Cenários

Cenário à frente promete ser desafiador, aqui e lá fora

25 ago 2022

Em que pese a atividade ter surpreendido para melhor na primeira metade do ano, não há como não recear que os próximos semestres venham a ser um período muito desafiador para o consumo das famílias e a economia em geral.

Quatro forças principais têm moldado o desempenho da economia este ano e vão continuar a fazê-lo em 2023: as políticas monetária e fiscal, a geopolítica e a normalização das condições sanitárias, aí incluída a decisão das famílias sobre o que fazer com a poupança acumulada na fase de isolamento social. O sentido e a intensidade dessas forças, porém, deve mudar bastante deste para o próximo ano, gerando resultados igualmente diferentes.

O primeiro semestre de 2022 foi bem mais favorável para a atividade econômica no Brasil do que o esperado alguns meses atrás. Estimamos que, no segundo trimestre, o PIB tenha crescido 1% ante o primeiro; ou seja, foi possível manter, em termos agregados, o mesmo ritmo de expansão dos primeiros três meses do ano. O grande destaque, pelo lado da oferta, tem sido o crescimento robusto do setor de serviços, e, pelo lado da demanda, o consumo das famílias. De acordo com o Monitor do PIB, em torno de 85% do crescimento interanual do consumo das famílias pode ser explicado pela alta no consumo de serviços. Esse resultado em parte reflete o elevado peso dos serviços na cesta de consumo das famílias brasileiras, mas também o impacto da normalização das atividades com a contenção da pandemia.

A reabertura da economia, com a normalização de diversas atividades de serviços, que são presenciais e, portanto, mais intensivas em trabalho, responde não só por parcela significativa do bom desempenho do PIB no período, mas também pelas surpresas positivas observadas no mercado de trabalho. Em contrapartida, e apesar do aumento, na margem, da massa salarial real, observa-se que a demanda por bens desacelerou, com impactos negativos sobre o varejo e a indústria.

E o que podemos esperar para o segundo semestre deste ano e para 2023?

Em que pese a atividade ter surpreendido para melhor na primeira metade do ano, não há como não recear que os próximos semestres venham a ser um período muito desafiador para o consumo das famílias e a economia em geral. Estímulos fiscais e reduções temporárias de preços de energia e de outros preços administrados devem ajudar neste segundo semestre, mas perderão força, ou inverterão o sinal, em 2023. Os efeitos contracionistas da política monetária se tornarão cada vez mais fortes, mesmo que o BCB comece a reduzir a Selic ainda em 2023, como aposta o mercado. A desaceleração da economia mundial, por sua vez, deve impactar negativamente os preços das commodities, ainda que não a ponto de esses retornarem ao patamar pré-pandemia.  E o efeito da normalização das condições sanitárias deve perder significância, exceto, talvez, na China.

De fato, se observa que já está em curso um processo de desaceleração da atividade econômica. É o que mostram os indicadores de confiança setorial e do consumidor do FGV IBRE. Com relação ao comércio, a tendência continua a ser de retração, sendo que também esperamos contração do varejo ampliado neste terceiro trimestre. Com relação aos serviços, mesmo que julho ainda tenha sido favorável ao setor, a prévia da Sondagem para agosto já aponta contração no mês.

Outro setor que tem sido destaque, a construção civil, com expansão de quase 9% no primeiro semestre, em relação ao mesmo período do ano passado, também tem mostrado perda de fôlego. Esse setor foi muito beneficiado pelos estímulos adotados durante a pandemia, encerrando o segundo trimestre de 2022 cerca de 11% acima do nível observado no último trimestre de 2019, antes da pandemia. Um resultado muito superior ao desempenho do PIB, cujo crescimento na mesma comparação é estimado em 2,8%. Não obstante, a sondagem da construção referente a julho já mostrou recuo das expectativas para os próximos meses, ainda que a percepção referente à atividade corrente tenha continuado favorável, refletindo o bom ciclo de negócios dos últimos dois anos.

E o investimento, que no segundo trimestre conseguiu compensar as perdas dos primeiros três meses de 2022, deve recuar no ano. Isso em função, além do aperto monetário, de toda a incerteza na economia, que continua em patamar historicamente alto. O calendário eleitoral, em conjunto com a incerteza política, vai prejudicar o investimento neste segundo semestre, contribuindo para o baixo crescimento econômico do período. Em julho, o indicador de incerteza política voltou a subir, como também o fez o indicador referente à incerteza da política fiscal. Os estudos mostram que o aumento da incerteza afeta mais o investimento, quando comparado ao impacto no consumo privado e no PIB agregado. Esse resultado é consistente com o fato de que decisões de investimento usualmente apresentam maior grau de irreversibilidade e, tipicamente, são mais afetadas pelas expectativas. Também é consistente com a maior flutuação do investimento ao longo do ciclo econômico.[1]

Nesse sentido, cremos que há pouco espaço para otimismo sobre o desempenho do investimento em 2023, em que pese a trajetória ascendente da taxa de investimento ao longo dos últimos anos, que, a preços correntes, atingiu 19,2% em 2021, ante 15,5% em 2019, refletindo um aumento real de 16,5% nesse período. Em parte essa alta refletiu alguns fatores bem específicos e temporários, dentre os quais cabem destacar: a internalização das plataformas de exploração e produção de petróleo, o aumento do preço relativo do investimento em relação ao PIB, e uma concentração dos investimentos em setores beneficiados pelo aumento de preços de commodities, assim como pela taxa real de juros muito baixa, como a agricultura, a energia e a construção civil. [2]

Com relação ao cenário externo, o quadro também é desafiador. É o que mostram os Barômetros Econômicos Globais Coincidente e Antecedente do FGV IBRE.[3] Os Barômetros Globais voltaram a cair em agosto, sinalizando expressiva desaceleração do crescimento mundial no trimestre. O Barômetro Coincidente recua pelo sétimo mês consecutivo, enquanto o Barômetro Antecedente volta a cair, depois de registrar estabilidade em julho. Os resultados refletem uma perspectiva pessimista também para o crescimento econômico global nos próximos meses. Entre os indicadores setoriais coincidentes, a queda foi disseminada em todos os setores, com destaque negativo para  a construção, com queda de 4,0 pontos, atingindo o menor patamar entre todos os setores (71,5 pontos). Com esse resultado, todos os indicadores se afastam ainda mais da média histórica de 100 pontos. (continua)

Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de agosto/2022.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.


[1] Ver “Incerteza e atividade econômica”.  Estudo Especial nº 65/2019. Banco Central do Brasil em https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE065...

[3] Os Barômetros Econômicos Globais são um sistema de indicadores que permite análise tempestiva do desenvolvimento econômico global. Eles representam colaboração entre o Instituto Econômico Suíço KOF da ETH Zurique, na Suíça, e a Fundação Getulio Vargas (FGV). Ver https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2022-08/barometros-globais....

Comentários

Eloi Antonio Mo...
Bom dia. Gostaria de deixar meu testemunho como comerciante. No meu ramo, o segundo semestre, iniciado em julho, trouxe um aumento significativo nos negócios. O que se pode notar também na maioria de nossos fornecedores, já que todos estão com vendas a todo vapor e prazos de entrega dilatados. Nas idas aos supermercados, notamos um aumento significativo de pessoas comprando. Isso posto, não percebi retração alguma no presente semestre da atividade industrial/comercial. Vale notar que os preços dos produtos por nós comercializados se mantêm estáveis por enquanto. Gratos, Eloi A.M.Peres

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