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Metodologia

A datação dos ciclos econômicos brasileiros de 1970 a 2023

24 abr 2024

Identificaram-se 10 recessões e 11 períodos de expansão na economia brasileira do primeiro trimestre de 1970 até o terceiro tri de 2023. Na análise mensal, obtiveram-se 15 períodos recessivos e 16 de expansão no mesmo período.

  1. INTRODUÇÃO

Neste projeto, buscou-se estimar o PIB mensal desde 1970 de modo a possibilitar análise dos ciclos econômicos – em períodos infra anuais – mais detalhada em comparação ao oficialmente realizado no Brasil[1]. A partir disso, foram realizadas as datações dos ciclos econômicos desde 1970 em bases mensais e trimestrais, a partir da aplicação de algoritmos nos dados do PIB e de seus componentes. Esta seção inicia-se com os resultados da datação trimestral do primeiro trimestre de 1970 ao terceiro trimestre de 2023, seguida da análise em bases mensais. Por fim, é realizada comparação das identificações encontradas com as divulgadas pelo CODACE no período coexistentes (de 1980 em diante).

  1. CICLOS ECONÔMICOS

Os ciclos econômicos são definidos como oscilações da atividade econômica: Em períodos recessivos, o interesse pelo estudo dos ciclos econômicos aumenta, visto que sua análise traz importantes informações sobre a economia em questão.

O Comitê de Datação dos Ciclos dos Estados Unidos National Bureau of Economic Research - NBER (2008) define que um ciclo é composto de duas fases: (i) de expansão e (ii) de recessão. Como a atividade econômica apresenta oscilações ao longo do tempo, a recessão compreende o período entre um pico da atividade econômica e um vale, enquanto a expansão é definida como o período entre um vale e um pico.

A análise de ciclos é majoritariamente realizada no PIB, uma vez que esta é a variável síntese da atividade econômica. No entanto, é importante destacar que uma economia está em recessão quando há declínio significativo na maior parte das atividades econômicas que a compõem. De modo semelhante, o período expansivo é determinado em momentos em que há crescimento da maior parte das atividades econômicas.

De acordo com Contador (1977), os ciclos referem-se a períodos de expansão econômica e de recessão que acontecem de maneira permanente. Segundo Mitchell (1950), ao invés de um estado ‘normal’ dos negócios interrompido por crises ocasionais, os homens observam um estado dos negócios em contínua mudança – mudando continuamente em um modo razoavelmente regular. Espera-se que uma crise seja seguida por uma depressão, a depressão por uma recuperação, a recuperação por prosperidade, e a prosperidade por uma nova crise. (Mitchell, p. 44, 1950)

Esse comportamento auto repetitivo dos ciclos fez surgir dúvida em relação à necessidade de estudá-los, porém, conforme pontuado por Abel, Bernanke e Croushore (2008), dependendo da intensidade e duração das fases do ciclo, suas perdas e ganhos podem se tornar permanentes, o que torna importante suas análises para mitigar os efeitos recessivos e ampliar os expansivos.

Cunha (2017) destaca argumentos de alguns autores que defendem a necessidade de analisar os ciclos, como Estey, (1965), que formula que, mesmo sendo irregulares, os ciclos têm uma característica de formação comum, que auxilia no estudo desses processos. Além disso, Skare e Stjepanovic (2015) pontuam que algumas variáveis macroeconômicas têm como padrão serem formadas antes dos ciclos enquanto outras, depois. Portanto, a identificação de tais padrões gera insumos para os formuladores de política econômica tomarem decisões que podem estimular um período de expansão do ciclo ou suavizar um período de baixo crescimento.

Cunha (2017) destaca que, embora diversas variáveis sejam utilizadas para o melhor conhecimento geral da economia, o PIB é a mais importante devido ao seu papel agregador. A autora justifica essa afirmação em Stock e Watson (1999), que apontaram que, caso fosse necessário escolher um indicador para representar a economia, este dado deveria ser o PIB. No Brasil, existe o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE), do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que foi criado em 2009 para ser o órgão responsável pela datação dos ciclos econômicos no país. Cabe destacar que as primeiras avaliações de ciclo do CODACE foram realizadas em bases trimestrais devido à importância do PIB, cujo resultado oficial divulgado pelo IBGE, é medido em bases anual e trimestral.

