Macroeconomia

Setor de serviços foi principal responsável pelo fraco desempenho da economia em 2020

24 mar 2021

Introdução

A pandemia de Covid-19 impactou fortemente a economia brasileira e mundial no ano de 2020. No caso brasileiro, a mediana das expectativas do Boletim Focus do Banco Central para o resultado do PIB em 2020 apontava, no início do ano passado, crescimento em torno de 2,3%. O ano de 2020, porém, terminou com queda de 4,1%.

Diversos setores sentiram os impactos econômicos da pandemia devido à necessidade de adoção de medidas de isolamento social para diminuir o ritmo de contágio da Covid-19. No entanto, o setor de serviços se destaca com drástica queda. O Gráfico 1 mostra que, embora o PIB e a indústria também tenham recuado em 2020, este não foi o pior resultado desses componentes na análise da série histórica desde 1948. Já no caso dos serviços, a retração de 4,5% é a maior dos últimos setenta e dois anos (período com dados registrados).


                 Fonte: IBGE – Sistema de Contas Nacionais e Estatísticas do Século XX.  Elaboração própria.

O setor de serviços é composto por sete atividades[1] e representa atualmente, de acordo com as Contas Nacionais, em torno de 63% do PIB brasileiro e 68% do emprego do país. O Gráfico 2 mostra o desempenho, a preços constantes, do setor de serviços e de todos os seus componentes em 2020.


                 Fonte: IBGE – Sistema de Contas Nacionais. Elaboração própria

Das setes atividades que compõem o setor, cinco apresentaram retração em 2020, sendo que três delas atingiram recordes de queda no ano passado, considerando a série histórica iniciada em 1981,[2] a saber: (i) transporte; (ii) outros serviços e; (iii) administração pública. Em conjunto, essas três atividades de serviços representam 33% do PIB brasileiro e suas quedas são a principal razão para o fraco desempenho da economia brasileira em 2020. Da queda de 4,1% registrada no PIB brasileiro em 2020, um parcela de 2,9 pontos porcentuais (p.p.) deve-se ao desempenho dessas três atividades em conjunto. Por essa razão, foi realizada neste texto uma análise desagregada dessas atividades a partir das informações coletadas para o cálculo do Monitor da Atividade Econômica da FGV, de forma a melhor compreender o desempenho desses segmentos determinantes para o resultado ruim da economia em 2020.

Atividade de transportes

A atividade de transportes representa em torno de 3,7% do PIB brasileiro e foi subdividida em cinco segmentos para esta análise: (i) transporte terrestre de carga; (ii) transporte terrestre de passageiros; (iii) transporte aquaviário; (iv) transporte aéreo e; (v) armazenamento, correios e outros serviços de entrega. De acordo com as informações do Gráfico 3, apenas o transporte aquaviário e o segmento de armazenamento, correios e outros serviços de entrega não apresentaram retração na pandemia; o primeiro por não ter sido atingido diretamente pela pandemia, e o segundo devido ao aumento do comércio online que foi impulsionado pela adoção das medidas de isolamento social. Em contrapartida, as atividades de transporte terrestre de carga e de passageiros e o transporte aéreo foram fortemente impactadas pela Covid-19.


Fonte: IBGE – Contas Nacionais, PMS, PAS, IPCA; ABCR – índice ABCR e FGV IBRE -
Monitor da Atividade Econômica da FGV. Elaboração própria.

É evidente que a pandemia de Covid-19 foi a principal responsável pelo desempenho ruim do transporte terrestre e do aéreo em 2020. No entanto, no caso do transporte terrestre, a pandemia parece ter intensificado a retração que já havia se iniciado em  2020 antes do coronavírus, com um fraco desempenho tanto no segmento de carga quanto no de passageiros. Em contrapartida, o crescimento interanual de 4,9% do transporte aéreo registrado no bimestre de janeiro e fevereiro de 2020 foi substituído por avassaladora retração desse segmento no restante do ano. Mesmo os dois segmentos de transporte que registraram alta em 2020 foram afetados de alguma forma em seu crescimento após a chegada da pandemia ao Brasil em março de 2020. No Gráfico 4, são apresentadas as variações interanuais do valor adicionado das atividades de transporte em 2020, considerando o período antes e depois da chegada da pandemia.


Fonte: IBGE – Contas Nacionais, PMS, PAS, IPCA; ABCR – índice ABCR e FGV IBRE -
 Monitor da Atividade Econômica da FGV. Elaboração própria.

Atividade de outros serviços

Segundo as Contas Nacionais, a atividade de outros serviços representa em torno de 15% do PIB brasileiro e, em 2018, era responsável por 32% do emprego do país. Cabe destacar que, do total de postos de trabalho dessa atividade, 26,1% dos vínculos empregatícios são de informais sem carteira assinada. Isso significa que aproximadamente metade de todos os vínculos sem carteira assinada do país estão nessa atividade, que concentra a maior parcela de vulneráveis do mercado de trabalho brasileiro. Por essa razão, os outros serviços destacam-se não somente devido à sua relevância econômica, por representar 15% do PIB do país, mas também pelo impacto social que a atividade possui via mercado de trabalho.

Neste texto, os outros serviços foram subdividos em seis atividades: (i) alojamento e alimentação; (ii) serviços prestados às empresas; (iii) serviços prestados às famílias; (iv) educação privada; (v) saúde privada e; (vi) serviços domésticos. A retração de 12,1% do valor adicionado de 2020, a maior entre todas as atividades econômicas, é explicada pelo recuo de todos os segmentos que compõem os outros serviços, conforme apresentado no Gráfico 5.


