Macroeconomia

Retirar os estímulos, mas sem desestimular a retomada

25 ago 2020

A economia mundial segue se recuperando, graças à combinação de maior controle da pandemia e fortes estímulos monetários e fiscais. Nas duas áreas, ainda que as perspectivas sejam positivas, as incertezas são muitas e ainda restam vários obstáculos pelo caminho.

Globalmente, desde meados de julho os números de novos casos e de novas mortes por semana parecem ter se estabilizado. Descendo ao nível de país, porém, há dinâmicas bem distintas. Nos países mais pobres, como a Índia, a pandemia segue se alastrando, entre outras coisas por ter lá começado mais tarde. Nos países de renda média e, principalmente, entre as economias avançadas, o pior momento da pandemia parece ter ficado para trás.

Isso ajuda a explicar por que o ritmo e a forma da recuperação econômica não têm sido uniformes nos diversos países. Nos desenvolvidos, a Europa deve mostrar melhores resultados, pois, além de estar em um ciclo mais avançado da pandemia, a região tem se destacado pela capacidade de controle dos novos focos e de rastreamento. Porém, em alguns países, como Espanha e Alemanha, o avanço no número de novos casos diários preocupa. Nos EUA, após sofrer uma queda do PIB de 9,5% no segundo trimestre, em relação ao trimestre anterior, os dados de alta frequência de julho mostram que a economia está perdendo fôlego, devido aos surtos de vírus em vários estados. Nas últimas semanas, no entanto, houve uma desaceleração no número de novos casos diários.

Em termos setoriais, a recuperação da economia mundial tem sido liderada pela indústria e pelo comércio, com a retomada do setor de serviços ainda limitada pelas medidas de distanciamento social. Porém, mesmo nos serviços os indicadores mostram uma recuperação desde o pior momento em abril.

Do ponto de vista da economia mundial, o impacto da pandemia deve continuar cadente, não devendo impedir uma significativa expansão do PIB no terceiro trimestre. Assim, ainda que se receie uma nova onda no outono do hemisfério norte, época de alta incidência de vírus da gripe, essa não levará a novos fechamentos generalizados.

Olhando mais para a frente, porém, muito vai depender da boa gestão da política macroeconômica. Até aqui, os estímulos surpreendentemente fortes, tanto na área monetária como, principalmente, fiscal, foram chaves para tecer uma rede de proteção social e evitar uma recessão mais profunda. A Europa também se destacou nesse item, pela intensa coordenação nas políticas de estímulos fiscais. Já nos EUA, ainda que os estímulos tenham sido ainda maiores do que na Europa, a demora no acordo sobre a renovação das políticas de estímulo e um ambiente político conturbado, devido às eleições presidenciais, podem impedir uma aceleração mais rápida da atividade no país.

As indefinições sobre a manutenção das políticas de estímulos nos EUA permanecem no radar dos investidores. No segundo trimestre, o governou liberou mais de US$ 500 bilhões em transferências às famílias, um estímulo essencial para evitar uma queda ainda mais acentuada do consumo no período. A falta de acordo entre os partidos gera incertezas sobre a retomada do consumo das famílias, pois o mercado de trabalho continua muito fragilizado. Mesmo com o número de pedidos semanais do seguro-desemprego tendo caído abaixo de 1 milhão na primeira semana de agosto, pela primeira vez desde março, a taxa de desemprego foi de 10,2% em julho, nos dados com ajuste sazonal.

Nesse contexto, a intensificação das tensões entre EUA e China nas últimas semanas, com uma nova rodada de sanções entre os países, também não ajuda. Os EUA têm imposto novas sanções às empresas chinesas e, recentemente, as restrições à Huawei foram ampliadas, com o objetivo de limitar o acesso da gigante de telecomunicações chinesa à tecnologia americana.

Na América Latina, o desafio é ainda maior, pois além de estar com níveis elevados no número de novos casos de Covid-19, a pressão por mais gastos fiscais se intensifica. O espaço fiscal para essas políticas é, porém, muito mais limitado na região. E esse é o caso do Brasil.

Seguindo a tendência mundial, os dados brasileiros apontam uma recuperação ainda bem incipiente do setor de serviços, com destaque negativo para os serviços prestados às famílias, segundo dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) e do Monitor do PIB do IBRE. O PIB deve se contrair 8,8% no segundo trimestre em relação ao primeiro. Em termos acumulados, a queda do primeiro semestre será de 11,1%, recorde histórico, de acordo com os dados do Monitor do PIB, com estimativas de PIB trimestral desde 1980.

