Macroeconomia

O comportamento da atividade de Outros Serviços, a que mais aglomera, na atual recessão

28 ago 2020

A recessão iniciada no 1º trimestre deste ano, de acordo com o CODACE,[1] em decorrência da pandemia de Covid-19, trouxe diversos recordes negativos para a economia brasileira. Além de ser a primeira vez em que entramos em recessão sem termos recuperado completamente a perda da recessão anterior, a retração de 8,7% do PIB no 2º trimestre, divulgada no Monitor do PIB-FGV, é a maior desde 1980. Na análise desagregada nota-se que, além do PIB, os recordes negativos foram disseminados em diversas atividades econômicas.

Não é apenas pelos recordes de retrações que a recessão de 2020 difere das anteriormente vivenciadas no país. Nas outras nove recessões brasileiras, a economia era a causa principal da entrada em período recessivo, seja por crises globais que afetavam o Brasil ou mesmo problemas internos de nossa economia. Nesta recessão a economia foi atingida por uma crise sanitária de elevada proporção de contágio devido a disseminação da Covid-19 pelo mundo. O rápido alastramento da doença e a preocupação com a sobrecarga nos hospitais resultou na necessidade de adoção de medidas de isolamento social como a melhor forma de diminuir o ritmo de contágio da doença e preservar vidas, dado que ainda não existe uma vacina ou remédio que combata o vírus. Embora a economia não tenha sido a principal protagonista da atual recessão brasileira, ela foi rapidamente impactada pelos efeitos da pandemia a partir de março deste ano.

Segundo os dados do Monitor do PIB-FGV, das três grandes atividades econômicas (agropecuária, indústria e serviços), a indústria foi a atividade que registrou a maior perda de valor adicionado no atual período recessivo (do 1º ao 2º trimestre de 2020), com recuo de 14,3%. No entanto, a queda de 9,7% do valor adicionado do setor de serviços merece destaque por contabilizar mais um recorde negativo desta recessão com a maior retração trimestral já registrada neste segmento.

Dentre as sete[2] atividades que compõem o setor de serviços, cinco[3] apresentaram perdas acumuladas recordes na atual recessão (1º trimestre ao 2º trimestre de 2020) em comparação as anteriores, segundo os dados do Monitor do PIB-FGV. No entanto, a atividade de Outros Serviços merece destaque na análise do setor pela magnitude da queda registrada nesta atividade este ano. Antes da chegada da pandemia, os dados do Monitor do PIB-FGV, ilustrados no Gráfico 1, mostravam que a maior perda acumulada em períodos recessivos desta atividade havia sido de -6,1% na recessão do 2º trimestre de 2014 ao 4º trimestre de 2016. Na atual foi de 22,7%, ou seja, 3,5 vezes maior do que a queda da recessão anterior.

A atividade de Outros Serviços representa aproximadamente 24% do valor adicionado da atividade de serviços e 18% do valor adicionado total da economia e, para este texto, foi subdividida em seis componentes: alojamento e alimentação; serviços prestados às famílias; serviços prestados às empresas; serviços domésticos; educação privada e saúde privada. Além do fato de que estes componentes são diretamente relacionados ao atendimento de pessoas, ou seja, precisam da interação entre grandes contingentes populacionais para o seu funcionamento, também são extremamente intensivos em trabalho; característica, de modo geral, do setor de serviços como um todo. De acordo com as Contas Nacionais, em 2017, a atividade de serviços respondeu por 68% das ocupações da economia brasileira, sendo que 31% de todos os postos de trabalho da economia referiam-se à atividade de Outros Serviços.

A pandemia, e a consequente necessidade de implementação de medidas de isolamento social, atingiu diretamente os componentes da atividade de Outros Serviços. A perda acumulada de 22,7% dessa atividade foi a maior de todas as atividades divulgadas pelo Monitor do PIB-FGV superando, inclusive, as quedas das atividades industriais que, por serem pró-cíclicas, tendem a ter as maiores retrações durante as recessões. No Gráfico 2 são apresentadas as perdas acumuladas estimadas pelos autores para cada atividade de Outros Serviços na atual recessão.

Conforme apresentado, o componente de Outros Serviços mais atingido no atual período recessivo foi o de alojamento e alimentação com queda de 41,7%. A redução do fluxo de turistas pelo país e o fechamento para consumo presencial de restaurantes e bares teve impacto direto nesta atividade. Embora as medidas de isolamento social já estejam em processo de flexibilização em diversas regiões do país, este componente segue em queda na comparação mensal (contra o mês anterior) desde março, tendo apresentado uma quase estagnação em junho (-0,2%). O componente de saúde privada, o segundo mais atingido pela atual recessão, teve elevada perda de 36,2% no período. Isto está associado ao adiamento de consultas eletivas e exames laboratoriais não emergenciais. No entanto, na análise mensal, este componente já mostra uma recuperação mais robusta em junho em comparação a maio (10,2%), embora ainda não tenha sido suficiente para recuperar as perdas do período recessivo.

Os componentes de serviços prestados às famílias, serviços prestados às empresas e os serviços domésticos apresentaram quedas similares em torno de 18% no período. As quedas nestes segmentos estão associadas ao fechamento de cinemas, teatros, eventos esportivos, religiosos, atividades empresariais e adiamento da ida de pessoas que trabalham como domésticas ao trabalho. Na comparação mensal destes segmentos apenas o componente de serviços prestados às empresas já mostrou alguma recuperação em junho (3,9%). Por fim, a educação privada, único componente de Outros Serviços a apresentar pequeno crescimento no período, também foi afetada pela suspensão de aulas presenciais.

Por esta razão, da queda de 9,7% da atividade de serviços no atual período recessivo, pode-se atribuir grande parte a atividade de Outros Serviços (em torno de -4,1 p.p.). Como exercício para exemplificar essa questão, no Gráfico 3, se a atividade de Outros Serviços não compusesse a atividade serviços a retração no atual período recessivo não teria sido recorde. A recessão que durou do 2º trimestre de 2014 ao 4º trimestre de 2016 continuaria sendo a de maior retração da atividade de serviços, com perda acumulada de -5,9%, em comparação a perda atual que seria de -5,6%, sem Outros Serviços.

Além das medidas de isolamento social terem afetado o desempenho do valor adicionado dos componentes da atividade de Outros Serviços, o medo do contágio já é condição suficiente para que a atividade tenha sido muito atingida pela recessão. O fraco desempenho mensal de Outros Serviços, mesmo com o início do processo de flexibilização, mostra que a recuperação da atividade deve ser lenta. O crescimento de 2,0% da atividade em junho, apontada pelo Monitor do PIB-FGV, é um bom sinal pois interrompe uma sequência de três quedas severas, mas ainda é muito pouco, tendo em vista o nível de perda verificado recentemente. A elevada insegurança com relação ao risco de contaminação em conjunto com o mercado de trabalho deteriorado indica que, enquanto não houver um marco para o fim da pandemia, como a vacina ou um medicamento eficaz, é difícil imaginar que a atividade de Outros Serviços, tão relacionada a aglomerações, volte ao patamar de antes da pandemia.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da FGV.

[2] São elas: comércio, transporte, informação e comunicação, atividades imobiliárias, intermediação financeira, outros serviços e administração pública.

[3] São elas: comércio, transporte, informação e comunicação, outros serviços e administração pública.

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