Quem são os desalentados no Brasil?
Entre o segundo trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016 o Brasil enfrentou um longo período de recessão (11 trimestres) com perda acumulada 8,2% do PIB[1] de acordo com dados do Comitê de Datação de Ciclos Econômico (CODACE). O mercado de trabalho continuou a se deteriorar mesmo após o fim da recessão, tendo a taxa de desemprego começado a cair moderadamente só a partir do segundo trimestre de 2019. Uma das consequências desta perda de dinamismo na economia é o aumento do número de pessoas desalentadas – pessoas que desistiram de procurar emprego porque não tem esperanças de que irão encontrar.[2]
Recentemente, neste mesmo espaço, os economistas Paulo Peruchetti e Silvia Matos descreveram o aumento do desalento no Brasil no período pós recessão. O Gráfico 1 replica essa análise e descreve a evolução trimestral do número de pessoas que se encontram em situação de desalento no Brasil desde o primeiro trimestre de 2012 até o segundo trimestre de 2019. O número de desalentados passou de cerca de 2 milhões no segundo trimestre de 2012 para algo próximo a 4,9 milhões de pessoas no segundo trimestre de 2019, um aumento de quase 153%. O gráfico também sugere que todo o crescimento ocorreu após o segundo trimestre de 2015.
Gráfico 1: Número de pessoas desalentadas (Em milhões de pessoas)
Fonte: IBRE/FGV com dados da Pnad Contínua - IBGE
Entre as razões apontadas para desistir de procurar um emprego, o desalentado pode declarar que não conseguiu um trabalho adequado, não tinha experiência profissional ou qualificação adequada, não conseguiu trabalho por ser considerado muito jovem ou muito idoso ou por acreditar que não havia trabalho na localidade. O Gráfico 2 mostra que a principal razão declarada foi não haver trabalho na localidade – quase 63% dos desalentados afirmaram que desistiram de procurar emprego por essa razão. O segundo motivo mais reportado foi por não ter conseguido encontrar um emprego adequado (19,5%), ser muito jovem e muito idoso (9,9%) e, por fim, não ter experiência ou a qualificação exigida (7,7%).
Gráfico 2: Motivos declarados para o desalento
Fonte: IBRE/FGV com dados da Pnad Contínua – IBGE
Diante deste contexto de aumento do desalento, decorrente principalmente a falta de empregos na localidade de residência dos trabalhadores, surge uma questão importante: onde estão e quem são os trabalhadores desalentados no Brasil? Este post busca responder esta questão. Para isso, vamos explorar os dados da Pnad Contínua, dando ênfase para o segundo trimestre de 2019, para identificar onde estão os desalentados e quais são as características demográficas e educacionais desse grupo da força de trabalho potencial brasileira.
Onde estão os desalentados?
O primeiro aspecto a ser explorado diz respeito ao perfil regional do desalento, apresentada no Gráfico 3. No segundo trimestre de 2019, cerca de 60% dos desalentados estavam na região Nordeste, 21,5% estavam no Sudeste, 9,9% na Região Norte, 4,9% na região Sul e 3,9% na região Centro-Oeste. O Gráfico 4 mostra que Bahia e Maranhão são, dentro do Nordeste, os dois estados que mais concentraram trabalhadores desalentados (15,7% e 12,1% do total observado no país, respectivamente). Na região Norte, destaca-se o caso do estado do Pará que concentrou 5,1% do total de desalentados no Brasil. No Sudeste, São Paulo e Minas Gerais tiveram percentuais bem próximos (9,6% e 8,8%, respectivamente).
Gráfico 3: Distribuição regional do desalento
Fonte: IBRE/FGV com dados da Pnad Contínua - IBGE
Gráfico 4: Distribuição estadual do desalento no 2 trimestre de 2019
Fonte: IBRE/FGV com dados da Pnad Contínua - IBGE
Quais são as características demográficas dos desalentados?
Outro aspecto que merece ser explorado diz respeito ao perfil etário do desalento, apresentada no Gráfico 5.
Gráfico 5: Distribuição etária do desalento
Fonte: IBRE/FGV com dados da Pnad Contínua - IBGE
O grupo mais jovem (14 a 23 anos de idade) concentrou, no segundo trimestre de 2019, cerca de 33,5% do total de desalentados no país. Pelo gráfico, observamos que a participação relativa no total de desalentados vai diminuindo conforme a idade das pessoas vai aumentando. O grupo de pessoas com idade entre 24 e 33 anos concentrou 17,8% do total de desalentados, o de pessoas com idade entre 34 e 43 anos concentrou 17% do total, o grupo com idade entre 44 e 53 anos concentrou 14,2% e com idade entre 54 e 63 anos concentrou 11,3%. A participação relativa dos outros grupos cai bastante, quando comparado com o restante. As pessoas desalentadas com idade entre 64 e 73 anos, representaram, no segundo trimestre de 2019, 5% do total de desalentados, ao passo que o grupo de pessoas com mais de 74 anos representou apenas 1,2% do total.
O Gráfico 6 apresenta a distribuição por gênero do desalento no Brasil. Nota-se que as mulheres concentraram, no segundo trimestre de 2019, 55,2%, mais da metade do total de desalentados no país, enquanto os homens representam 44,8% dos desalentados. Todavia, em relação ao mesmo trimestre de 2012, vê-se que a proporção de mulheres em situação de desalento caiu 6 pontos percentuais.
