Macroeconomia

Teremos que conviver com o vírus

9 abr 2020

Há três estratégias de enfrentamento da pandemia: contenção, mitigação e supressão. Supressão é o que temos feito. Reduz-se a praticamente zero a interação social presencial. Mantêm-se as atividades e serviços públicos essenciais, além daquelas atividades fundamentais à vida doméstica: produção e distribuição de alimentos, de produtos de higiene e limpeza pessoal e de medicamentos.

A mitigação é um caso atenuado de supressão. Um conjunto maior de atividades são mantidas.

Tanto na supressão quanto na mitigação, tenta-se evitar que o vírus se espalhe. Na contenção, faz-se um processo de perseguição ao vírus sempre que ele aparece. Ou seja, mantém-se vida normal e sempre que há um sinal do vírus, corre-se atrás dele.

Para que a contenção funcione, é necessário haver um sistema público preparado para testar pessoas com muita frequência a qualquer sinal do vírus. Sempre que houver um novo caso, é necessário enviar a pessoa imediatamente para a quarentena, se não for grave, e rememorar sua vida nos últimos dias e enviar para quarentena todos que com ela tiveram contato.

Cingapura e Coreia do Sul têm adotado com sucesso a contenção. Além de um sistema público preparado para rapidamente testar e medir a temperatura dos cidadãos (um dos critérios para a testagem é a elevação da temperatura), utiliza-se algum mecanismo de acompanhamento da vida das pessoas. A partir do celular, o Estado consegue acompanhar sua vida, e, se for o caso, enviar a pessoa para quarentena, e, se a pessoa estiver de quarentena, verificar se ela observa os limites impostos à sua mobilidade.

Por outro lado, há sinais de que em alguns lugares na China, em que a vida tinha voltado a algo próximo do normal, já se cancelam sessões de cinemas, por exemplo. É necessário conter uma possível segunda onda da epidemia.

Ou seja, fica claro que o período em seguida à atual supressão da atividade não será de vida normal. Até termos um remédio ou uma vacina mais definitiva para o vírus, a vida não retornará 100% ao normal. Provavelmente jogos de futebol e outros eventos com grandes aglomerações serão proibidos por muito tempo.

O que temos que fazer? Penso que teremos que conviver com o vírus. O atual período de supressão serve para ganharmos tempo e nos prepararmos. Quais são os elementos desse preparo? Após a supressão total, praticaremos um misto de contenção e mitigação e, para algumas atividades, aquelas que envolvem grandes aglomerações, supressão.

Assim, será necessário nos prepararmos para convivermos com uma combinação das três estratégias mencionadas. O pacote de convivência com o vírus envolverá:

  1. Capacitação do SUS e da rede privada para atender, em regime normal, um número maior de doentes por COVID-19, isto é: construção de hospitais gripários; elevação da capacidade produtiva de material de trabalho médico, como máscaras, luvas e roupas de trabalho, respiradores etc.; e, evidentemente, treinar recursos humanos da área de saúde especificamente para doenças respiratórias severas;
  2. Desenvolver capacidade de o poder público testar em massa a população. Dois objetivos: primeiro acompanhar a evolução da fração da população que se encontra imunizada ao vírus e, segundo, operacionalizar a estratégia de contenção;
  3. Conjuntamente com a política de testagem em massa, serão adotadas políticas de medição da temperatura das pessoas. Entre outros locais, será rotina no local de trabalho e nos aeroportos;
  4. Algum mecanismo de acompanhamento das pessoas por meio de celular, com o objetivo de avisar a pessoa que ela dever ir para a quarentena. Adicionalmente, pode ser um importante instrumento para a operacionalização de políticas públicas de sustentação de renda, principalmente dos trabalhadores informais, difíceis de serem localizados com os cadastros existentes;
  5. Toda nossa convivência no espaço público será alterada. Interagiremos mantendo maior distância. Restaurantes, bares e locais de trabalho terão que se adaptar. O trabalho remoto de casa será estimulado, bem como políticas para que os transportes públicos sejam menos sobrecarregados;
  6. Reduziremos pesadamente as viagens internacionais e adotaremos estratégia de acompanhar os recém-chegados. Aplicativos em celular serão importante instrumento para operacionalizar essa política;
  7. Provavelmente manteremos a supressão das atividades com grandes aglomerações.

Para uma coluna econômica, já gastamos muito tempo com a epidemia. O que devemos fazer com a economia?

O enfrentamento da crise por aqui representa um choque negativo na demanda, mas também constitui choque negativo na oferta. Ambos, oferta e demanda, irão se contrair. Toda a evidência que temos para a China, mais adiantada no processo, indica que, por meses, o choque de demanda negativo é superior ao choque de oferta.

Os países têm adotado medidas de políticas fiscal e creditícia, que variam de 15% até 30% do PIB. Para o Brasil, um pacote mínimo recomendado teria os ingredientes descritos a seguir. [1]

Além de recursos adicionais para a saúde, que o Tesouro tem transferido às secretarias estaduais, o pacote mínimo inclui: alguma ação para sustentação de renda dos trabalhadores informais; um programa de financiamento, com risco do Tesouro, para a sustentação do emprego formal; e algum programa de sustentação da receita dos Estados e municípios.

O Congresso Nacional aprovou auxílio de R$ 600 mensais por três meses aos trabalhadores do setor informal.

Para os trabalhadores do setor formal, será necessário cortar os custos das empresas e compartilhar a queda do produto, ao longo do período de calamidade, entre empregados, empregadores e governo.

O ideal é que os salários dos setores paralisados sejam reduzidos à metade e que o seguro desemprego pague metade desta queda. O trabalhador terá queda de 25% do salário, fato permitido pelo artigo 503 da CLT nas atuais circunstâncias.

A queda de 25% do salário pode ser compensada pela liberação do FGTS, como sugeriu recentemente Pérsio Arida na Folha de São Paulo.

Evidentemente, os servidores públicos devem ser incluídos no esforço fiscal dos atuais tempos de guerra. Os salários do serviço público, como do setor privado, deveriam ser reduzidos em 25%.

Ecoando a proposta de Nelson Barbosa no Blog do Ibre, o governo enviou ao Congresso Nacional um projeto de emenda constitucional (PEC) que permite ao Banco Central, em momentos de calamidade, a compra de títulos públicos e privados. Prepara o caminho para uma operação de sustentação da folha de pagamento de empresas.

Finalmente o tema mais delicado: algum programa de sustentação da renda dos Estados e municípios.

Se o Tesouro sustentar a renda dos Estados e municípios – por exemplo, garantir a receita de ICMS, ISS e o FPE nos níveis de 2019 –, o custo do programa será muito elevado. A receita total de ICMS, ISS, FPE e FPM é da ordem de 11% do PIB. Uma frustração de receita por três meses, de 75%, tem custo fiscal de 2,1% do PIB ou R$ 150 bilhões.

Com todos os programas somados, incluindo a queda de receita da União, teríamos um déficit primário de uns 8% do PIB. É um pouco menor do que países desenvolvidos têm feito, mas parece excessivo para uma economia emergente que já parte de um nível excessivo de dívida.

O ano terminará com a dívida pública por volta de 90% do PIB. Provavelmente teremos que enfrentar nova rodada de elevação da carga tributária e teremos que retomar, ainda com mais afinco, a agenda de corte do gasto obrigatório.

Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de abril de 2020.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 


[1] Os próximos parágrafos seguem de perto minha coluna para a Folha de SP de 29 de março.

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