Macroeconomia

Taxa de participação no Brasil terá queda recorde, suavizando alta do desemprego

4 mai 2020

A PNAD Contínua do primeiro trimestre de 2019 revelou já os prováveis impactos da pandemia da Covid-19 no mercado de trabalho. Após três trimestres móveis com a população ocupada (PO) crescendo cerca de 2% ao ano, neste último terminado em março, houve crescimento interanual da PO de apenas 0,4%, puxada principalmente pelo setor público.

No entanto, apesar do cenário desfavorável para o emprego no período, a taxa de desemprego ainda caiu para 12,2%, frente a 12,7% em março de 2019. Tal queda, de 0,5 pontos percentuais, apesar de menor do que nos trimestres móveis passados, ainda significaria uma sensível melhora, em contraposição aos demais resultados de março.

Essa aparente contradição ocorreu devido à maior redução da taxa de participação desde o início da série histórica, de 61,7% para 61% entre março de 2019 e de 2020. Quanto menos brasileiros se ocupam ou procuram se ocupar, menor vai ser a pressão sobre o mercado de trabalho, reduzindo a taxa de desemprego mesmo em um cenário desfavorável em relação ao número de empregos.

Na última edição do Boletim Macro, de abril de 2020, foi discutido a possibilidade de a situação atual da Covid-19 reduzir drasticamente a oferta de trabalho no país, o que pode frear o aumento da taxa de desocupação. Não apenas a situação do mercado de trabalho fará com que praticamente não haja geração de empregos no período, mas também, neste segundo trimestre, o governo federal iria destinar até R$ 98 bilhões para o auxílio emergencial às famílias, com valor de R$ 600 reais ou R$ 1200 por família, por três meses.

Tendo sido realizado um estudo de regressão com efeitos fixos usando as PNADs Contínuas Anuais de 2017 e 2018, foram estimadas as elasticidades da taxa de participação dos domicílios em relação às condições do mercado de trabalho e transferências de renda. A Tabela 1, abaixo, evidencia tais resultados.

Tabela 1: Elasticidade da taxa de participação (em %) por variável

PO (em variação percentual)

22.81

Receber um benefício

-7.62

+ R$ 1 de benefício

-0.003

Renda Média (em variação percentual)

-10.06

Fonte: PNAD Contínua Anual de 2017 e 2018; Elaboração própria

Tendo como base projeções interanuais em relação ao segundo trimestre de 2019, foi estimada uma redução de 2,5 ponto percentual (pp) da taxa de participação para o período entre abril e junho de 2020. No entanto, tendo em visao que já ocorreu uma redução de 0,7 pp no primeiro trimestre, tal estimativa tende a estar subestimada.

Portanto, dessa vez, será novamente estimada essa queda, com base em projeções intertrimestrais, do segundo trimestre de 2020 em relação ao primeiro. Assim, se absorveria a redução da taxa de participação observada nesse período.

Para se realizar tal mudança, deve se considerar primeiramente a sazonalidade do período. O ajuste mais simples que pode se fazer para corrigir parte dos vieses sazonais de variações entre trimestres é somar/subtrair suas diferenças entre médias trimestrais. A Tabela 2, a seguir, mostra a média de cada trimestre no período entre 2012-2019 das três variáveis de mercado de trabalho que serão usadas.

Tabela 2: Médias trimestrais de variáveis do
mercado de trabalho entre 2012 e 2019

Trimestre

Taxa de Participação (em %)

População Ocupada (milhões)

Renda Real Efetiva

1

61,4

89,99

2 568,0

2

61,6

90,89

2 319,8

3

61,5

91,29

2 334,5

4

61,4

91,80

2 417,3

Fonte: PNAD Contínua    

A Tabela 3, abaixo, resume os parâmetros que serão utilizados para a estimativa. As justificativas para cada um podem ser encontradas na última edição do Boletim Macro. Com estas, é possível realizar as projeções.

Tabela 3: Parâmetros Utilizados para a Projeção
de Redução de Oferta de Trabalho

 

Domicílios (em milhões)

Média domiciliar de elegíveis

Percentual de domicílios com outros benefícios

Ganho de renda per capita

Beneficiários do PBF

13.5

1.8

100%

240

Inscritos no CadÚnico

14

1.6

20%

400

Demais Elegíveis

4.4

1.6

20%

400

Fonte: Ministério da Cidadania; IPEA; Elaboração Própria

Combinando os valores apresentados nas últimas três tabelas, são realizadas as três estimativas com base em três cenários de mercado de trabalho no segundo trimestre de 2020: (1) Queda interanual de 10% da PO e 15% da renda média; (2) Queda interanual de 15% da PO e 20% da renda média, e; (3) Queda interanual de 20% da PO e 25% da renda média. Tais cenários são consistentes com uma queda anual de cerca de 5% do PIB, concentrado principalmente no período de quarentena. A taxa de participação estimada para tais cenários é apresentada no gráfico abaixo.

Como se vê, após oito anos com a Taxa de Participação entre cerca de 61% e 62%, no segundo trimestre de 2020 ela pode cair para um nível entre 57,4% e 58,6%, uma queda interanual na ordem de 4 pontos percentuais. Os gráficos abaixo mostram como, nos diferentes cenários, se comportaria a taxa de desemprego sem e com essa nova queda da taxa de participação. Como se vê, seu nível se reduz sensivelmente assumindo as novas reduções da oferta de trabalho, ainda que se projete uma alta em qualquer um dos cenários apresentados.



   Fonte: Estimativas baseadas na PNAD Contínua

Como se vê, o comportamento da taxa de participação tende a mudar de uma forma nunca vista na história recente do mercado de trabalho brasileiro. Tais mudanças determinarão quanto crescerá a taxa de desemprego no país, sob diferentes cenários de grande redução da disponibilidade de empregos e redução da renda.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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