Macroeconomia

Recuperação econômica continua no segundo semestre, mas se espera uma solução fiscal

25 set 2020

A economia mundial segue se recuperando, apesar de o ritmo de contágio pelo coronavírus se manter em um patamar elevado, ainda que estável. Desde meados de julho, a média de novos casos diários tem ficado em torno de 250 mil no mundo, com a queda nos EUA e no Brasil sendo compensada pela aceleração em alguns países europeus e na Índia, que se tornou o novo epicentro mundial da Covid-19, com cerca de 100 mil novos casos diários. No mundo, já foram registrados mais de 30 milhões de casos e o número de mortes totais está se aproximando da triste marca de um milhão.

Apesar do patamar elevado de infecção, o número diário de mortes tem mostrado uma gradual desaceleração e está bem distante do pico registrado em abril. Esse contraste entre os números de casos e mortes pode ser explicado pelo aumento expressivo no número de testes e pelos protocolos médicos mais eficientes, além do isolamento de pessoas do grupo de risco.

Esse quadro permite a retomada da economia, com alguns setores, como a indústria e o comércio, já operando em patamar superior ao observado no pré-crise em diversos países. No entanto, no setor serviços, que foi duramente atingido, a recuperação é apenas parcial, e assim deve continuar pelo menos enquanto as preocupações relacionadas ao vírus persistirem. Consequentemente, somente com a vacinação em massa haverá uma normalização ampla da atividade econômica.

Nesse sentido, os riscos relacionados à pandemia estão migrando dos impactos de curto prazo sobre o desempenho econômico para a possibilidade de um eventual atraso da descoberta de uma vacina segura.

Outros possíveis focos de incerteza pelo mundo decorrem do aumento do risco político nos EUA. A acirrada disputa entre democratas e republicanos, para presidente e no Senado, explica em parte a demora na aprovação de novos estímulos fiscais, que, para muitos, inclusive a autoridade monetária, são fundamentais para sustentar a recuperação em curso. Além disso, o risco de a eleição ser contestada se amplia, podendo se tornar um gerador de volatilidade adicional nos mercados de ativos, já afetados pelas valorizações esticadas de alguns papéis e o risco de que a nova administração tenha uma atitude mais desfavorável às grandes empresas de tecnologia, dos pontos de vista tributário e regulatório. Além disso, as tensões comerciais e políticas entre os EUA e a China persistem. Por outro lado, a boa notícia é que os estímulos já adotados devem fazer o desempenho dos EUA este ano ser melhor do que o inicialmente previsto. A OCDE, por exemplo, revisou sua projeção de crescimento do país de -7,3% para -3,8%. Para o PIB global a previsão passou de uma queda de 6% para recuo de 4,5%.

Na Europa, a economia está melhorando de acordo com o esperado. O Banco Central Europeu revisou as projeções do PIB da região de -8,7% para -8,0% em 2020, com crescimento de 5,0% em 2021, números muito próximos das previsões da OCDE. Porém, a evolução da pandemia impõe um importante risco para a continuidade dessa retomada. O número de novos casos vem aumentando e a chegada do outono reforça o receio de uma repetição do que se observou na Gripe Espanhola, quando a mortalidade se concentrou justo nessa estação. Outra questão que pode gerar volatilidade é a indefinição de como ficará o comércio entre Reino Unido e União Europeia após o Brexit: o prazo de negociação termina em 31 de dezembro e até agora as partes não parecem ter chegado a um acordo. Um “hard Brexit” atrapalhará a retomada na zona do euro e prejudicará ainda mais fortemente a recuperação da economia britânica.

Já na América Latina, após um colapso da atividade econômica no segundo trimestre, os dados mensais indicam ganhos sequenciais nos últimos meses. Além da reabertura gradual da economia, a atividade também foi impulsionada pelos estímulos monetários e fiscais. O Brasil se destaca no contexto regional por ter dado estímulos em grau muito superior aos demais países, de forma que sua contração no segundo trimestre foi provavelmente uma das mais brandas entre os principais países da região.

A região também se beneficia da melhora do ambiente externo, do aumento nos preços de commodities e de um dólar mais fraco. No entanto, a valorização das moedas dos países depende muito das condições locais. No Brasil, em particular, a pressão sobre o real continua, diante das persistentes incertezas domésticas, com destaque para aquelas de cunho fiscal.

Mas, pelo menos no curto prazo, os dados de atividade indicam para o Brasil um cenário de retomada semelhante ao observado em outros países. A prévia das Sondagens do IBRE, com dados coletados até 14 de setembro, sinaliza avanço da confiança dos empresários e dos consumidores. O índice que agrega os quatro principais setores da economia (indústria, serviços, comércio e construção civil) avançou 0,8 ponto em relação ao número final de agosto, atingindo 95,3 pontos, contra 96 pontos em fevereiro, com destaque para a forte contribuição da indústria. Apenas no setor serviços a recuperação continua lenta. Já a confiança do consumidor, apesar de discreto avanço no mês, continua muito baixa, retratando insatisfação com a situação atual.

Porém, algo que preocupa é a incerteza com relação ao cenário fiscal. A prévia do Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) do FGV IBRE relacionado à situação fiscal recuou 50,1 pontos ante o patamar máximo atingido em abril deste ano, uma queda bem menos intensa que a observada no índice relacionado às incertezas políticas. E tem permanecido em um nível muito elevado nos últimos dois meses, sem sinais de recuo.

Em parte isso reflete o quadro fiscal muito ruim previsto para este ano. O déficit primário deve atingir 12,6% do PIB em 2020, mais alto do que inicialmente projetado, devido à extensão da ajuda emergencial. Após a dívida pública bruta ter aumentando 11 p.p. do PIB nos últimos sete meses, ela deve encerrar o ano em 94,9% do PIB, um valor muito elevado para um país emergente.

É um quadro fiscal assustador, que exige um dramático cavalo de pau em relação ao que vem sendo feito este ano. Há, porém, dois problemas. Um, o impacto contracionista que isso teria: não é certo que a demanda privada vá se recuperar a tempo e com a força necessária para compensar um ajuste fiscal desse tamanho. Outra, o fato de as crises sanitária e econômica que têm marcado 2020 terem legitimado necessidades sociais que estavam fora do radar de qualquer governo e cujo atendimento trará pesado ônus para as contas públicas.

Não fazer o ajuste, porém, terá consequências graves. Este ano foi possível recorrer à abertura de créditos extraordinários para custear medidas de enfrentamento da pandemia, mas legalmente não seria possível repetir esses estímulos sem mudar a Constituição. E, mesmo que se faça isso, é difícil imaginar um cenário para 2021 em que o descumprimento do teto de gastos não implique graves prejuízos à capacidade de financiamento público. Especialmente em um quadro de incerteza sobre a velocidade de recuperação da atividade econômica em 2021 e sobre quando o país voltará a registrar superávits primários.


Esse é o sumário do Boletim Macro Ibre de setembro de 2020. Para ler o boletim inteiro, clique aqui.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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