Mudança no padrão de recuperação do emprego após a última recessão e sua relação com a produtividade do trabalho
O IBRE elegeu a produtividade como uma das preocupações centrais de sua missão institucional de contribuir para o debate sobre o desenvolvimento econômico do país. Diante da relevância do tema, o IBRE lançou recentemente o site Observatório da Produtividade, que reúne uma ampla base de dados sobre produtividade da economia brasileira, além de estudos e análises, a fim de fornecer informações para uma maior compreensão do tema e contribuir para a formulação de políticas públicas que possam aumentar a produtividade e impulsionar o crescimento econômico.[1]
Uma das motivações para o aprofundamento de estudos relacionados ao tema é a perda de dinamismo recente da produtividade do trabalho, explicada, em parte, pelo forte avanço da informalidade observado nos últimos anos, principalmente após a última recessão pela qual o Brasil passou, uma das mais longas e profundas da história do país.
Diante disso, o objetivo deste texto é discutir as diferenças entre o desempenho da produtividade do trabalho após esta última recessão, que durou do 2º trimestre de 2014 ao 4º trimestre de 2016, em comparação com a recuperação das demais recessões desde a década de 1980, bem como a mudança no padrão de recuperação do emprego.[2]
A Tabela 1 apresenta a datação dos períodos de recessão e expansão desde meados da década de 1980, bem como suas durações, elaborada pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE).
Tabela 1: Cronologia trimestral dos períodos de recessão e expansão
Recessões |
Expansões |
||
Período |
Duração em trimestres |
Período |
Duração em trimestres |
Do 1º trimestre de 1981 ao 1º trimestre de 1983 |
9 |
Do 2º trimestre de 1983 ao 2º trimestre de 1987 |
17 |
Do 3º trimestre de 1987 ao 4º trimestre de 1988 |
6 |
Do 1º trimestre de 1989 ao 2º trimestre de 1989 |
2 |
Do 3º trimestre de 1989 ao 1º trimestre de 1992 |
11 |
Do 2º trimestre de 1992 ao 1º trimestre de 1995 |
12 |
Do 2º trimestre de 1995 ao 3º trimestre de 1995 |
2 |
Do 4º trimestre de 1995 ao 4º trimestre de 1997 |
9 |
Do 1º trimestre de 1998 ao 1º trimestre de 1999 |
5 |
Do 2º trimestre de 1999 ao 1º trimestre de 2001 |
8 |
Do 2º trimestre de 2001 ao 4º trimestre de 2001 |
3 |
Do 1º trimestre de 2002 ao 4º trimestre de 2002 |
4 |
Do 1º trimestre de 2003 ao 2º trimestre de 2003 |
2 |
Do 3º trimestre de 2003 ao 3º trimestre de 2008 |
21 |
Do 4º trimestre de 2008 ao 1º trimestre de 2009 |
2 |
Do 2º trimestre de 2009 ao 1º trimestre de 2014 |
20 |
Do 2º trimestre de 2014 ao 4º trimestre de 2016 |
11 |
Do 1º trimestre de 2017 ao 4º trimestre de 2019 |
12 |
Fonte: Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE)
A Tabela 1 mostra que a última recessão foi uma das mais longas pelas quais o país já passou. A perda acumulada do PIB entre o segundo trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016 foi de 8,1%, um pouco maior do que a perda acumulada do Valor Adicionado (-7,4%), que exclui os impostos (líquidos de subsídios) sobre produtos, e que é a variável usada para o cálculo da medida de produtividade do trabalho que será apresentada adiante.[3]
O Gráfico 1 mostra o comportamento da taxa de crescimento da produtividade por pessoal ocupado, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, nos períodos de recessão e expansão da economia brasileira. Esta análise nos ajuda a descrever fatos estilizados que permitem avaliar as mudanças na dinâmica do crescimento da produtividade após a última recessão, em comparação com as demais ocorridas no passado.
Gráfico 1: Taxa de crescimento da produtividade agregada
(por pessoal ocupado - em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil.[4]
Fonte: Elaboração IBRE FGV com dados da Pnad e Pnad Contínua.
O primeiro fato estilizado presente no Gráfico 1 é a ocorrência, em todas as recessões, de queda na produtividade por pessoal ocupado. Nota-se que as quedas observadas desde meados da década de 1980 até o início dos anos 1990 foram bem mais intensas que as observadas nas recessões mais recentes. Ao longo da série histórica, o primeiro trimestre de 1992, que marcou o fim de um longo período recessivo, foi o que apresentou maior queda da produtividade, cerca de 8,2% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.