A principal variável usada na datação foi o Produto Interno Bruto (PIB) trimestral, a preços de mercado, dessazonalizado, calculado pelo IBGE. [...] A periodicidade trimestral, escolhida para a primeira datação de ciclos da economia brasileira, decorreu da relativa escassez de estatísticas de qualidade contínuas e com periodicidade mensal no país. (CODACE, maio de 2009, p.2, FGV/IBRE).

Atualmente, o comitê também realiza o processo de datação mensal, mas utiliza outras variáveis para estimar os meses que apresentaram pontos de inflexão.

[...] os integrantes do comitê basearam a datação mensal na análise da evolução das séries econômicas mensais que melhor retratavam, a cada momento, o estado da produção industrial, vendas no comércio, emprego e rendimento do trabalho. (CODACE, fevereiro de 2010, p.1, FGV/IBRE)

A partir disso, foi desenvolvido neste projeto a análise dos ciclos econômicos a partir da série mensal encadeada, com ajuste sazonal do total do PIB brasileiro desde 1970, em volume e seus componentes, totalizando assim 22 séries econômicas. Foi adotado o algoritmo de Bry-Boschan (1971) para a identificação dos pontos de inflexão das séries trimestrais, por ser a referência utilizada pelo CODACE para a datação trimestral dos ciclos brasileiros. Esse algoritmo foi criado pelo NBER com intuito de reproduzir matematicamente a lógica de datação do comitê nos pontos de inflexão identificados para a economia norte-americana antes de 1971.

Cunha (2017) aponta que o objetivo do algoritmo de Bry-Boschan é determinar os pontos de inflexão apontados nas séries encadeadas já ajustadas sazonalmente. Esses pontos são os picos (máximos locais) e os vales (mínimos locais) que permitem determinar períodos de expansão e recessão de uma economia. Os períodos de expansão são os que vão do período imediatamente posterior ao vale até um pico e os de recessão são os que vão do período imediatamente posterior ao pico até um vale.

Para a datação mensal, foi adotado o algoritmo de Mönch-Uhlig (2005) por ser a referência utilizada pelo CODACE para a datação nesta frequência. Este algoritmo é uma adaptação do algoritmo de Bry Boschan com critérios ampliados, de maneira a excluir períodos de expansão que não sejam superiores a 21 meses e durante as quais o crescimento anualizado seja inferior a 1,5%.

Cunha (2017) destaca que, em geral, os resultados obtidos através da programação do algoritmo são os aceitos pelos comitês, contudo, segundo Bry-Boschan (1971 p.15), é improvável que todas as contingências sejam abrangidas pelo algoritmo em toda a série. Visto isto, tornam-se fundamentais os conhecimentos empíricos dos indivíduos que compõem os comitês para que se tenha efetivamente uma cronologia de datação. O algoritmo auxilia no processo, mas não pode ser o único meio de datação.

3. Cronologia de datação das recessões brasileiras

3.1 Resultados da datação trimestral do PIB

Para a realização da datação trimestral foram feitas as médias trimestrais dos meses que compõem os quatro trimestres canônicos do ano[2], e aplicado método de ajuste sazonal nessas séries trimestrais. O ajuste sazonal foi realizado no software X-13, por ser o utilizado pelo IBGE para extrair o efeito sazonal dos dados das CNT no SCN 2010.

Com as séries trimestrais dessazonalizadas, foi aplicado em cada série o algoritmo de Bry-Boschan, o mesmo utilizado pelo CODACE nas datações trimestrais.

Em termos práticos, os períodos de expansão são identificados pelo algoritmo como o trimestre imediatamente posterior à identificação de um vale até o trimestre em que se identifica um pico. De forma complementar, os períodos de recessão são definidos como o trimestre imediatamente posterior à identificação de um pico até a identificação de um vale.