Para julho e agosto, as sondagens do IBRE também indicam que o processo de retomada da atividade continua. Em particular, a prévia do Índice de Confiança Empresarial, que agrega os quatro principais setores da economia (indústria, serviços, comércio e construção civil), avançou de 87,5 para 93,3 pontos em agosto. No entanto, a recuperação da confiança empresarial também não tem sido homogênea entre os setores, sendo mais consistente na indústria e no comércio do que nos serviços e na construção. Além disso, a prévia do Índice de Confiança do Consumidor recuou de 78,8 para 75,8 pontos no período, permanecendo bem aquém do valor de 87,8 pontos, registrado em fevereiro.

Segundo estimativas do IBRE, o cenário de retomada deve se manter nos próximos meses, mas em ritmo mais gradual, em função da cautela dos consumidores, em um contexto de mercado de trabalho muito fragilizado. Estimamos que a taxa de desemprego no mês de junho tenha atingido 14,2%, bem acima dos  13,3% obtidos pela PNAD-C para a média do segundo trimestre. Adicionalmente, o fim dos estímulos fiscais deve gerar uma redução na massa ampliada de rendimentos, limitando o crescimento do consumo das famílias.

Com relação aos estímulos monetários, o Banco Central, após cortar a Selic para 2,0%, apontou que nesse nível os juros já estão em baixo patamar. No todo, a autoridade monetária preconiza cautela nos próximos passos, ainda que prescrevendo Selic nesses níveis reduzidos até que a inflação volte a convergir para a meta. Outro destaque na mensagem do BC é que cortes adicionais de juros não foram descartados mas, se acontecerem, devem ser bem restritos e dependentes da trajetória fiscal.

Em um cenário de deterioração fiscal não será possível manter a taxa de juros no patamar atual. E o risco de um cenário desses se intensificou nas últimas semanas, devido às pressões para aumento dos gastos sociais e dos investimentos públicos. Esperamos déficit primário de 13,4% do PIB para 2020, com  a dívida bruta alcançando 96% do PIB ao final do ano. É importante destacar que essas previsões não contemplam uma extensão do auxílio do auxílio emergencial a partir de agosto, que está em discussão no Congresso.

Ainda há muita incerteza sobre o cenário para as contas públicas em 2021. A proposta orçamentaria do governo federal deverá ser enviada ao Congresso Nacional até o dia 31 de agosto e será necessário contingenciar outros gastos para abrir espaço para mais gastos sociais, se for para para cumprir as restrições impostas pela emenda constitucional do teto dos gastos. O conflito distributivo no Brasil está latente, pois há uma demanda da sociedade por mais gastos sociais, mas os recursos estão cada vez mais escassos. De acordo com o relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de 2019,[1] há muito desperdício e ineficiência na despesa pública no Brasil, representando um custo de até US$ 68 bilhões por ano (R$ 378 bilhões ao câmbio atual). Ou seja, qualquer discussão sobre a ampliação de programas deveria ocorrer a partir da redução de gastos que são ineficientes e não trazem benefícios para a sociedade.

Em quase toda parte, o custo fiscal dos estímulos adotados no combate à pandemia é imenso e, por isso mesmo, insustentável. A reversão desses estímulos não será simples, e não só pela questão política. A redução do déficit público terá efeito contracionista relevante, que pode abortar a recuperação em curso, se não for compensada pela retomada da demanda doméstica. Por outro lado, o aumento da dívida pública pode ser insustentável e/ou causar uma crise econômica ainda mais séria. Esse é o caso do Brasil, onde o setor público entrou na pandemia muito endividado e com déficit nas contas públicas. Consequentemente, o ritmo de recuperação da economia brasileira permanece incerto, devido às incertezas fiscais e à dificuldade de dar aos agentes econômicos uma razoável visibilidade sobre que política econômica irá prevalecer nos próximos anos. 


Esse é o sumário do Boletim Macro Ibre de agosto de 2020. Para ler o boletim inteiro, clique aqui.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

[1] “Melhores gastos para melhores vidas: Como o Brasil e a região podem fazer mais com menos. BID, 2019.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.