Embora tenham ocorrido em menor magnitude, as recessões ocorridas ao longo dos anos 2000 e 2010 também provocaram queda na produtividade do trabalho. Neste período, os trimestres de maiores quedas na produtividade foram o quarto trimestre de 2015, o primeiro trimestre de 2009 e o quarto trimestre de 2001, com retrações de 4,2%, 4,1% e 3%, respectivamente. Diante da perda de dinamismo gerada ao longo das recessões, é natural que haja uma queda da produtividade durante períodos recessivos.
O segundo fato estilizado presente no Gráfico 1 diz respeito ao padrão no comportamento da produtividade do trabalho observado desde o final de 2016, que é muito diferente do observado nos demais períodos de expansão da economia desde a década de 1980.
Com exceção dos dois primeiros trimestres de 2017, em todo o período de expansão após a última recessão o crescimento da produtividade ficou próximo de zero, ou em terreno negativo, como temos visto desde o quarto trimestre de 2018, não havendo sinais claros de uma recuperação robusta como a observada nos outros períodos de expansão. Em particular, a queda da produtividade por pessoal ocupado no quarto trimestre de 2019 foi de 0,3%, um pouco menor do que a ocorrida no terceiro trimestre de 2019 (-0,5%).[5]
Vale destacar que o crescimento da produtividade no primeiro semestre de 2017 foi fortemente afetado pelo excelente desempenho da agropecuária, cuja produtividade cresceu, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, 30,9% no primeiro trimestre, e 26,4% no segundo trimestre do ano em questão.
Este padrão é diferente do observado nos demais períodos de expansão. Embora alguns trimestres, desde a década de 1980 e início dos anos 2000, tenham apresentado crescimento negativo em períodos de expansão, foi possível perceber uma melhora ao longo desses trimestres, de modo que o crescimento foi ficando cada vez menos negativo, diferentemente do padrão observado na última recessão, em que a produtividade melhorou num primeiro momento, em função do aumento expressivo da produtividade da agropecuária, e depois voltou a piorar, sem apresentar sinais claros de recuperação.
Já nos períodos de expansão ocorridos entre 2003 e 2013, que foram anos de forte crescimento da produtividade do trabalho, a taxa de crescimento da produtividade ficou num terreno positivo e relativamente elevado durante quase todo o período, chegando ao patamar de 6,4% no primeiro trimestre de 2010.
Diante destes fatos, nota-se que houve uma mudança no padrão de comportamento da produtividade após a última recessão em comparação com períodos de recuperação anteriores, principalmente quando comparado com o período de expansão ocorrido entre 2003 e 2013, que foi de forte crescimento da produtividade do trabalho.
Muito se discute sobre as possíveis causas da desaceleração da produtividade desde o fim da última recessão no quarto trimestre de 2016. Uma das possíveis explicações é que o desempenho negativo da produtividade está associado ao forte avanço da informalidade ocorrido desde então.[6]
Para o acesso do texto completo, entre no site do Observatório da Produtividade.
[1]O site, disponível no endereço https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade, foi lançado no dia 4 de dezembro de 2019 no I Seminário de Produtividade e Reformas.
[2]Ao invés de utilizarmos o conceito de produtividade por hora trabalhada, cuja série setorial e agregada tem sido regularmente divulgada no site Observatório da Produtividade, iremos utilizar, neste texto, a medida de produtividade por pessoal ocupado, para que haja compatibilidade com a análise de informalidade, que considera a proporção de pessoas ocupadas em atividades informais em relação ao total de pessoas ocupadas no país.
[3]O cálculo de perda acumulada do PIB e do Valor Adicionado já incorpora as revisões feitas na última divulgação das Contas Nacionais Trimestrais, disponibilizada pelo IBGE no dia 3/12/2019.
[4]As áreas sombreadas representam os períodos de recessão. As áreas que não estão sombreadas representam os períodos de expansão.
[5]No quarto trimestre de 2019, a queda da produtividade por hora trabalhada, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, ficou próxima de 0,6%. O relatório contendo a análise trimestral dos indicadores setoriais de produtividade do trabalho por hora trabalhada podem ser acessados através do link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/indicadores_trimestrais_de_produtividade_do_trabalho_-_4t2019.pdf
[6]Como as empresas formais têm produtividade cerca de quatro vezes maior que a de firmas informais, uma queda da informalidade pode contribuir para o aumento da produtividade. De fato, Barbosa Filho e Veloso (2016) mostram que a realocação do emprego para o setor formal explica cerca de 87% dos ganhos de produtividade da economia brasileira entre 2000 e 2009. Analogamente, um aumento da informalidade pode contribuir para um menor crescimento da produtividade, como no período recente. Ver BARBOSA FILHO, F.; VELOSO, F. “A Contribuição da Formalização para a Elevação da Produtividade do Trabalho no Brasil nos Anos 2000: Uma Análise Exploratória”. Barbosa Filho, F.; Ulyssea, G.; Veloso, F. (Orgs). Causas e Consequências da informalidade no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, p. 303-325, 2016.
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