Uma possível explicação para a inflação de serviços subjacentes
Serviços subjacentes refletem dimensão da alta de preços ligada ao impacto dos salários que aumentaram do estrato de serviços básicos, pela menor taxa de participação causada pelos bolsa família/auxílio Brasil turbinados.
Nos tempos recentes, tem havido muita atenção ao núcleo de serviços subjacentes. Este tem mostrado mais resistência a cair para os níveis compatíveis com a meta para a inflação. O trabalho de Daniel Duque, do FGV IBRE, publicado no Boletim Macro IBRE de outubro de 2023, ajuda a vermos o que está acontecendo.
Neste artigo Duque mostra que a taxa de participação está caindo justamente pelo aumento do valor e da amplitude de aplicação dos auxílios sociais básicos do governo (bolsa família e/ou auxílio Brasil). Em si este resultado não é uma surpresa. Com efeito, na minha coluna para o Broadcast de outubro do ano passado (publicado na segunda terça-feira de outubro de 2023) eu mencionei que este efeito era observado. O que é novo é o diagnóstico profundo que Duque faz sobre as consequências desta diminuição na taxa de participação. O primeiro fato observado foi que os salários dos trabalhadores menos qualificados subiram, mas os efeitos em salários dos percentis de 50% e 75% são insignificantes estatisticamente e até mesmo negativo para 75% (embora sem significância). Em outras palavras, o efeito de aumento nos salários causado pelo aumento do bolsa família está concentrado nos 25% menores salários. Estes salários estão em geral atrelados ao setor de serviços básicos (como foi definido por Duque: comércio, alojamento, alimentação fora do domicílio, outros serviços e serviços domésticos). Para comprovar isto, Duque mostra que a diminuição da taxa de participação dá-se sobretudo em regiões que têm a maior participação dos serviços básicos no emprego. Ou seja, a menor taxa de participação não teve efeito relevante nos salários, exceto no estrato salarial inferior. Desta forma, o desemprego menor, causado pelo maior valor e a maior abrangência do bolsa família/auxílio Brasil, causa impacto somente nos empregos de remunerações mais baixas, deixando praticamente inalterada (até a data que foi medida pelo pesquisador) a estrutura salarial dos salários mais elevados!
Isto explica dois fatos muito importantes. Primeiro, por que o desemprego está baixo e não ocorre um aumento generalizado dos salários (de novo, até a data em que o estudo foi feito)? Isto ocorre porque os efeitos no mercado de trabalho da menor taxa de participação foram concentrados apenas nos salários mais baixos. Segundo, por que a inflação medida pelo núcleo dos serviços subjacentes está tão resistente? A razão para este segundo fato é a seguinte: os serviços subjacentes, que são parte do núcleo que é acompanhado pelo Banco Central, têm em sua composição grande porção do que Duque chamou de serviços básicos. Assim, é de se esperar que este componente, que mede justamente o preço de serviços afetados pelo mercado de trabalho que está com maior restrição (pela competição com o “bolsa família”), sofra aumentos superiores ao restante da economia. Obviamente, Duque não explica por que os salários dos estratos de renda mais elevados não sofreram reajustes relevantes, apenas constata o fato. Isto tem a ver com a dinâmica da atividade econômica, estagnada neste segundo semestre, e com a provável elevação do PIB potencial (como observado no meu artigo para o Broadcast de outubro passado).
Desta maneira, podem-se concluir três implicações. Primeira, o Copom não deve centrar sua análise no núcleo de serviços subjacentes apenas. Este núcleo reflete uma dimensão da elevação de preços que sofreu e continuará a sofrer muito mais o impacto dos salários que aumentaram do estrato de serviços básicos, pela menor taxa de participação causada pelos bolsa família/auxílio Brasil turbinados. O Bacen deve olhar os outros preços em conjunto. Em suma, requerer que para aumentar o passo do corte de juros a inflação esteja convergindo para a meta olhando-se apenas para o núcleo de serviços subjacentes é tomar uma medida muito mais restritiva do que é necessário para controlar a inflação, que sabe-se sofrerá mais impacto do mercado de trabalho apertado. Segunda, para saber o efeito real na economia como um todo das medidas anti-inflacionárias, deve-se olhar para o mercado de trabalho nos percentis mais altos (acima de 25%). O emprego/desemprego nestas faixas salariais é que é o principal determinante das pressões gerais da preços na economia. Por fim, terceira, eventuais elevações do bolsa família têm que ser levadas em conta mais diretamente nos modelos de inflação através de seus impactos diretos na taxa de participação e na dinâmica salarial dos estratos de renda inferiores.
Agradeço conversa com Daniel Duque do FGV IBRE que ajudou-me a compreender os resultados obtidos por sua pesquisa. As conclusões aqui descritas são única e exclusivamente de minha reponsabilidade.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 12/03/2024, terça-feira.
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