Gráfico 6: Distribuição por gênero do desalento
Fonte: IBRE/FGV com dados da Pnad Contínua - IBGE
O Gráfico 7 mostra a distribuição racial do desalento no Brasil. A distribuição de cor dos trabalhadores desalentados é diferente da distribuição de cor na força de trabalho como um todo. Conforme apresentado, 61,8% das pessoas que se autodeclaram pardas estavam em situação de desalento no segundo trimestre de 2019. Juntos, os que se declaram pretos e pardos representaram 73% do contingente de desalentados. Os que declararam brancos representaram 25,7% dos desalentados no país. As demais categorias de cor, indígenas e amarelas, somadas, representaram apenas 1,3% do desalento no país.
Gráfico 7: Distribuição por cor/raça do desalento
Fonte: IBRE/FGV com dados da Pnad Contínua – IBGE
Qual a escolaridade dos desalentados?
Por último, será explorado o perfil educacional do desalento no Brasil. Conforme apresentado no Gráfico 8, 41,2% das pessoas desalentadas no Brasil, no segundo trimestre de 2019, não tinham completado o ensino fundamental. Além disso, cerca de 25% dos desalentados tinham ensino médio completo e 10,8% tinham o ensino médio incompleto. O desalento no Brasil é menor para os grupos mais escolarizados. Do total de pessoas que estavam nestas circunstâncias, apenas 2,4%, tinham superior incompleto e cerca de 4,3% haviam completado o ensino superior.
Gráfico 8: Distribuição por Escolaridade do desalento
Fonte: IBRE/FGV com dados da Pnad Contínua - IBGE
Qual a probabilidade condicional de observar o desalento?
As estatísticas descritivas indicam que os desalentados são majoritariamente jovens, mulheres, de cor preta ou parda e com baixa escolaridade. Para entender a importância relativa de cada uma dessas características, estimamos um modelo de probabilidade linear que mensura como as características socioeconômicas discutidas acima (gênero, cor, idade e escolaridade) influenciam a probabilidade do indivíduo ser desalentado (em relação a ser ocupado) e controlando pela pobreza do domicílio, pela condição da pessoa no domicílio, por choques não observáveis nos mercados de trabalho estaduais e por choques macroeconômicos.
Esse modelo indica que as mulheres têm probabilidade 2.1 pontos percentuais maior se declararem desalentadas que os homens, condicional às demais características. Esse é um efeito considerável levando em conta que a probabilidade de desalento é de cerca de 4.2% no período mais recente. Indivíduos entre 18 e 24 anos tem probabilidade de serem desalentados 2.8 pontos percentuais maior que a de indivíduos entre 25 e 49 anos e 2.4 pontos percentuais maior que a de indivíduos de 50 a 64 anos. Indivíduos com ensino médio completo tem probabilidade 3 pontos percentuais menor de serem desalentados que indivíduos sem ensino médio completo. Pretos e pardos também tem maior probabilidade condicional de serem desalentados, mas o efeito é muito pequeno (0.3 pontos percentuais). Entretanto, é importante destacar que o poder explicativo conjunto desses indicadores socioeconômicos é pequeno. Por exemplo, ele é menor que o poder explicativo dos fatores geográficos considerados.
O mesmo modelo é estimado para os indivíduos desocupados para entender se as características que predizem o desalento são diferentes das características que predizem o desemprego. Os resultados são qualitativamente parecidos com os de desalento. Isso indica que as mesmas características que predizem o desalento também predizem o desemprego.
Ainda assim é possível que os efeitos de gênero, cor, idade e escolaridade sobre desalento e desemprego sejam quantitativamente diferentes. O Gráfico 9 reporta os coeficientes padronizados da estimação dos dois modelos de forma a permitir a comparação entre eles. Os resultados sugerem que o coeficiente de gênero é similar nos dois modelos, mas que os demais coeficientes são diferentes. Indivíduos com menos de 25 anos e pretos ou pardos tem probabilidade muito menor de serem desalentados do que desempregados. Já indivíduos com mais de 50 anos tem maior chance de serem desalentados, mas menor de serem desempregado e indivíduos com ensino médio completo tem chance menor de serem desalentados
Gráfico 9: Probabilidade Condicional de observar o desalento por características socioeconômicas
(Coeficiente Padronizado)
Fonte: IBRE/FGV com dados da Pnad Contínua - IBGE
O levantamento das informações presentes neste texto permitiu que fizéssemos uma radiografia do desalento no país. Os dados da PNAD Contínua indicam que o desalento atingiu, em sua maioria, pessoas que residem no Nordeste, mulheres, os mais jovens, pessoas que se autodeclaram pardas e os menos escolarizados. Esse é exatamente o grupo que tem maior chance de estar desempregado, mesmo estando disposto a trabalhar.
Além disso, a principal razão apontada para desistir de procurar emprego foi não haver trabalho na localidade, razão que possivelmente está atrelada a falta de dinamismo da atividade econômica local. Ao analisarmos quais desses fatores são mais relevantes para explicar o desalento, concluímos que o poder explicativo conjunto desses indicadores socioeconômicos é menor que o poder explicativo dos fatores geográficos considerados. Além disso, também concluímos que as características que predizem o desalento são as mesmas características que predizem o desemprego.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1]De acordo com cálculo realizado na série ajustada sazonalmente na divulgação das Contas Trimestrais de 29/08/2019
[2]Formalmente, o IBGE define as pessoas desalentadas como um subgrupo de pessoas da força de trabalho potencial que não haviam realizado busca efetiva por trabalho por considerar que: não conseguiriam trabalho adequado; não tinham experiência profissional ou qualificação; não conseguiam trabalho por serem considerados muito jovens ou muito idosos ou não havia trabalho na localidade. Todavia, gostariam de ter um trabalho e estavam disponíveis para trabalhar na semana de referência.
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