Macroeconomia

“Passamos do osso, estamos trabalhando na medula” - réplica a Roberto Olinto

30 nov 2018

Escrevi recentemente um artigo, publicado no Valor e reproduzido neste blog, sobre o risco de um “apagão estatístico” no Brasil nos próximos anos.

Dentre outras coisas, apontei que o “sucateamento do IBGE” seria um dos principais fatores alimentando esse risco. Afinal, o próprio presidente do órgão estatístico – Roberto Olinto – sugeriu, em entrevista recente ao O Globo, que o IBGE estaria na iminência de um shutdown (“passamos do osso, estamos trabalhando na medula”). Mas não foi somente ele quem sinalizou isso: conheço pessoas que trabalham lá e que me relataram a situação crítica do instituto. Ademais, após o artigo, recebi e-mails apontando outros problemas. Abaixo, algumas outras notícias apontando que as dificuldades do IBGE não vêm de hoje:

- Discórdia e falta de recursos abalam IBGE

- IBGE: atraso em pesquisa diminui precisão das informações

- Sem recursos, Censo Agropecuário será menor

- Com atraso de 3 anos, IBGE inicia Pesquisa de Orçamentos Familiares

- IBGE diz que não será possível realizar Censo 2020 com menos verba

Roberto preparou uma resposta para este blog questionando, em primeiro lugar, a utilização da expressão “sucateamento”. Talvez ele tenha considerado isso como uma crítica a ele e/ou ao trabalho do IBGE – afinal, já há bastante tempo eu tenho diversas divergências técnicas com o instituto.

Mas não foi isso. Quando utilizei a palavra “sucateamento” quis enfatizar justamente o pouco caso que as autoridades governamentais vêm tendo para com o IBGE – órgão imprescindível para planejar e executar políticas públicas, macroeconômicas e microeconômicas. Ou seja: o “sucateamento” ao qual me refiro está associado às condições cada vez mais desfavoráveis que vêm sendo oferecidas para que o IBGE possa realizar seu trabalho (trabalho este que envolve não somente a manutenção de pesquisas pré-existentes, mas também seu aprimoramento, bem como uma ampliação do escopo das pesquisas/indicadores).

Em seguida, Roberto aponta, em sua resposta, que boa parte do recuo do Brasil no indicador de capacidade estatística (SCI) do Banco Mundial – que eu mostrei no artigo original para ilustrar o “sucateamento” – não seria explicado pelas pesquisas/indicadores do IBGE.

Bem, em primeiro lugar, esse recuo é, em si, muito preocupante. Ele mostra que de fato estamos ficando para trás em termos da capacidade de compreensão de nossa sociedade/economia (“if you cannot measure it, you cannot improve it”).

Em segundo lugar, eu não baseei minhas conclusões sobre o “sucateamento” do IBGE única e exclusivamente nesse indicador do Banco Mundial: dei, no artigo original, vários exemplos específicos de problemas/lacunas (e não fui exaustivo, por conta da limitação de espaço no Valor Econômico).

Não mencionei, por exemplo, que até março de 2015 (quando foi introduzido o SCN Referência 2010, substituindo o Ref, 2000), a última leitura do PIB definitivo brasileiro estava parada em 2009 (já que o IBGE não tinha condições para poder trabalhar, ao mesmo tempo, nos dois “PIBs”). Ou que somente neste ano de 2018 o IBGE atualizou a Matriz Insumo-Produto brasileira, trazendo-a para o ano de 2015 (até então estava parada no ano de 2005). Isso tudo, obviamente, refletiu as dificuldades do instituto e não uma “má vontade” dos técnicos que lá trabalham. 

Ademais, é importante notar que esse indicador do Banco Mundial é, em alguns casos, limitado/superficial – ignorando alguns dos problemas que listei no artigo original. Um exemplo: ele atribui nota máxima ao Brasil simplesmente por termos um indicador de produção industrial mensal (que, no entanto, como apontei no artigo original, está defasado, com uma lista de produtos de 2010 – já poderia estar em 2015 – e que não pesquisa valores nominais, somente quantidades físicas, dificultando a estimação em tempo real do valor agregado pelo setor).

Adicionalmente, é importante alertar que o indicador de capacidade estatística brasileiro poderá recuar novamente, já que o IPCA/INPC atualmente está referendado na POF 2008/09 (completando 10 anos exatamente em 2018/19 – e esse prazo de 10 anos é o critério adotado pelo Banco Mundial para dar nota máxima ou mínima nesse quesito específico). Há uma POF sendo coletada (2017/18, atrasada em cerca de 3 anos), mas não está claro quando essa pesquisa será divulgada, muito menos quando seus resultados serão incorporados aos índices de preços do IBGE.

Mais grave é a questão do Censo Demográfico: caso o Brasil atrase a realização dessa pesquisa, programada para 2020 (o risco parece ser alto, pelo noticiário dos últimos dias), vamos afundar ainda nesse indicador do Banco Mundial (já que também nesse caso a nota máxima é atribuída para censos realizados a cada 10 anos ou menos). Um atraso no Censo, por sua vez, atrasará também a atualização do marco metodológico das Contas Nacionais (hoje em 2010; deveria ser atualizado em 2020/21 para manter a nota máxima no indicador do Banco Mundial), levando a novo recuo no indicador de capacidade estatística.

Enfim, quis apenas chamar a atenção para a situação institucional bastante preocupante do IBGE, sem entrar no debate mais técnico sobre metodologias empregadas.

Bráulio Borges, pesquisador-associado do IBRE/FGV e economista-sênior da LCA

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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