A nova década perdida e os danos econômicos da pandemia em 2020
A década de 2011 a 2020 é pior do que a década de 80: O PIB, o PIB per capita, o consumo e o investimento em 2020 são todos menores de que os de 2011. Passamos pela mais forte e prolongada recessão de nossa história e a pandemia ampliou a derrocada.
Já comentamos anteriormente sobre as perdas e danos da pandemia em termos de capital humano. Vale dizer que, além das óbvias sequelas sociais e emocionais da pandemia, há parcela importante da formação intelectual e das habilidades adquiridas ao longo da vida que está sendo perdida com as já mais de 400 mil vítimas desse flagelo.
No início a pandemia vitimou principalmente idosos, alguns deles essenciais para a manutenção da renda de suas famílias. No período recente os contágios e falecimentos têm vitimado mais fortemente também outras faixas etárias, que incluem componentes diretos da força de trabalho que farão muita falta para a retomada do crescimento econômico.
Neste post buscamos medir, em reais de 2020, as perdas de renda total e em cada atividade econômica, de acordo com as Contas Nacionais. Observa-se na Tabela 1 abaixo que, de 2019 para 2020:
- A perda de PIB foi de cerca de R$ 315 bilhões;
- A maior perda foi a do setor de Outros Serviços com quase a metade das perdas (R$ 144,8 bilhões). Este setor foi o mais atingido dada a necessidade de aglomeração característica dos segmentos que o compõem como: alojamento, alimentação, serviços domésticos, saúde privada, educação privada e serviços prestados às famílias e as empresas;
- A perda de arrecadação de impostos sobre produtos (bens e serviços) foi de R$ 41,2 bilhões;
- Das 12 atividades econômicas[1] medidas pelo IBGE nas Contas Nacionais Trimestrais, apenas quatro atividades não apresentaram perdas: agropecuária, extrativa mineral, intermediação financeira e serviços imobiliários;
- O consumo das famílias, o componente mais importante da demanda final, tem perda de quase R$ 270 bilhões.
Tabela 1 - Valor Adicionado da atividades, PIB e componentes da demanda R$ Mi de 2020 |
2019 |
2020 |
2020-2019 |
AGROPECUÁRIA |
431.388 |
439.838 |
2.480 |
Ext. Mineral |
183.187 |
185.580 |
2.660 |
Transformação |
760.117 |
727.648 |
-36.565 |
Eletricidade |
189.563 |
188.864 |
-734 |
Construção |
228.514 |
212.463 |
-16.436 |
INDÚSTRIA |
1.361.987 |
1.314.555 |
-49.268 |
Comércio |
901.609 |
874.033 |
-24.607 |
Transporte |
305.944 |
277.673 |
-29.349 |
Serv. de inform. |
225.208 |
224.727 |
-459 |
Interm. Finaceira |
434.790 |
452.148 |
16.336 |
Serv. imobiliários |
644.367 |
660.606 |
16.319 |
Outros Serv. |
1.188.105 |
1.044.592 |
-144.854 |
APU |
1.209.182 |
1.152.591 |
-57.237 |
SERVIÇOS |
4.905.311 |
4.686.370 |
-218.475 |
VA |
6.703.867 |
6.440.763 |
-265.825 |
Imposto |
1.058.811 |
1.007.095 |
-42.190 |
PIB |
7.762.961 |
7.447.858 |
-315.102 |
Consumo das Famílias |
4.940.382 |
4.670.910 |
-269.472 |
Consumo do Governo |
1.601.221 |
1.526.283 |
-74.938 |
Formação Bruta de Capital Fixo |
1.233.312 |
1.223.733 |
-9.579 |
Exportação |
1.278.977 |
1.256.517 |
-22.460 |
Importação |
1.280.634 |
1.153.185 |
-127.449 |
- Em 2014, início da última recessão brasileira antes da chegada da pandemia do coronavírus (de acordo com o CODACE - Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos), o PIB brasileiro era, a preços de 2020, de R$ 7,956 trilhões e ao final daquela recessão, em 2016, foi de R$ 7,422 trilhões, o que resultou em uma perda de 533 bilhões de Reais e, portanto, de R$ 3.220 em termos de PIB per capita;
- Em 2019, antes de entramos na recessão ocasionada pela pandemia, ainda devíamos R$ 193 bilhões de PIB, comparado com o início da recessão de 2014, ou seja, após três anos de finda aquela recessão, ainda não havíamos recuperado todas as perdas de PIB que ela gerou;
- Com a chegada da pandemia, a situação ruim ficou ainda mais grave. Ao longo da última década, de 2011 a 2020, o PIB retraiu 92 bilhões de Reais, ou seja -1,2%, e como a população cresceu no mesmo período (10,1%), o valor do PIB per capita reduziu-se em 4.024 Reais.
- Em termos de consumo das famílias, ele estava em 2019 em 36 bilhões de Reais de 2020 inferior ao registrado em 2014 e com a chegada da pandemia essa diferença aumentou, desde 2014, para 305 bilhões de Reais em 2020,
- Na década o consumo das famílias aumentou apenas 126 bilhões de Reais e o consumo per capita reduziu-se em 1.563 Reais.
Tabela 2 - PIB, Consumo das famílias e PIB per capita em Reais de 2020 |
Em 1.000.000 Reais |
Em Reais |
||
PIB |
Consumo das Famílias |
PIB per capita |
Consumo per capita |
|
2011 |
7.540.411 |
4.544.171 |
39.196 |
23.621 |
2012 |
7.685.276 |
4.703.192 |
39.626 |
24.250 |
2013 |
7.916.204 |
4.866.441 |
39.378 |
24.207 |
2014 |
7.956.099 |
4.975.952 |
39.237 |
24.540 |
2015 |
7.673.994 |
4.815.901 |
37.535 |
23.555 |
2016 |
7.422.601 |
4.631.105 |
36.018 |
22.472 |
2017 |
7.520.792 |
4.722.706 |
36.217 |
22.742 |
2018 |
7.654.938 |
4.834.441 |
36.715 |
23.187 |
2019 |
7.762.961 |
4.940.382 |
36.941 |
23.509 |
2020 |
7.447.858 |
4.670.910 |
35.172 |
22.058 |
Fonte: IBGE – Contas Nacionais Trimestrais; elaboração dos autores.
As informações precedentes evidenciam uma paralisação econômica de 10 anos em que o valor do PIB cai, o PIB per capita cai, o consumo per capita cai, as atividades econômicas capazes de induzir um crescimento econômico sustentável reduzem-se todas. Tal cenário traz à tona o questionamento sobre até quando iremos ficar inertes crendo que as reformas e o ajuste fiscal serão suficientes para retomar o crescimento e o emprego. Já é tempo de perceber que não haverá crescimento econômico espontâneo e que o Estado tem que agir engendrando políticas econômicas que induzam o crescimento econômico e o emprego num movimento virtuoso. O mundo desenvolvido está nos mostrando que esse é o caminho.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] A saber: (i) agropecuária; (ii) extrativa mineral; (iii) transformação; (iv) eletricidade e gás, água, esgoto, ativ. de gestão de resíduos; (v) construção; (vi) comércio; (vii) transportes; (viii) serviços de informação; (ix) intermediação financeira; (x) serviços imobiliários; (xi) outros serviços e; (xii) administração pública.
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