Macroeconomia

Revisitando o cenário econômico pós-pandemia

30 nov 2020

Na coluna de 29 de maio, discuti o cenário econômico pós-pandemia no Brasil. Minha avaliação era de que, diante da perspectiva de um nível de incerteza no período pós-pandemia ainda mais elevado que o que prevaleceu desde 2015, provavelmente teríamos uma recuperação lenta da economia, com baixo investimento e informalidade elevada. Depois de seis meses, parece um bom momento para revisitar essa discussão à luz das novas informações.

Naquele instante, a projeção do IBRE/FGV era de uma queda do PIB de 5,4% em 2020. Esta semana foi divulgado o Boletim Macro do IBRE, que revisou a estimativa do PIB este ano para uma redução de 5,0%. Para o terceiro trimestre, o IBRE projeta crescimento de 7,4% em relação ao segundo trimestre.

Embora a recuperação da economia brasileira desde abril tenha sido relativamente rápida, ela tem sido muito heterogênea. Enquanto a indústria de transformação e o comércio varejista já retornaram ao patamar anterior à pandemia, o setor de serviços permanecia, em setembro, 8% abaixo do nível de fevereiro. Alguns subsetores tiveram desempenho ainda pior, como os serviços prestados às famílias, que encontram-se 36% abaixo do nível pré-Covid.

Além disso, os indicadores apontam para uma desaceleração no ritmo de crescimento do varejo e dos serviços, com expansão menor dessas atividades em setembro em relação à observada em agosto.

Isso remete a outra preocupação em relação à sustentabilidade da atual recuperação, que é o fato de que a expansão da atividade econômica nos últimos meses decorre em boa medida de estímulos temporários, como a antecipação do pagamento do décimo terceiro salário de aposentados do INSS e, principalmente, a enorme despesa com o auxílio emergencial.

Embora tenha tido a intenção meritória de proteger cerca de 38 milhões de trabalhadores informais da queda abrupta da renda decorrente da pandemia, o auxílio emergencial foi excessivo tanto em termos de valor mensal como de número de beneficiários, alcançando cerca de 65 milhões de pessoas.

Consumidores e empresários parecem perceber a insustentabilidade da recuperação recente. Em outubro, o Índice de Confiança Empresarial (ICE) e o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) do IBRE interromperam a trajetória de recuperação observada desde maio, e a prévia de novembro confirma esta tendência de piora da confiança.

O comportamento recente do Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do IBRE também não tem sido favorável. Com a eclosão da pandemia, o grau de incerteza atingiu em abril o maior nível já registrado. Depois de seis meses de quedas consecutivas, a prévia de novembro indica que o IIE-Br voltou a subir, permanecendo acima do nível máximo anterior à pandemia, em setembro de 2015, quando o Brasil perdeu o grau de investimento da Standard & Poor´s.

Este aumento da incerteza reflete em grande medida o agravamento do risco fiscal. O problema não é simplesmente o grande impacto fiscal das medidas de combate à pandemia, mas o fato de que não existe nenhum plano claro por parte do governo no sentido de estabilizar a trajetória da dívida pública nos próximos anos.

Esta é uma constatação que também parece vir de representantes do próprio governo, como sugerem as declarações esta semana do presidente do Banco Central sobre a necessidade de um plano crível para recuperar a credibilidade fiscal.

Além disso, a agenda fiscal no Congresso permanece paralisada, sem que tenham sido votadas a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária para 2021, e sem qualquer discussão sobre as PECs do Pacto Federativo e Emergencial. A reforma administrativa, que já era tímida ao não incluir os atuais servidores, não teve qualquer avanço.

Também permanecem as dúvidas sobre o que será feito após o fim do auxílio emergencial e como seria financiado um novo programa social. Isto é particularmente preocupante em um contexto no qual o cumprimento do teto de gastos ano que vem tornou-se ainda mais difícil com a derrubada do veto da desoneração da folha e a aceleração da inflação neste final de ano, que terá forte impacto em despesas indexadas ao INPC.

Diante da falta de uma estratégia clara por parte do governo e da disfuncionalidade da articulação política entre Executivo e Legislativo, o nível de incerteza provavelmente permanecerá muito elevado nos próximos meses, comprometendo a recuperação da economia em 2021.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 27/11/2020.

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