Macroeconomia

Visão do mercado de trabalho: o emprego reage, mas quadro geral ainda é ruim

15 out 2021

Apesar de aparentemente mostrarem fotografias diferentes do mercado de trabalho, tanto emprego formal do Caged como taxa de desemprego da PNADC estão corretos. Mas os muitos empregos sendo criados são insuficientes para repor perdas e taxa de desemprego deve permanecer alta.

Há uma grande confusão, por parte dos analistas, acerca de como interpretar os números do mercado de trabalho brasileiro. A dificuldade é ainda exacerbada pelo fato de que as duas principais pesquisas sobre o mercado de trabalho brasileiro, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), sofreram mudanças recentes.

O objetivo desse post é lançar um pouco de luz na confusão que tem sido observada na interpretação dos números do mercado de trabalho brasileiro. Mas antes de discutirmos os números iremos tratar das mudanças que ocorreram no CAGED e na PNADC.

Comecemos falando do CAGED. Trata-se de uma pesquisa baseada em dados administrativos e que contém informações relativas aos trabalhadores formais com carteira assinada. Vale ressaltar que, segundo o CAGED, havia no Brasil um total de aproximadamente 41 milhões de trabalhadores com carteira assinada em julho de 2021.

Mas que mudança ocorreu no CAGED? Quando? Essa pesquisa passou por uma mudança metodológica séria na transição de dezembro de 2019 para janeiro de 2020. Mais precisamente no período mencionado a referida pesquisa passou a ser coletada a partir do sistema do eSocial. Ademais, os dados coletados a partir do sistema eSocial receberam o nome de Novo CAGED.

Mas as informações do Novo CAGED têm diferenças com o que se tinha até 2019? Sim. Isso ocorre por dois motivos. Primeiro, na nova série do CAGED as firmas são obrigadas a informar admissões e desligamentos de trabalhadores temporários. Porém, essa obrigatoriedade não existia nos dados antigos. Segundo, o novo CAGED capta dados de firmas que eram omissas na série antiga. Aparentemente, isso ocorre porque as sanções impostas pelo eSocial, em casos de omissão de informação, são mais severas do que ocorria na série antiga.

Passemos agora para a PNADC. Essa é uma pesquisa realizada a partir de visitas domiciliares presenciais e que capta informações sobre uma amostra representativa da população brasileira. No entanto, apesar de coletar dados representativos da população brasileira como um todo, o foco principal da PNADC é na captação de informações referentes ao mercado de trabalho. Nesse sentido a PNADC têm grande abrangência, visto que contém informações de emprego tanto formal quanto informal.

Vejamos alguns números da PNADC, antes de seguir em frente. No trimestre encerrado em julho de 2021 havia no Brasil, segundo a PNADC, aproximadamente 212 milhões de habitantes. Dessas pessoas, cerca de 177 milhões tinham idade para trabalhar (por terem 14 anos de idade ou mais), aproximadamente 89 milhões estavam ocupadas e mais de 14 milhões se encontravam desempregadas. Nesse mesmo período, ainda segundo a PNADC, havia mais de 33 milhões de trabalhadores com carteira assinada no Brasil.

Mas que mudança ocorreu na PNADC? Quando? A PNADC não passou por nenhuma grande mudança metodológica nos últimos anos. Porém, em função da pandemia da Covid-19 houve mudança na forma de coleta dos dados dessa pesquisa, que passou a ser feita por telefone em vez de através de visitas presenciais, a partir de março de 2020. No entanto, desde julho de 2021 a coleta presencial dos dados da PNADC vem sendo gradativamente retomada.

Diante de tantas mudanças no CAGED e na PNADC, dá para entender por que os analistas estão tendo dificuldade de interpretar os dados referentes ao mercado de trabalho brasileiro. Isso acontece também porque muitas vezes os dados têm apontado em direções opostas.

Por um lado, o CAGED parece demonstrar uma recuperação forte do mercado de trabalho brasileiro, já que aponta para uma geração de 1,8 milhão de empregos com carteira assinada nesse ano de 2021 (até julho). Por outro lado, os dados da PNADC parecem apontar em uma direção oposta, já que, segundo essa pesquisa, a taxa de desemprego ainda estava, no trimestre encerrado em julho de 2021, em um patamar muito elevado de 13,7%.

Mas qual das duas pesquisas está correta? Entendemos que, para o emprego formal, o CAGED parece mais confiável. Isso ocorre porque o CAGED utiliza dados administrativos, o que aumenta a sua confiabilidade.

Ademais, especialistas em mercado de trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) já levantaram, em uma nota técnica, suspeita de que a PNADC teria passado a subestimar o emprego formal depois que a coleta dos dados dessa pesquisa começou a ser feita por telefone.[1] Mudança que, como explicado acima, teve início em março de 2020 e só começou a ser revertida a partir de julho de 2021.

Porém, nossa visão é que, para a taxa de desemprego os dados da PNADC seguem sendo extremamente confiáveis. Isso significa que também podemos confiar nos agregados que importam para o cálculo da taxa de desemprego, que são: população na força de trabalho, população ocupada e população desocupada. Isso é inclusive o que encontraram analistas do Banco Central (Bacen) que procuraram “corrigir” os dados da PNADC com base nos “desequilíbrios” encontrados pelos especialistas em mercado de trabalho do IPEA.[2]

Mais precisamente, após grande esforço metodológico os analistas do Bacen concluíram que o dado da taxa de desemprego da PNADC é correto. Esses analistas também chegaram a uma conclusão semelhante acerca dos agregados que importam para o cálculo da taxa de desemprego, que são: população na força de trabalho, população ocupada e população desocupada. Porém, esses analistas confirmaram o achado dos especialistas em mercado de trabalho do IPEA de que a coleta por telefone levou a PNADC a subestimar o emprego formal.