No Gráfico 1 é apresentada a série de PIB trimestral estimada do primeiro trimestre de 1970 ao terceiro trimestre de 2023 e os períodos de expansão e recessão identificados pelo algoritmo de Bry-Boschan aplicados a esta série.

Nota-se que, para o período de 1970 a 1979, aquele em que não há dados oficiais de PIB trimestral, não houve recessão, sendo o maior período de expansão do país em termos de duração (44 trimestres), na análise de 1970 em diante.

No Quadro 1 são apresentados os trimestres de início e fim de cada período de 1970 a 2023 e a comparação com a cronologia trimestral oficial divulgada pelo CODACE.

Os períodos em vermelho sinalizam diferenças entre as datações realizada neste projeto e as oficialmente reconhecidas pelo CODACE. É esperado que essas divergências existam, pois o CODACE não se baseia apenas na datação dos ciclos por algoritmos para a identificação dos ciclos econômicos. O principal fator para a determinação dos ciclos pelo comitê é o conhecimento macroeconômico de seus membros, sendo os algoritmos aplicados apenas de modo auxiliar. Além disso, toda a avaliação do comitê é realizada em conjunto mais amplo de variáveis e não exclusivamente na série de PIB, como realizada neste projeto. Ainda assim, nota-se grande similaridade entre a identificação dos períodos. Apenas o período expansivo, identificado na série estimada, do primeiro trimestre de 1999 ao terceiro de 2008 apresentou maiores discrepâncias com duas recessões oficiais identificadas nesse período.

Quadro 1 – Cronologia trimestral por períodos de expansão e recessão
da atividade econômica do primeiro trimestre de 1970 ao terceiro de 2023

Datação estimada projeto

Datação oficial CODACE

Início

Fim

Período

Início

Fim

Período

1970.I

1980.IV

Expansão

 

 

 

1981.I

1981.III

Recessão

1981.I

1983.I

Recessão

1981.IV

1982.III

Expansão

1983.II

1987.II

Expansão

1982.IV

1983.II

Recessão

   

 

1983.III

1987.II

Expansão

 

 

 

1987.III

1988.IV

Recessão

1987.III

1988.IV

Recessão

1989.I

1989.III

Expansão

1989.I

1989.II

Expansão

1989.IV

1990.II

Recessão

1989.III

1992.I

Recessão

1990.III

1991.III

Expansão

   

 

1991.IV

1992.I

Recessão

 

 

 

1992.II

1995.I

Expansão

1992.II

1995.I

Expansão

1995.II

1995.III

Recessão

1995.II

1995.III

Recessão

1995.IV

1998.II

Expansão

1995.IV

1997.IV

Expansão

1998.III

1998.IV

Recessão

1998.I

1999.I

Recessão

1999.I

2008.III

Expansão

1999.II

2001.I

Expansão

 

 

 

2001.II

2001.IV

Recessão

 

 

 

2002.I

2002.IV

Expansão

 

 

 

2003.I

2003.II

Recessão

 

 

 

2003.III

2008.III

Expansão

2008.IV

2009.I

Recessão

2008.IV

2009.I

Recessão

2009.II

2014.I

Expansão

2009.II

2014.I

Expansão

2014.II

2016.IV

Recessão

2014.II

2016.IV

Recessão

2017.I

2019.IV

Expansão

2017.I

2019.IV

Expansão

2020.I

2020.II

Recessão

2020.I

2020.II

Recessão

2020.III

-

Expansão

 

 

 

3.2 Resultados da datação mensal do PIB

A primeira etapa para a datação mensal do PIB foi a aplicação do método de ajuste sazonal. Para esse caso, o ajuste sazonal foi realizado no software X-13, por ser o utilizado pelo IBGE para extrair o efeito sazonal dos dados das CNT no SCN 2010.

Com as séries mensais dessazonalizadas, foi aplicado em cada série o algoritmo Monch-Uhlig, o mesmo utilizado pelo CODACE nas datações mensais.

