Macroeconomia

Mercado de trabalho já começa a sentir os primeiros impactos da pandemia do coronavírus

20 mai 2020

Diante da escalada de eventos nos últimos meses associados à pandemia do coronavírus, o nível de incerteza em relação ao desempenho da economia tem se elevado de forma extraordinária e terá impactos sem precedentes na história do país. De fato, as projeções para o ano de 2020 são de forte queda no nível de atividade econômica e grande aumento do desemprego. Em particular, as medidas de distanciamento social, que são indispensáveis para evitar a propagação do vírus, atingem em cheio o setor de serviços, que concentra a maior parcela do PIB e do emprego no Brasil.

O objetivo deste texto é analisar o comportamento do mercado de trabalho com base na recente divulgação, por parte do IBGE, dos indicadores da Pnad Contínua referentes ao primeiro trimestre de 2020. Os dados mostram que o mercado de trabalho já começou a sentir os primeiros impactos da pandemia do coronavírus, tanto no que diz respeito à forte desaceleração do emprego, quanto no aumento do número de pessoas fora da força de trabalho.

O Gráfico 1 mostra a taxa de crescimento da população ocupada em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.

Gráfico 1: Taxa de crescimento da população ocupada
(em % em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil

Fonte: Elaboração do IBRE/FGV com base na Pnad Contínua - IBGE

Desde o final da última recessão pela qual o país passou, que compreendeu o período entre o segundo trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016, foi possível observar uma forte recuperação do emprego no Brasil. A queda de 2,4% no terceiro trimestre de 2016 foi a mais intensa desde meados da década de 1990, conforme mostramos em estudo recentemente publicado no Observatório da Produtividade.[1] Desde então, a população ocupada no Brasil estava crescendo a taxas robustas, chegando a apresentar um crescimento de 2,6% no segundo trimestre de 2019.

O Gráfico 1 mostra, no entanto, que após este período de expansão da população ocupada houve, no primeiro trimestre de 2020, uma forte desaceleração do crescimento do emprego para uma taxa de apenas 0,4% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.

A redução do crescimento de pessoas ocupadas foi disseminada entre os setores da economia, tal como apresentado no Gráfico 2 para a indústria e o setor de serviços, que concentram quase 91% do emprego total no país.

Gráfico 2: Taxa de crescimento da população ocupada da indústria e do setor de serviços
(em % em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil

Fonte: Elaboração do IBRE/FGV com base na Pnad Contínua - IBGE

Pelo Gráfico 2, podemos notar que houve forte desaceleração no crescimento da população ocupada tanto da indústria quanto do setor de serviços no primeiro trimestre de 2020. Na indústria, onde a população ocupada crescia acima de 1% desde meados de 2019, o crescimento do emprego recuou para 0,2% no primeiro trimestre de 2020 em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Já no setor de serviços, que teve crescimento do emprego acima de 2% desde o final de 2017, a taxa de crescimento no primeiro trimestre de 2020 recuou para 0,8%.

Outro ponto que merece destaque, diz respeito à composição do emprego em relação ao número de trabalhadores formais e informais no primeiro trimestre de 2020. Os Gráficos 3 e 4 mostram a decomposição do crescimento do emprego entre formal e informal no Brasil.[2] Começaremos a análise, apresentada no Gráfico 3, com um conceito mais amplo de informalidade que não distingue os trabalhadores que trabalham por conta própria que possuem ou não CNPJ.

Gráfico 3: Decomposição do crescimento da população ocupada
(em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior). Brasi
l.[3]

Fonte: Elaboração do IBRE/FGV com base na Pnad Contínua - IBGE

Desde o final da última recessão, a contribuição da informalidade para a recuperação do emprego tem sido muito elevada. Segundo esta definição de informalidade, apenas em 2019 a contribuição da formalização para o crescimento do emprego foi positiva, mais especificamente no primeiro, segundo e quarto trimestres, e em menor magnitude no primeiro trimestre de 2020.[4] Neste último trimestre, no entanto, observamos uma ruptura do padrão de crescimento do emprego observado desde o final de 2017. Tal como visto no Gráfico 3, houve uma forte desaceleração da contribuição do emprego informal, que num primeiro momento parece ter sido mais afetado pela política de distanciamento social que o emprego formal.

A seguir, analisaremos uma medida alternativa de informalidade na qual trabalhadores por conta própria sem CNPJ e empregadores sem CNPJ são alocados no emprego informal. O Gráfico 4 mostra a decomposição do crescimento do emprego entre formal e informal baseada nesta medida de informalidade.

