Macroeconomia

Quais os efeitos do coronavírus sobre a produtividade?

20 abr 2020

Como abordei em minha última coluna, a pandemia do coronavírus e as medidas adotadas para combatê-la podem ter importantes consequências de médio e longo prazo. Em particular, a produtividade da economia pode ser afetada de forma duradoura, com implicações para o crescimento do produto potencial.

Um artigo de Chad Syverson e Filippo di Mauro divulgado esta semana (“The COVID crisis and productivity growth”) analisa os diversos canais pelos quais a crise do coronavírus pode afetar a produtividade.

Como observam os autores, desde meados dos anos 2000 a economia global já vinha em trajetória de desaceleração do crescimento da produtividade, inicialmente de forma mais intensa nos países desenvolvidos, e depois atingindo também as economias emergentes.

A questão que se coloca é se a crise do coronavírus vai agravar essa tendência de desaceleração ou se, ao contrário, poderia haver uma reversão dessa trajetória de baixo dinamismo. A resposta a essa pergunta tem implicações importantes para projeções sobre o crescimento da economia mundial nos próximos anos.

O artigo enfatiza três mecanismos pelos quais a produtividade pode ser afetada. O primeiro é o crescimento da produtividade no nível da empresa, que depende da acumulação dos fatores de produção e da forma pela qual são combinados para gerar bens ou serviços.

 Nesse aspecto, vários fatores relacionados à pandemia podem ter efeitos negativos sobre a produtividade. Dentre eles, vale destacar a disrupção das cadeias globais de valor, que propiciaram ganhos significativos de eficiência nas últimas décadas. As restrições à mobilidade de trabalhadores entre países, que já vinham aumentando antes da crise, podem ser intensificadas nos próximos anos, também atuando no sentido de limitar ganhos de produtividade.

Além de capital, bens intermediários e trabalho, o processo produtivo também envolve a utilização de fatores de produção intangíveis, como conhecimento organizacional, práticas gerenciais e relações com consumidores e fornecedores. Caso essas relações sofram uma ruptura em função de demissões ou insolvência de empresas, pode ser bastante demorado ou mesmo inviável reconstruí-las quando eventualmente a economia começar a se recuperar.

Fatores macroeconômicos, como a elevação do endividamento público que ocorrerá em muitos países devido ao aumento de despesas para o combate à pandemia, podem resultar em elevação de impostos ou da inflação no futuro, com efeitos negativos sobre o investimento e a produtividade.

Um segundo canal pelo qual o coronavírus pode afetar a produtividade é por meio da realocação de fatores de produção entre firmas. Em cada setor existem empresas com diferentes níveis de produtividade. Essa heterogeneidade é particularmente acentuada em economias emergentes e em desenvolvimento, mas também é observada em países desenvolvidos. Nesse caso, uma realocação de capital e trabalho das empresas menos produtivas para as mais produtivas resulta em aumento da produtividade média da economia.

Não é claro como a crise do coronavírus irá afetar esse mecanismo. De um lado, existem evidências de que empresas de pequeno porte são, em média, menos produtivas que empresas médias e grandes. Como a recessão resultante da pandemia provavelmente atingirá principalmente as pequenas empresas, pode ocorrer uma realocação de fatores para empresas mais produtivas. Por outro lado, as diversas políticas adotadas para combater a recessão podem contribuir para que firmas ineficientes permaneçam no mercado (Zombie firms), reduzindo a produtividade média da economia.

Finalmente, o coronavírus pode afetar a produtividade por meio da realocação de fatores de produção entre setores com diferentes níveis de produtividade. Dentre os setores que provavelmente irão diminuir de tamanho incluem-se hotéis, restaurantes e transporte aéreo, enquanto outros vão se expandir, como saúde, informação e comunicação.

Embora os efeitos da pandemia sobre a produtividade sejam em grande parte negativos, não se pode descartar possíveis impactos positivos. Por exemplo, as tecnologias de comunicação remota que se disseminaram durante o período de crise podem aumentar a eficiência em diversas empresas ou setores. Novas tecnologias que venham a surgir para combater os efeitos do coronavírus podem ter impacto duradouro. Provavelmente haverá também uma intensificação da robotização e do uso de tecnologias mais robustas a eventuais interrupções do processo produtivo.

Embora seja muito difícil prever neste momento como essas diversas forças afetarão a produtividade, algo que está claro é que políticas de combate à pandemia podem ter repercussão no crescimento de longo prazo. É preciso, portanto, que sejam elaboradas e implementadas de forma cuidadosa, procurando preservar as empresas e as relações de trabalho, assim como o equilíbrio macroeconômico.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 17/04/2020.

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Marcely Pereira

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