Cenários

Tendência e nível, uma explicação

19 jul 2022

Considerando que nova tendência de crescimento pós-crise econômica brasileira de 2014-16, de 1,4% ao ano, operou ao longo da própria crise, o que é correto conceitualmente, perda de nível permanente do produto é de 10,5%.

Em post neste blog no dia 13 de junho último, mostrei que a economia teve com a crise de 2014 até 2016 uma perda permanente de 10,5% da atividade. Essa perda de nível se somava a outra perda que ocorreu na taxa de crescimento tendencial da economia. Ou seja, a economia caiu e quando voltou a crescer o fez a uma taxa menor do que a tendência anterior.

O leitor Daniel Suliano lembrou que, no biênio 2015 e 2016, a perda foi de 6,8%. Como compatibilizar a perda de 10,5%, que eu mencionei no meu texto, com a perda, bem menor, de 6,8% no biênio? Essa perda não é comparável com os meus números pelo seguinte motivo: os 6,8% são de uma queda para a média dos quatro trimestres de 2016 ante a média dos quatro trimestres de 2014, enquanto que eu considerei a diferença entre o primeiro trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016.

A perda de 10,5% é medida pela distância entra as retas paralelas vermelha e preta. Ambas são curvas exponenciais que crescem à taxa constante de 1,4% ao ano, que foi a taxa média anualizada de crescimento da economia brasileira entre o segundo trimestre de 2017 e o quarto trimestre de 2019.

Rigorosamente a perda total na grande crise brasileira – que se inicia no segundo trimestre de 2014 e termina no quarto trimestre de 2016 – foi de 8,2%. Essa é a perda de produto entre o primeiro trimestre de 2014, trimestre imediatamente anterior ao início da crise, e o ponto A na figura que marca o quarto trimestre de 2016.

Primeira questão, a perda não teria sido de 6,8%? Não. Como vimos, a perda de 6,8% é entre o produto no ano de 2016 ante o produto no ano de 2014, isto é, a perda no biênio 2015-2016. Diferentemente, como vimos, a perda de 8,2% é o desnível entre o primeiro trimestre de 2014 e o quarto de 2016.

Mas por que motivo o desnível entre as retas vermelha e preta é de 10,5%, tão maior do que os 8,2%?

Porque, ao construir a reta preta a partir do primeiro trimestre de 2014, eu supus que a nova tendência de crescimento pós-crise de 1,4% ao ano já operava ao longo de toda a crise. Isto é, durante os sete trimestres no qual a economia esteve na crise, a tendência era positiva e igual a 1,4% ao ano.

É possível considerar a hipótese de que, ao longo da crise, a taxa de crescimento da tendência fosse zero. Essa hipótese é considerada na curva verde. Sob esta hipótese a diferença entre a tendência verde e vermelha é de 7,1%.

O leitor atentou notou que os 7,1% da diferença entre a tendência vermelha e verde é menor do que os 8,2% de perda de produto entre o pico, no primeiro trimestre de 2014, e o vale, no quarto trimestre de 2016. O motivo é que a curva vermelha passa “por cima” do ponto A. Como fica claro no gráfico, a queda entre o segundo trimestre de 2016 e o quarto trimestre de 2016 foi rapidamente recuperada no primeiro trimestre de 2017, não sendo, portanto, permanente.

Assim, há duas possibilidades. Se o pesquisador considerar que a nova tendência pós crise opera ao longo do período da crise, a perda de nível permanente será de 10,5%. Se o pesquisador considerar que ao longo do período de vigência da crise a tendência tem crescimento nulo, a perda permanente de nível será de 7,1%.

Conceitualmente considerar que a tendência atuava ao longo da crise faz mais sentido. A tendência está associada às alterações tecnológicas e demográficas, fatores que não deixam de atuar em função de uma crise.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Daniel Suliano
Samuel, obrigado pela explicação. Mas ao reler o post anterior Tendência e Nível do dia 15 junho o penúltimo parágrafo parece também levantar uma questão sobre a decomposição da queda. Foi dito que "Note-se que a queda do potencial de crescimento da economia brasileira, fruto de diversos fatores, inclusive do fim do superciclo das commodities e da alteração do regime de chuvas, está incluída no meu exercício. Isto ocorre, pois as duas tendências que eu considerei crescem à mesma taxa, taxa esta dada pela nova taxa de crescimento potencial da economia nas novas e piores circunstâncias". Assim, se no exercício do cálculo da queda de 10,5% estão inclusos o fim do superciclo das commodities e da alteração do regime de chuvas seria possível separar (dentro dos 10,5%) o que é fruto dos erros de política econômica desses dois fatores exógenos citados? Seria a diferença entre 10,5% e 8,2%?

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