Recuperação em curso, mas gradual e com muitas dúvidas e riscos
Na maioria dos países, o pior da crise de saúde pública e na economia parece ter ficado para trás. Em que pesem alguns focos localizados, como no Sul dos EUA, o número de novos casos parou de crescer e o de mortes vem caindo, conforme melhoram os protocolos hospitalares e se identificam novos tratamentos contra a Covid-19. Há também boas notícias quanto à busca de uma vacina, ainda que essa não deva estar disponível em larga escala este ano, mesmo no melhor dos cenários.
A reabertura parcial de vários negócios e a força dos estímulos fiscais e monetários nas principais economias têm permitido alguma recuperação na atividade econômica, que, em nível global, voltou a surpreender positivamente ao longo das últimas semanas. Depois de maio e junho já terem mostrado recuperações parciais da forte queda do trimestre fevereiro-março-abril, a tendência é que a retomada ganhe força neste trimestre.
No entanto, muitas dúvidas persistem, especialmente sobre como as coisas vão se desenrolar no resto deste ano e no próximo. Em relação à pandemia, há sempre o risco de uma segunda onda. Assim, mesmo que em sua grande maioria as nações desenvolvidas tenham chegado ao que parece ser o estágio final do ciclo epidêmico, alguns países e alguns estados americanos ainda enfrentam uma batalha para conter o vírus, no que parece ter sido uma normalização prematura da economia.
Nos EUA, em particular, há muita incerteza sobre a manutenção do ritmo de recuperação da economia nos próximos meses devido a esse aumento expressivo de casos de Covid-19 em alguns estados, com reflexos na taxa de hospitalização e no número de mortes. No dia 17 de julho, o país registrou número recorde de novos casos diários, de quase 75 mil, de acordo com levantamento do Worldometers. Além disso, Texas, Flórida e mais oito estados registraram igualmente número recorde de mortes. De fato, após o país atingir um pico inicial de contaminação, nunca se conseguiu reduzir o número de casos diários abaixo de um platô de 20 mil. Consequentemente, novas medidas de distanciamento social têm sido impostas em algumas regiões do país.
Para a economia, porém, tem preocupado mais o fim próximo de uma série de programas de estímulo fiscal, que são difíceis de estender, tendo em vista a necessidade de reduzir os elevados déficits públicos, que serão uma das marcas deste ano em quase toda a parte. Esse é o caso, por exemplo, do auxílio do governo americano a desempregados, que em princípio se encerrará ao final deste mês e para o qual, por ora, não há perspectiva de prorrogação.
Há muita dúvida também se a demanda privada conseguirá se recuperar a tempo, e em magnitude suficiente, para compensar o impulso fiscal negativo que virá do encerramento desses vários programas de estímulo, especialmente com um mercado de trabalho que deve se recuperar lentamente. Assim, apesar da melhora observada nas estatísticas do mercado de trabalho nos EUA, por exemplo, o dado semanal de renovação de pedidos de auxílio desemprego registrou mais de 17 milhões de solicitações na semana encerrada em 4 de julho, um patamar ainda muito elevado.
A boa notícia é que, em algumas outras economias, o quadro sanitário e econômico evoluiu melhor que nos EUA. Na Europa, o processo de abertura da economia continua, à medida que o contágio segue controlado. Apesar de alguns surtos em distritos da Alemanha, as medidas de controle têm sido muito eficazes, e, com isso, a recuperação econômica segue em curso.
Na China, como esperado, o PIB voltou a crescer, após a contração histórica observada no primeiro trimestre, pois foi o primeiro país que conseguiu controlar a pandemia. Os dados mostram que a China cresceu no primeiro semestre 1,6%, na comparação com o mesmo período do ano anterior. A recuperação não foi, porém, homogênea em todos os setores, com destaque positivo para a indústria de transformação e construção. Já no setor de serviços, o desempenho tem sido desigual, com os subsetores de tecnologia de informação e intermediação financeira crescendo fortemente, enquanto no comércio, no transporte e nos serviços prestados às famílias o nível de atividade está longe de recuperar as perdas sofridas com a pandemia (Ver Seção em Foco, “ O Farol Imperfeito”).
E há outras fontes de incerteza no ar, além das relacionadas à evolução da pandemia e à redução dos estímulos fiscais. Destacam-se, entre essas, o rumo das tensões entre EUA e China e o resultado das eleições americanas.