Fonte: IBGE – Contas Nacionais, PMS, PNADC, IPCA; DataSUS, INEP e FGV IBRE -
Monitor da Atividade Econômica da FGV. Elaboração própria.

Essa forte retração, disseminada entre as atividades de outros serviços, é explicada por serem áreas diretamente relacionadas ao atendimento de pessoas, necessitando, portanto, de interação entre grandes contingentes populacionais para o seu pleno funcionamento.

No Gráfico 6 são apresentadas as variações interanuais do valor adicionado das atividades de outros serviços em 2020, considerando o período antes e depois da chegada da pandemia, de forma a ilustrar como a Covid-19 afetou diretamente os segmentos que compõem esse item das Contas Nacionais.


Fonte: IBGE  – Contas Nacionais, PMS, PNADC, IPCA; DataSUS, INEP e FGV IBRE -
Monitor da Atividade Econômica da FGV. Elaboração própria.

Conforme foi observado na análise da atividade de transportes, a forte recessão nos segmentos de outros serviços também foi explicada pela chegada da pandemia, tendo em vista que as retrações interanuais no período de março a dezembro de 2020 foram muito superiores às de janeiro a fevereiro. No entanto, mesmo antes da chegada da pandemia, nota-se que o desempenho interanual da atividade de outros serviços no bimestre janeiro-fevereiro era bem fraco, com crescimentos modestos registrados em apenas dois segmentos: 0,5% em alojamento e alimentação e 1,7% no de serviços prestados às famílias. Tal situação mostra que, obviamente, a pandemia derrubou o setor de outros serviços, fato observado não apenas no Brasil como em todo o mundo. Porém, o desempenho observado nos dois primeiros meses do ano indicava que, se nada mudasse, 2020 já seria um ano difícil para a atividade de outros serviços.

Atividade de administração pública

A atividade de administração pública representa aproximadamente 15% do PIB brasileiro e foi subdividida para esta análise em três segmentos: (i) serviços coletivos da administração pública; (ii) educação pública e; (iii) saúde pública. A retração de 4,7% do valor adicionado dessa atividade em 2020 é explicada pelos fortes recuos de educação pública e saúde pública, conforme apresentado no Gráfico 7.

Fontes: IBGE – Contas Nacionais, PNADC, IPCA; DataSUS, INEP e FGV IBRE - Monitor da Atividade Econômica da FGV. Elaboração própria

Os dois segmentos da administração pública que se retraíram foram impactados pelas medidas de isolamento social. A paralisação do ensino, com a substituição pelo ensino à distância não tendo sido integral, teve forte impacto negativo no valor adicionado da educação pública.

No caso da saúde pública, a priorização do atendimento das demandas referentes à Covid-19, associada à retração espontânea dos usuários, fez com que as demais demandas por atendimento à saúde fossem reduzidas, o que teve forte impacto tanto na produção hospitalar pública, que recuou 9,8%, quanto na produção ambulatorial pública, que apresentou queda de 15,4%. De acordo com o DataSUS, a produção hospitalar pública está concentrada (em torno de 99%) nos procedimentos clínicos (consultas, fisioterapia, tratamentos, entre outros) e cirúrgicos, enquanto 91% da produção ambulatorial concentra-se nos procedimentos para fins de diagnóstico, clínicos e de medicamentos.

Destoante das demais atividades que compõem a administração pública, os serviços coletivos da administração pública cresceram 0,9% em 2020, devido ao aumento do pessoal ocupado nessa atividade. Com a abertura dos hospitais de campanha para tratamento da Covid-19, houve ampliação da demanda por profissionais públicos especializados que atendessem a população, o que explica o crescimento desse segmento no ano. No Gráfico 8, nota-se que esse segmento havia apresentado desempenho negativo no primeiro bimestre de 2020 e que, com a chegada da pandemia, houve crescimento interanual de 1,2% no período de março a dezembro.


Fontes: IBGE – Contas Nacionais, PNADC, IPCA; DataSUS, INEP e FGV IBRE -
 Monitor da Atividade Econômica da FGV. Elaboração própria.

Nota-se ainda no Gráfico 8 que a pandemia foi determinante para as expressivas quedas da educação e saúde públicas, tendo em vista as fortes retrações interanuais no período de março a dezembro do ano passado. De qualquer forma, novamente observa-se que o desempenho interanual no bimestre de janeiro a fevereiro também não havia sido bom para a atividade de administração pública.

Conclusão

A análise apresentada buscou explicar as razões que levaram o setor de serviços a apresentar sua maior retração histórica desde 1948, ano de início da série, de forma a investigar quais segmentos das principais atividades de serviços, impactadas pela pandemia, levaram a esse cenário de queda. Ficou evidente que a pandemia e a necessidade de isolamento social foram determinantes para o desastroso desempenho da economia em 2020. No entanto, também ficou evidente que o primeiro bimestre do ano, que ainda não havia sido impactado pela pandemia, já dava sinais de que a economia não apresentava sinais de um crescimento mais robusto em 2020. Isso sugere que, muito provavelmente, caso nada tivesse acontecido para acelerar o crescimento econômico, teríamos encerrado 2020 com um desempenho medíocre, conforme ocorreu nos três anos anteriores.


Este artigo faz parte do Boletim Macro Ibre de março de 2021.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

[1] São elas: (i) comércio; (ii) transporte; (iii) serviços de informação; (iv) intermediação financeira; (v) serviços imobiliários; (vi) outros serviços e; (vii) administração pública.

[2] Na maior desagregação do setor de serviços em sete atividades a série histórica inicia-se em 1980.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.