciclo econômico é muito relevante para a atuação dos bancos centrais devido às suas implicações para a política monetária.

Embora o desempenho da produtividade esteja mais relacionado a determinantes estruturais de longo prazo, sua evolução no curto prazo é muito relevante para a atuação dos bancos centrais devido às suas implicações para a inflação e, consequentemente, para a política monetária.

Um estudo recente de John Fernald e coautores do Fed de São Francisco (“Productivity During and Since the Pandemic”) analisa o comportamento da produtividade por hora trabalhada ao longo do ciclo econômico nos Estados Unidos, com ênfase na Grande Recessão de 2007-2009 e na pandemia de 2020.

Quando a pandemia eclodiu, a produtividade deu um salto em relação à tendência pré-pandemia, o que inicialmente levantou a possibilidade de que a aceleração na adoção de novas tecnologias e ganhos de eficiência decorrentes do trabalho remoto poderiam gerar um aumento permanente da produtividade.

No entanto, no início de 2023 a produtividade da economia americana já havia retrocedido à trajetória pré-pandemia. Desde então a produtividade tem permanecido pouco acima da tendência de lento crescimento pós-2004.

Embora menos intenso, um padrão qualitativamente parecido ocorreu durante e logo após a Grande Recessão. Inicialmente a produtividade por hora trabalhada cresceu significativamente acima da tendência pré-recessão, porém retornou gradualmente à tendência após alguns anos.

Esses dois episódios sugerem uma relação sistemática entre produtividade e ciclo econômico, com forte aumento durante recessões e crescimento mais lento em períodos de retomada da atividade econômica.

Fernald e coautores examinam esse padrão utilizando uma abordagem econométrica que estima a relação entre o crescimento da produtividade do trabalho e a variação da taxa de desemprego nos Estados Unidos entre 1995 e 2019. A ideia é que, na medida em que a taxa de desemprego aumenta durante recessões e cai em expansões, essa variável pode capturar mudanças cíclicas da economia.

Os autores encontraram um forte comportamento contracíclico da produtividade. Ou seja, quando o desemprego aumenta (queda da atividade econômica), a produtividade cresce mais rápido. Por outro lado, quando o desemprego cai (expansão da atividade), a produtividade desacelera.

Com base nessas estimativas, os pesquisadores fazem projeções da taxa de crescimento da produtividade durante a Grande Recessão e a pandemia. Os resultados são muito próximos dos dados observados, o que revela que o modelo explica bem o comportamento da produtividade em ciclos econômicos.

Em seguida, os autores investigam a razão da produtividade aumentar em recessões e cair em expansões. Para isso, fazem uma decomposição do crescimento da produtividade por hora trabalhada em três componentes: composição da mão de obra, relação capital/trabalho e produtividade total dos fatores (PTF).

Tanto na Grande Recessão como na pandemia, os três fatores foram importantes para o forte aumento da produtividade do trabalho. Primeiro, na medida em que os trabalhadores mais experientes e com maior escolaridade foram menos afetados pelo aumento do desemprego, houve uma mudança na composição da mão de obra que favoreceu os trabalhadores mais produtivos.

Segundo, como o estoque de capital físico (máquinas, equipamentos e estruturas), foi pouco afetado e o emprego caiu, houve um aumento expressivo da relação capital/trabalho, o que contribuiu para tornar os trabalhadores mais produtivos durante as duas recessões.

Finalmente, houve também um aumento da PTF, o que pode estar capturando fatores não-observáveis, como mudanças na intensidade no uso dos fatores de produção, realocação de recursos entre setores ou ganhos de eficiência decorrentes de uma reorganização das empresas.

No entanto, os três fatores foram transitórios e foram revertidos na medida em que a economia americana se recuperou da pandemia e da Grande Recessão. Em consequência, esses episódios não afetaram a trajetória de baixo crescimento da produtividade dos Estados Unidos que tem sido observada desde meados dos anos 2000.

Embora o estudo se restrinja aos Estados Unidos, a metodologia poderia ser utilizada para entender o comportamento da produtividade no Brasil durante a pandemia. Os dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE mostram que em 2020 houve um salto da produtividade por hora efetiva, seguido de quedas durante a retomada da economia em 2021 e 2022. Em 2023 houve crescimento de 2,3%, mas que se deveu em grande parte ao desempenho excepcional da produtividade da agropecuária.

Embora os dados de 2024 ainda não estejam disponíveis, o crescimento acumulado nos três primeiros trimestres de 2024 em relação ao mesmo período de 2023 foi de apenas 0,3%, o que é consistente com a queda do desemprego que ocorreu ano passado.

Minha avaliação é que um estudo para o Brasil semelhante ao que Fernald e coautores fizeram para os Estados Unidos seria muito útil para entender o comportamento cíclico da produtividade da economia brasileira.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 17/02/2025.

Comentários

ALEX SANDRO PON...
Boa tarde Fernando Veloso, Lendo o seu artigo, que por sinal muito didático com relação a produtividade x ciclo econômico, ja chegando ao final do artigo, foi citado que a Economia Brasileira cresceu 2,3% em 2023. O crescimento do PIB de 2023 foi de 2,9%, atualizado pelo IBGE para 3,2%.

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