Tal como apresentado na seção sobre a datação trimestral, em termos práticos, os períodos de expansão são identificados pelo algoritmo como o mês imediatamente posterior à identificação de um vale até o mês em que se identifica um pico. De forma complementar, os períodos de recessão são definidos como o mês imediatamente posterior à identificação de um pico até a identificação de um vale.

No Gráfico 2 é apresentada a série de PIB mensal estimada do primeiro trimestre de 1970 ao terceiro trimestre de 2023 e os períodos de expansão e recessão identificados pelo algoritmo de Monch-Uhlig aplicados a esta série.

Nota-se que, diferentemente do observado na datação trimestral, em que não foi identificado período recessivo na década de 1970, na datação mensal há uma recessão de abril de 1977 a outubro do mesmo ano.

No Quadro 2 são apresentados os meses de início e fim de cada período de 1970 a 2023. No caso mensal, não foi realizada a comparação com a cronologia do CODACE devido à última divulgação de ciclos nesta frequência ser de 2010. Como as datações são realizadas em séries com ajuste sazonal, em que cada ponto adicional modifica a série inteira, o fato de a série ter mais de uma década sem atualização pode interferir na análise.

Quadro 2 – Cronologia mensal por períodos de expansão e recessão
da atividade econômica de janeiro de 1970 a setembro de 2023

Datação mensal do PIB estimada no projeto

Início

Fim

Período

Janeiro de 1970

Março de 1977

Expansão

Abril de 1977

Outubro de 1977

Recessão

Novembro de 1977

Setembro de 1980

Expansão

Outubro de 1980

Agosto de 1981

Recessão

Setembro de 1981

Setembro de 1982

Expansão

Outubro de 1982

Abril de 1983

Recessão

Maio de 1983

Abril de 1987

Expansão

Maio de 1987

Agosto de 1987

Recessão

Setembro de 1987

Março de 1988

Expansão

Abril de 1988

Outubro de 1988

Recessão

Novembro de 1988

Junho de 1989

Expansão

Julho de 1989

Março de 1991

Recessão

Abril de 1991

Agosto de 1991

Expansão

Setembro de 1991

Janeiro de 1992

Recessão

Fevereiro de 1992

Março de 1995

Expansão

Abril de 1995

Setembro de 1995

Recessão

Outubro de 1995

Outubro de 1997

Expansão

Novembro de 1997

Janeiro de 1998

Recessão

Fevereiro de 1998

Julho de 1998

Expansão

Agosto de 1998

Dezembro de 1998

Recessão

Janeiro de 1999

Janeiro de 2001

Expansão

Fevereiro de 2001

Setembro de 2001

Recessão

Outubro de 2001

Outubro de 2002

Expansão

Novembro de 2002

Junho de 2003

Recessão

Julho de 2003

Julho de 2008

Expansão

Agosto de 2008

Dezembro de 2008

Recessão

Janeiro de 2009

Fevereiro de 2014

Expansão

Março de 2014

Outubro de 2016

Recessão

Novembro de 2016

Outubro de 2019

Expansão

Novembro de 2019

Abril de 2020

Recessão

Maio de 2020

-

Expansão

 

4. Conclusão: Contextualização dos ciclos econômicos brasileiros

Foram identificadas neste trabalho 10 recessões e 11 períodos de expansão na economia brasileira desde o primeiro trimestre de 1970 até o terceiro trimestre de 2023. Na análise mensal, obteve-se 15 períodos recessivos e 16 de expansão no período de janeiro de 1970 a setembro de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.


[1] O CODACE identifica os ciclos econômicos brasileiros desde 1980.

[2] Os trimestres findos em março, junho, setembro e dezembro.

Comentários

Felipe Camargo
Muito interessante. Voces compartilham os dados do PIB mensal e dos periodos de recessao? Obrigado.
fernando.dantas
Prezado Felipe, é preciso aguardar a liberação dos dados pela rede de pesquisa.

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