Diante deste quadro, o que podemos pensar para o Brasil? Há riscos de ocorrer no pais uma segunda onda, como nos EUA? Em especial, à medida que há uma retomada das atividades, com a reabertura das escolas, dos shoppings etc., qual é o risco de uma nova onda de contaminação? E o quanto a abertura da economia vai melhorar o desempenho da atividade, em um quadro em que a pandemia ainda está presente? E, mesmo controlando a pandemia, mas ainda com restrições para evitar aglomerações, quando o setor de serviços voltará ao patamar pré-crise? Finalmente, após a retirada dos benefícios governamentais, como se comportará o consumo das famílias?
Há diferentes lições que podemos extrair da experiência internacional. A primeira é que, após o forte recuo da atividade econômica observado em março e abril, e da recuperação parcial de maio e junho, a tendência é que haja nova melhora no terceiro trimestre, com a normalização parcial dos negócios. Também se conclui que deve haver uma assimetria entre os setores quanto ritmo ao ritmo de recuperação, com os desafios colocados para os serviços, que são mais dependentes de maior interação social. Os serviços continuam como a atividade mais retraída e não devem voltar ao patamar pré-crise tão cedo. Por fim, há a mesma dúvida que lá fora sobre o impacto na atividade do fim dos estímulos fiscais, em especial do Auxílio Emergencial.
É esse o quadro que as projeções do IBRE contemplam. Os dados preliminares de junho e julho indicam que a economia segue se recuperando, após registrar expressivo recuo em abril e uma modesta recuperação em maio. Projetamos que, após cair 15,5% no acumulado de março e abril, e subir apenas 1,3% em maio — em linha com a previsão do IBRE, mas bem abaixo das expectativas do mercado —, o IBC-Br cresça 6,9% em junho. Com isso, esse indicador deve ter fechado o trimestre recuperando apenas metade das perdas sofridas no período mais agudo da pandemia. Com base nessas informações, revisamos a queda projetada do PIB do segundo trimestre, em relação ao primeiro, de 9,8% para 9,0%. Essa é a maior queda da nossa história documentada, segundo estimativas do PIB trimestral do Brasil desde 1980, desenvolvidas pela equipe do Monitor do PIB do IBRE.
Com base nas sondagens empresariais e do consumidor do IBRE para julho, e também considerando a extensão do Auxílio Emergencial em julho e agosto, revisamos a alta do PIB do terceiro trimestre de 4,6% para 5,6% (TsT). Para o ano como um todo, revisamos a previsão de variação do PIB para -5,5%, contra -6,4% anteriormente. A partir do quarto trimestre, esperamos uma recuperação bem mais gradual, devido ao fim do auxílio emergencial, apenas parcialmente compensado pela lenta retomada da renda do trabalho (Ver seção do Mercado de Trabalho).
O investimento deve ter um desempenho muito ruim este ano, com recuo estimado de quase 24% no segundo trimestre (TsT). Sua recuperação no segundo semestre, por sua vez, será contida pela elevada incerteza. A prévia do Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) do FGV IBRE devolveu apenas 46% da alta de 95,4 pontos observada no bimestre março-abril. E os estudos mostram que, em contexto de alta incerteza, os agentes econômicos ficam menos sensíveis a estímulos externos, como quedas na taxa de juros, sendo o investimento o componente mais prejudicado.[1] Além disso, o câmbio relativamente desvalorizado que tem prevalecido este ano onera as importações de máquinas e equipamentos, também desestimulando o investimento. Nesse contexto, esperamos queda do investimento de mais de 14% em 2020.
E, por fim, uma preocupação adicional é com a sustentabilidade fiscal após a pandemia. Revisamos para cima nossas estimativas de déficit primário e de dívida bruta para este ano, devido à extensão do Auxílio Emergencial e à menor receita fiscal, causada pela postergação no pagamento de tributos. Agora, esperamos para 2020 déficit primário de 12,4% do PIB e uma dívida bruta terminando o ano em quase 95% do PIB.
Para 2021, o desafio fiscal é imenso. A retomada gradual da economia manterá o mercado de trabalho no próximo ano em situação muito ruim e vai conter a recuperação da arrecadação tributária. Além disso, é esperado um aumento de gastos sociais, como com o programa Renda Brasil. A ampliação dos gastos sociais e o financiamento desse programa ainda estão em discussão. Se a questão do financiamento dos gastos públicos não for bem equacionada, a piora das contas públicas vai travar ainda mais a retomada da economia e dificultar a manutenção da taxa de juros próxima às mínimas históricas.
Esse é o sumário do Boletim Macro Ibre de julho de 2020. Para ler o boletim inteiro clique aqui.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Ver Barboza, Ricardo (2017). “Os Efeitos da Incerteza sobre Atividade e Política Monetária no Brasil” . Dissertação de Mestrado PUC-Rio
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