Turbulência externa
Ainda prevemos desaceleração da atividade ao longo do ano, devido à piora das condições financeiras. Mas medidas anunciadas pelo governo, como crédito consignado lastreado no FGTS, devem contribuir para amortecer desaceleração.
O noticiário econômico do mês de abril foi dominado pela turbulência no cenário externo. No dia 2 de abril, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou um conjunto de “tarifas recíprocas” sobre todos os países que comercializam com os EUA, com exceção do México e Canadá. Essa são tarifas adicionais àquelas que já haviam sido impostas anteriormente. É importante mencionar que esta política havia sido prometida desde o começo do segundo mandato de Trump. Nem por isso, porém, a nova política de comércio exterior americana deixou de impactar significativamente os preços de ativos.
Pelo método escolhido para calcular essas tarifas,[1] houve um aumento expressivo das tarifas para praticamente todos os países e produtos para os quais os EUA possuem déficit comercial. Mas mesmo no caso daqueles para os quais isso não ocorria houve uma tarifa recíproca mínima de 10%. Essas tarifas entraram em vigor a partir do dia 5 de abril. No caso do Brasil, como temos déficit comercial com os EUA, ficamos com a tarifa mínima de 10%. Porém, como as tarifas anunciadas anteriormente foram mantidas, o aço e o alumínio produzidos do Brasil continuarão sendo taxados em 25%. Para a China, o valor inicial atingiu 54%, pois houve um adicional de 34% nas tarifas, que se somaram aos 20% que já haviam sido fixados anteriormente. Outros países do sudeste asiático, com os quais os EUA mantêm elevados déficits comerciais, também foram taxados expressivamente.
Nesta decisão inicial, o Brasil ficou em situação relativamente favorável em relação aos seus concorrentes. No entanto, como esperado, logo depois vários países deram início de processo de negociação ou estão esperando mais informações para se posicionarem.
A exceção parece ser a guerra comercial bilateral entre a China e os EUA, que se intensificou conforme a China retaliou impondo a mesma tarifa que passou a incidir sobre suas exportações para os EUA. A partir disso tivemos uma semana com intensa volatilidade nos mercados, marcada por idas e vindas do governo americano: Trump decidiu subir a “tarifa recíproca” sobre a China, que era inicialmente para ser de 34%, para 125%, totalizando 145%! Mas, ao mesmo tempo, decidiu suspender as tarifas recíprocas que estavam acima do valor mínimo de 10% para outros países, por 90 dias. Ou seja, agora todos os países, com exceção da China, vão ser taxados em “apenas” 10%. Novamente, a China retaliou e o nível de tarifas ora impostas pelos dois países virtualmente inviabilizam o comércio entre eles, algo completamente sem sentido do ponto de vista econômico.
Nesse contexto, o mercado começou a precificar o risco de uma recessão nos EUA e de desaceleração na economia chinesa, gerando uma queda nos preços de commodities, com destaque para o petróleo, cujo preço também foi influenciado por decisão da Opec de elevar a produção. Concomitantemente, ocorreu um movimento completamente atípico em períodos de elevada incerteza mundial: o enfraquecimento do dólar frente às principais moedas de países desenvolvidos, e um movimento de “fuga” de títulos da dívida americana. Tudo isso tem contribuído para o governo americano reverter algumas das medidas adotadas. Até o dia em que estamos escrevendo este Boletim, houve pelo menos mais um recuo importante do governo americano, com a isenção total de tarifas reciprocas para smartphones, computadores e outros eletrônicos importados majoritariamente da China.
Mas quase certamente ainda haverá muitas rodadas nesse processo, até porque, em geral, sabemos como guerras comerciais começam, mas é muito difícil prever como elas terminarão. Um aspecto crucial do comércio internacional é que ele é baseado em regras estabelecidas por organismos internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e acordos multilaterais/bilaterais entre países. Quando há ruptura deste padrão e com muitas idas e vindas, empresas globais não têm como avaliar suas decisões de investimento em um cenário de total incerteza sobre as cadeias produtivas.
De qualquer forma, os impactos na economia real, principalmente nos EUA, já estão presentes. Vários varejistas já reportam não apenas aumento de preços, mas também falta de alguns produtos. Índices de confiança continuaram em queda nos últimos meses. Tudo isso vai contribuir para a elevação de preços nas próximas semanas, como também para a desaceleração da atividade.
O banco central americano, o Fed, está em uma situação difícil. Ele tem indicado que poderia até tolerar um repique inflacionário temporário, mas desde que isso não se refletisse nas expectativas de inflação futura dos agentes, o que, obviamente, está longe de ser garantido. Então, podemos ter um cenário de estagflação, com a desaceleração da atividade, mas sem uma inflação que deixe o banco central confortável para uma redução de juros. Lembrando que os núcleos de inflação americana se estabilizaram bem acima da meta de 2% desde meados de 2024, não dando sinais de queda.
No Brasil, os dados de início de ano mostram, como esperado, uma atividade mais positiva que a registrada no último trimestre de 2024, mesmo excluindo a forte contribuição da agropecuária para o crescimento no primeiro trimestre. Mesmo com a desaceleração da indústria de transformação e do comércio varejista ampliado, os serviços devem mostrar um melhor desempenho no trimestre.
Pelo lado da demanda, também se espera que o consumo das famílias cresça no período, após contração de 1% (TsT) no último trimestre de 2024. Concomitantemente, o investimento deve ser um destaque no período. Porém, o resultado foi muito influenciado pela importação de plataforma de petróleo em fevereiro. Esperamos que o investimento cresça 3,7% (TsT) no primeiro trimestre, mas sem a plataforma essa expansão seria em torno da metade desse valor.
De qualquer forma, seguimos esperando uma desaceleração da atividade ao longo do ano, devido à piora das condições financeiras. Mas medidas anunciadas pelo governo, como o crédito consignado lastreado no FGTS, devem contribuir para amortecer esta desaceleração. Além disso, o mercado de trabalho formal surpreendeu muito positivamente neste início de ano e tem sido um fator importante para sustentar a atividade.
Diante do quadro externo muito turbulento, é difícil prever um cenário positivo para a economia mundial e doméstica. Mesmo o Brasil podendo se beneficiar com relação a alguns produtos específicos, como os agropecuários, a economia americana e o mundo como um todo devem desacelerar, com impactos negativos sobre os preços de commodities. Este é um canal importante, não apenas para ativos brasileiros, mas também para a atividade econômica e para as receitas fiscais.
Como já temos um enorme desafio fiscal, o cenário para as contas públicas pode ficar ainda mais negativo. A decisão de se comprometer apenas com metas mínimas de resultado primário -- ou seja, postergando o necessário ajuste estrutural das contas públicas para o próximo governo -- fragiliza ainda mais a nossa economia.
De fato, sem a revisão dos gastos obrigatórios, não será possível viabilizar a sustentabilidade da dívida pública. É necessário rever as indexações e as vinculações do gasto público, bem como reavaliar todas as políticas públicas, incluindo os gastos tributários e os gastos com emendas parlamentares. Todo o orçamento público precisa ser rediscutido, para gerar mais equidade e mais eficiência, mas respeitando a necessidade de um mínimo de equilíbrio nas contas públicas. Será possível esperar até 2027?
Este é o Sumário do Boletim Macro FGV IBRE de abril de 2025.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] A alíquota da tarifa de importação aplicada pelos EUA foi definida a partir da fórmula: ½*((balança comercial bilateral/importações dos EUA oriundas do país)), mas todos estão sujeitos a uma tarifa mínima de 10%.
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