Cenários
Metodologia

53 anos do hiato do produto e das produtividades

12 abr 2024

A PTF começou a crescer lentamente a partir 1984 até 2010, mas depois ficou estagnada até 2023, alternando entre pequenos crescimentos e quedas. Isso resulta em uma contribuição relativamente fraca da PTF para o produto potencial.

Durante a década de 1970, a economia brasileira testemunhou um crescimento notável, com o produto efetivo expandindo-se 2,38 vezes, ligeiramente acima do crescimento de 2,37 do produto potencial[1]. O Gráfico 1 ilustra que, ao longo desse período, o hiato do produto (no eixo secundário) permaneceu positivo, indicando que o produto efetivo (índice no eixo principal) operava acima do seu potencial. Esse período também foi caracterizado por taxas de investimento consideráveis, alcançando em torno de 27% do PIB durante a década. O Gráfico 2, no entanto, mostra que essa expansão do investimento teve como resultado uma queda na produtividade do capital, que só começaria a se recuperar a partir de 1980. Por outro lado, a produtividade do trabalho apresentou uma trajetória ascendente, mantendo-se elevada ao longo de todo o período analisado.

O segundo trimestre de 1981 marca o início de um extenso período de hiato do produto negativo, caracterizado pelo maior crescimento (de 1,095 vez) do PIB potencial em relação ao produto efetivo (em 1,042 vez). Esse intervalo abrangeu três anos de uma recessão significativa, durante a qual o PIB registrou queda acumulada de 7,5% entre 1981 e 1983, representando o pior desastre econômico do pós-guerra até então.

A partir de 1985, diversos planos de estabilização foram implementados para conter a inflação intensa que marcou o final da década de 1980. Apesar do hiato negativo, a inflação persistiu. Somente no segundo trimestre de 1985 o hiato do produto retornou a valores positivos, com o produto efetivo crescendo 1,196 em comparação ao crescimento de 1,135 do produto potencial, apesar dos esforços de estabilização da chamada Nova República.

Durante a segunda metade da década de 1980, o hiato do produto foi positivo até o primeiro trimestre de 1990. Foi um período impactado pelo Plano Color, que derrubou o PIB com a forte contração da demanda devido ao sequestro da poupança e da conta corrente. A partir de 1990, o hiato voltou a se tornar negativo até o segundo trimestre de 1994, quando o lançamento do Real possibilitou retorno gradual do crescimento econômico, sem risco inflacionário.  A partir de 1994, com a inflação controlada, o hiato permaneceu positivo por um longo período, até o quarto trimestre de 1997, com o produto efetivo crescendo 1,148, superando o crescimento do produto potencial, que foi de 1,130.

O ano de 1998 foi marcado pela reeleição de FHC, enquanto o ano de 1999 testemunhou a forte desvalorização cambial no início do segundo mandato do governo. A política monetária restritiva adotada para conter a inflação resultou em longo período de hiato do produto negativo, permeado pela crise energética e do que se denominou “risco PT”, com a eleição de Lula em 2002.

No primeiro ano do governo Lula, o hiato foi fortemente negativo devido à política restritiva do Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que visava controlar a inflação que tinha risco iminente de voltar a acelerar. A partir de 2004 o hiato do produto se tornou menos negativo, marcado por vários eventos economicamente positivos. Ao final desse período, no terceiro trimestre de 2006, o produto efetivo havia crescido 1,273, ligeiramente acima do crescimento do produto potencial (1,262).

A partir do terceiro trimestre de 2006, o hiato tornou-se positivo e permaneceu assim por um longo período até o primeiro trimestre de 2014. O ano de 2009 foi marcado como sendo fortemente negativo, devido à crise financeira mundial de 2008, que afetou o crescimento do produto efetivo no Brasil.

Entre o terceiro trimestre de 2014 e 2016, o hiato voltou a se tornar negativo, de forma acelerada, por causa da recessão mais prolongada e severa vivida pelo Brasil, permanecendo nessa condição até o primeiro trimestre de 2023. Apesar dos valores negativos do produto efetivo, isso não teve impacto sobre o hiato por causa da estagnação do produto potencial durante esse período. O crescimento do produto potencial foi de apenas 2,4% desde 2014, estagnação claramente evidenciada no Gráfico 1.

Os Gráficos 2 e 3 mostram uma informação derivada do cálculo do produto potencial: i) a Produtividade Total dos Fatores (PTF) e ii) Produtividades do Capital e do Trabalho. A PTF, no Gráfico 2, aparenta queda significativa durante a década de 1970, principalmente devido à redução acentuada do crescimento do capital potencial, conforme o Gráfico 5, e à diminuição da taxa de crescimento do trabalho potencial.  A PTF começa a crescer lentamente a partir 1984 até 2010, mas depois fica estagnada até 2023, alternando entre pequenos crescimentos e quedas. Isso resulta em uma contribuição relativamente fraca da PTF para o produto potencial, conforme evidenciado no Gráfico 5. O crescimento do trabalho e do capital voltam a ter presença, mas com pouca relevância. Como resultado, o produto potencial fica praticamente estagnado depois de 2014.

  

As produtividades dos fatores de produção capital e trabalho, no Gráfico 3, em nada contribuíram para o crescimento do produto. Somados à PTF, contribuíram para a estagnação do produto. Isso é parcialmente explicado pelo baixo investimento, como demonstrado pela queda e estagnação dos investimentos por trabalhador apresentados no Gráfico 4. Após rápido crescimento desde 1970 até 1981, os investimentos por trabalhador declinaram e permaneceram baixos até 2010, quando começaram a crescer novamente, mas acabaram se estabilizando.


A partir do Gráfico 5, é possível analisar a decomposição do crescimento potencial pelos seus componentes, que são o capital, trabalho e a PTF. Ao observar a contribuição por parte do trabalho, é visto que há participação positiva deste fator durante todo o período, salvo curtos períodos até 2020, quando se inicia a pandemia de Covid-19, mas depois ele retorna a contribuir positivamente.

Em relação ao capital, o movimento é caracterizado por forte contribuição desse fator desde o início da série, em 1970, até o início da década de 1980, período marcado por diversas obras intensivas em capital, como a construção da ponte Rio-Niterói em 1974 e diversas rodovias. Desde 2016, o capital oscila em contribuições negativas e positivas, mostrando a atual fragilidade de crescimento da economia.

A PTF, historicamente baixa, é negativa até a década de 1980, depois contribui de forma marginalmente positiva até meados de 2009, quando volta a oscilar entre períodos negativos e positivos. 


[1] As informações utilizadas neste texto originam-se no Projeto de Pesquisa Aplicada “ELABORAÇÃO DE INDICADOR MENSAL DE PIB E COMPONENTES DESDE 1970:  UMA ANÁLISE DOS ÚLTIMOS 50 ANOS”  realizado no âmbito da SUEP, pela equipe do NCN e contando com a contribuição adicional do economista Arthur Gusmão da UFF, todos financiados pela rede de pesquisa da FGV, PPA, a quem agradecemos por permitir a publicação antecipada deste post para o Blog do IBRE.  A base de dados utilizada estará em breve disponível para o público.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Denilson
Estudo muito bom, bem interessante. Fico no aguardo na disponibilidade da base de dados.

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