Gráfico 4: Decomposição do crescimento da população ocupada
(em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior). Brasi
l.[5]

Fonte: Elaboração do IBRE/FGV com base na Pnad Contínua - IBGE

O Gráfico 4 mostra um padrão similar ao apresentado no Gráfico 3, caracterizado por elevada contribuição da informalidade para recuperação do emprego desde o quarto trimestre de 2016 até o quarto trimestre de 2019. No entanto, o gráfico mostra que a contribuição positiva do emprego formal já havia começado a aparecer em meados de 2018, diferentemente do observado no Gráfico 3, onde a contribuição do emprego formal só se tornou positiva no início de 2019. Chama atenção no Gráfico 4 o fato da informalidade ter contribuído negativamente para o crescimento do emprego no primeiro trimestre de 2020, algo não observado desde o quarto trimestre de 2016.

Dentre as categorias que compõem o emprego informal, chama atenção a forte queda no primeiro trimestre de 2020 do número de trabalhadores por conta própria sem CNPJ, que correspondem a cerca de 80% do total dos trabalhadores que trabalham por conta própria. De fato, quando analisamos os resultados do Gráfico 5, podemos observar que no primeiro trimestre de 2020 houve uma queda de 1,4% do número de trabalhadores que trabalham por conta própria e não possuem CNPJ, a pior queda interanual desde meados de 2017.

Gráfico 5: Taxa de crescimento do número de trabalhadores que trabalham por conta própria
e não possuem CNPJ (em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior). Brasi
l

Fonte: Elaboração do IBRE/FGV com base na Pnad Contínua - IBGE

Além da desaceleração do emprego, ocorreu no primeiro trimestre de 2020 um forte aumento do número de pessoas fora da força de trabalho. O Gráfico 6 mostra um crescimento de 3,1% do número de pessoas fora da força de trabalho no primeiro trimestre de 2020 em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Esta taxa é a maior da série histórica iniciada em 2013. Esse crescimento expressivo de pessoas fora da força de trabalho atenuou a elevação da taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2020, que foi de 12,2% e atingiu 12,9 milhões de pessoas.

Gráfico 6: Taxa de crescimento do número de pessoas que estão fora da força de trabalho
(em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior). Brasi
l

Fonte: Elaboração do IBRE/FGV com base na Pnad Contínua - IBGE

Em resumo, os dados do primeiro trimestre de 2020 indicam os primeiros efeitos da pandemia do coronavírus no mercado de trabalho, com forte desaceleração do crescimento da população ocupada, especialmente do trabalho informal, e grande aumento do número de trabalhadores fora da força de trabalho.

Diante da intensificação dos efeitos da pandemia sobre a atividade econômica desde março, é bem provável que vejamos nos próximos meses uma intensificação na deterioração do mercado de trabalho, com queda não somente do número de ocupações informais, mas também do emprego formal.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV

[1] O texto, cujo título é “Mudança no padrão de recuperação do emprego após a última recessão e sua relação com a produtividade do trabalho”, encontra-se disponível no link a seguir.: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/padrao_de_recuperacao_do_emprego_apos_a_ultima_recessao_e_sua_relacao_com_a_produtividade_do_trabalho_final_16032020.pdf

[2] A contribuição da informalidade para o crescimento da população ocupada é definida como o produto entre a taxa de crescimento da informalidade em relação ao mesmo trimestre do ano anterior e o peso da informalidade no total do emprego.

[3] No Gráfico 3, são considerados informais os trabalhadores que trabalham sem carteira assinada (doméstico, privado e público), os que trabalham por conta própria e o trabalhador familiar auxiliar.

[4] Veloso, Matos e Peruchetti (2020) detalharam o comportamento do emprego informal e formal, bem como sua contribuição para o crescimento do emprego ao longo das recessões desde meados da década de 1990. Os autores concluíram que o padrão recente de recuperação do mercado de trabalho, caracterizado pelo aumento expressivo da informalidade, é diferente do verificado em outros períodos de recuperação da economia. Para maiores detalhes acesse o texto no link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/padrao_de_recuperacao_do_emprego_apos_a_ultima_recessao_e_sua_relacao_com_a_produtividade_do_trabalho_final_16032020.pdf

[5] No Gráfico 4 consideram-se informais os trabalhadores que trabalham sem carteira assinada (doméstico, privado e público), os que trabalham por conta própria sem CNPJ, empregadores sem CNPJ e trabalhadores familiares auxiliares. No questionário da Pnad Contínua, as perguntas que tratam da existência ou não de CNPJ só estão disponíveis desde o final de 2015. Por isso, a série de decomposição do emprego baseada nesta medida de informalidade começa apenas em 2016.

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