PIB cresce acima do potencial o ano inteiro
Alguns diretores do BC veem indícios de que o PIB potencial poderia estar maior, refletindo reformas econômicas estruturais. Achamos prematura essa discussão, principalmente mirando a decomposição do crescimento potencial.
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O hiato do PIB[1] - O hiato do produto apresenta sua terceira estimativa consecutiva positiva (1,1%), após permanecer nove anos em terreno negativo, desde 2014. O Gráfico 1 indica reversão na trajetória do hiato negativo, sugerindo ausência de capacidade ociosa na economia nos últimos três trimestres (1,8% no 2T23 e 0,6% no 1T23). Desde o segundo trimestre de 2014, quando o hiato foi de 0,2% (e quando foi datado o início do ciclo recessivo que perdurou até 2016), não havia sido observada leitura de hiato do produto positiva. No terceiro trimestre de 2023, mesmo com a queda de 0,2% no produto efetivo, o resultado positivo persistiu, pois o produto potencial seguiu abaixo do efetivo. O Gráfico 3 mostra que esse crescimento potencial (0,7% acumulado em 4 trimestres) foi composto por crescimento do capital potencial em 0,8%, do trabalho potencial em 0,2% e por queda da PTF em -0,3%. Tendo em vista que o crescimento da atividade econômica no primeiro semestre do ano foi fortemente puxado pela agropecuária, é também coerente que o crescimento potencial tenha sido mais forte em capital, pelas máquinas agrícolas.
Fonte: informações primárias do IBGE (PIB, FBKF, trabalho), da FGV (NUCI). Elaboração própria
Alguns diretores do Banco Central envolvidos com política monetária afirmam haver indícios de que o PIB potencial poderia estar maior, refletindo as reformas econômicas estruturais dos últimos anos e, de alguma forma, justificando que não houve transbordamento para inflação desse hiato positivo observado ao longo do ano.
Achamos prematura essa discussão, principalmente se olharmos a decomposição do crescimento potencial. Pensando que a discussão de produto potencial é estrutural e de longo prazo, e ao notarmos que a economia cresce com uma taxa de investimento em torno de 18% e uma PTF que não cresce muito acima de 0,4%, dificilmente vemos o produto potencial acima de 1,6%, 2,0% (Tabela 1).
Tabela 1
No início de dezembro, o MEC divulgou os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2022. Verificou-se que sete em cada dez estudantes brasileiros de 15 anos não aprenderam o mínimo esperado de matemática e o país ocupa a 64ª posição no ranking. Sem reformas, principalmente educacionais de base, dificilmente o Brasil tem capacidade de aumentar seu crescimento potencial.
É importante chamar a atenção de que o produto efetivo estar acima do potencial só ocorre devido à estagnação do produto potencial. O produto potencial cresceu desde 1982 até 2014 a uma taxa média de 2,9% ao ano, e de 2015 até 2023 a uma taxa média de 0,4% ao ano, apenas.
Observa-se no Gráfico 2 que a PTF apresentou tendência declinante na segunda metade da década de 1980 e início da década de 1990, fato que pode ser associado às diversas crises econômicas vivenciadas pelo Brasil nesse período. Desde então, a tendência da PTF foi ascendente até 2010, tendo passado sem maiores dificuldades pela crise de 2008-2009. A partir de 2010, a trajetória se reverteu, com declínio do nível da PTF que se prolongou até o quarto trimestre de 2015. A partir de então, a PTF voltou a crescer, mas essa trajetória ascendente foi interrompida com a chegada da pandemia, em 2020. Em seguida, a PTF segue em níveis historicamente altos, porém com suave trajetória de queda. Seu nível é apenas 0,6% inferior ao do quarto trimestre de 2020, que foi o auge após a queda devido a pandemia.
Fonte: informações primárias do IBGE e elaboração própria
Outro olhar possível é o da decomposição do crescimento potencial, conforme apresentado no Gráfico 3, abaixo. Observa-se que o crescimento do terceiro trimestre de 2023 foi bastante baseado no fator capital, como dito acima, e explicado pelo bom desempenho da agropecuária, no primeiro semestre do ano.
Fonte: informações primárias do IBGE e elaboração própria
O Gráfico 4 apresenta as informações da evolução das utilizações do capital e do trabalho efetivos em percentual dos seus potenciais. Ao longo dos últimos 40 anos, foi frequente a sobreutilização de capital e a subutilização do fator trabalho. Algumas particularidades merecem ser destacadas: o fator capital foi, na quase totalidade do tempo, sobreutilizado, à exceção dos dois primeiros anos da década de 1990, durante a recessão de 2014-16 e no ano de 2020 durante a pandemia. A partir daí, o fator capital volta a ficar sobreutilizado.
O fator trabalho na década de 1980 andou próximo à utilização plena e foi sobreutilizado em alguns anos desse período até o quarto trimestre de 1991; em seguida foi subutilizado no restante do período até 2013. quando a sua utilização cresce, ficando com plena utilização até o segundo trimestre de 2015; a partir de então, volta a ficar subutilizado, com alguns períodos de melhoria graças aos incentivos à manutenção do emprego durante a pandemia.
Fonte: informações primárias do IBGE (PIB, FBKF, trabalho), da FGV (NUCI) e elaboração própria
[1] No resultado do segundo trimestre, divulgado anteriormente, fizemos um aprimoramento em nosso método de cálculo do produto potencial, que envolve o tratamento da variável Produtividade Total dos Fatores (PTF). Essa variável não é mais considerada um resíduo da função de produção, após a estimativa do capital e do trabalho utilizados. Doravante, a reconhecemos como a tendência daquela série obtida pelo resíduo, após aplicação de método de filtragem. Isso resulta em uma série com menos ruído e volatilidade.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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