Logo, tanto o emprego formal do CAGED está correto quanto a taxa de desemprego da PNADC também está certa (lembrando que também são confiáveis os agregados usados para o cálculo da taxa de desemprego). Então voltamos à estaca zero? Ficamos sem saber se o mercado de trabalho brasileiro está em forte recuperação, como sugerem os dados do CAGED, ou estagnado, como aponta a taxa de desemprego da PNADC?

Na verdade, não. Agora que entendemos os pontos fortes, e fracos, de cada pesquisa podemos fazer um diagnóstico mais apropriado da situação do mercado de trabalho brasileiro. E qual é o veredito? Infelizmente, o veredito é que o mercado de trabalho brasileiro não está bem.

O ponto positivo é que o emprego está em forte recuperação. Inclusive tanto os dados do CAGED quanto as informações do PNADC sugerem isso. No caso do CAGED, como já dito anteriormente, está havendo grande geração de emprego com carteira assinada agora em 2021. Isso pode ser visto pelo fato que foram gerados, segundo o CAGED, mais de 1,8 milhão de empregos com carteira assinada neste ano (especificamente entre janeiro e julho de 2021).

Semelhantemente, a PNADC também aponta na direção de uma forte recuperação do emprego (ponto que aparentemente tem escapado da visão de muitos analistas). Isso porque, segundo a PNADC, a população ocupada aumentou em mais de 2,8 milhões agora em 2021 (mais precisamente entre o trimestre encerrado em dezembro de 2020 e aquele terminado em julho de 2021). Trata-se de uma geração bastante expressiva de empregos.

O problema é que uma análise abrangente do mercado de trabalho brasileiro não pode parar apenas nessa constatação de geração forte de empregos em 2021. É importante considerar que essa expressiva criação de emprego está ocorrendo após uma grave crise, causada pela pandemia da Covid-19, que debilitou gravemente o mercado de trabalho brasileiro.

Nesse sentido, a PNADC mostra que, ao longo de 2020, foram eliminados cerca de 8,3 milhões de empregos, por conta da crise causada pela pandemia. Isso pode ser visto pelo fato que a população ocupada despencou de mais de 94,5 milhões, no trimestre encerrado em dezembro de 2019, para quase 86,2 milhões, no trimestre encerrado em dezembro de 2020.

Diante dessa evidência, de perda de aproximadamente 8,3 milhões de postos de trabalho por conta da pandemia ao longo de 2020, a geração de emprego no ano de 2021, apesar de forte, se mostra claramente insuficiente. Isso ocorre porque a criação de aproximadamente 1,8 milhão de vagas com carteira assinada, apresentada no CAGED em 2021, fica bem aquém dos 8,5 milhões de empregos que seriam necessários para voltar a situação vigente antes da pandemia. Mesmo a geração de cerca de 2,8 milhões de postos de trabalho formais e informais, trazida pela PNADC em 2021, também se mostra pequena.

Outra variável importante em uma análise mais abrangente do mercado de trabalho é a taxa de desemprego. Realmente, a forte geração de emprego tem contribuído para diminuir a taxa de desemprego ao longo de 2021. Especificamente, a taxa de desemprego estava em 14,5%, no trimestre encerrado em dezembro de 2020, e já caiu para 13,7%, no trimestre encerrado em julho de 2021 (números dessazonalizados). Porém, a taxa de desemprego ainda se encontra claramente em um patamar muito elevado.

Essa é a situação até agora. Mas o que projetamos para o futuro? As perspectivas para frente também não são boas. Vamos aqui pensar no horizonte de setembro de 2021 até o final do ano de 2022. Nesse período acreditamos que a população na força de trabalho deve se aproximar dos patamares vigentes antes da pandemia. Isso significa um retorno de mais 3 milhões de pessoas à força de trabalho entre setembro de 2021 e dezembro de 2022.

Note que projetamos que, até o final de 2022, a população na força de trabalho deve se aproximar do nível vigente antes da crise, porque a tendência é que até lá a pandemia já tenha ficado para trás. Sem pandemia, o normal é que aqueles que saíram do mercado de trabalho voltem a tentar procurar uma ocupação.

Consequentemente, ainda deve haver muita pressão de oferta de mão-de-obra afetando o mercado de trabalho brasileiro até o final do ano que vem. Diante dessa grande pressão de oferta de mão-de-obra, a taxa de desemprego pode até cair, mas deve seguir em patamares elevados, no período considerado aqui.

Vamos agora concluir, tomando a liberdade de utilizar uma metáfora. Tanto CAGED como PNADC indicam que parte da floresta, aquela referente ao emprego, está bem. Isso ocorre porque o mercado de trabalho está atravessando uma forte recuperação do emprego. Porém, quando olhamos para uma foto mais abrangente do mercado de trabalho, algo que só conseguimos visualizar através da PNADC, entendemos que a floresta ainda está em chamas.

Em resumo entendemos que a floresta ainda está em chamas por dois motivos. Primeiro, diante da grande perda de emprego causada pela pandemia, a forte geração de postos de trabalho de 2021 se mostra até pequena (independentemente se considerarmos a criação de empregos do CAGED ou da PNADC). Segundo as perspectivas para frente não são boas, dado que muitos ainda precisam voltar à força de trabalho. Nesse cenário, a taxa de desemprego pode até cair, mas ainda deve permanecer em patamares elevados, entre setembro de 2021 e dezembro de 2022.


[1] Para maiores informações ver a seguinte nota técnica: “https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/210318_cc_...”.

[2] Para maiores informações ver a seguinte nota técnica: “https://www.bcb.gov.br/content/ri/relatorioinflacao/202106/ri202106p.pdf”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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