Cenários

Após fortes quedas em 2021 e 2022, produtividade do trabalho volta a crescer em 2023

2 mai 2024

Embora o recente processo de formalização aponte para ganhos duradouros de produtividade, os fatores que permitiram que a renda per capita crescesse acima da produtividade desde 1981 tendem a ter contribuição menor no futuro.

O FGV IBRE elegeu a produtividade como uma das preocupações centrais de sua missão institucional de contribuir para o debate sobre o desenvolvimento econômico do país. Diante da relevância do tema, o FGV IBRE lançou o site Observatório da Produtividade Regis Bonelli, que reúne uma ampla base de dados sobre produtividade da economia brasileira, além de estudos e análises, a fim de fornecer informações para uma maior compreensão do tema e contribuir para a formulação de políticas públicas que possam aumentar a produtividade e impulsionar o crescimento econômico.[1]

Uma das motivações para o aprofundamento de estudos relacionados ao tema é a perda de dinamismo da economia brasileira ao longo dos últimos anos, intensificada pela forte recessão pela qual o país passou entre 2014 e 2016, uma das mais longas e profundas da história, e sua lenta recuperação entre os anos de 2017 e 2019. Este cenário ficou ainda mais relevante em função da pandemia de Covid-19, que gerou grande impacto sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho, fazendo com que a discussão sobre o tema da produtividade ganhe ainda mais importância.

Diante da relevância desse tema, o objetivo deste texto é analisar a evolução da produtividade do trabalho desde 1981[2] e sua relação com a renda per capita, com ênfase no seu comportamento desde 2020. O Gráfico 1 apresenta a evolução da renda per capita e da produtividade por hora trabalhada de 1981 até 2023.[3]

Gráfico 1: Evolução da renda per capita e da produtividade
por hora trabalhada. Número índice (1981=100). Brasil: 1981-2023.

Fonte: Elaboração do FGV IBRE com base
nas Contas Nacionais, Pnad e Pnad Contínua - IBGE

O Gráfico 1 mostra que, com exceção do período da pandemia entre 2020 e 2022, o comportamento da renda per capita sempre esteve bastante correlacionado com a dinâmica da produtividade por hora trabalhada[4]. Para entendermos melhor a evolução da renda per capita, apresentamos na Tabela 1 uma decomposição do crescimento da renda per capita para períodos selecionados desde 1981.[5]

Tabela 1: Decomposição do crescimento da renda per capita (em % ao ano).
Brasil – Períodos selecionados.
[6]

Fonte: Elaboração do FGV IBRE com base nas Contas Nacionais,
Pnad, Pnad Contínua e estimativas populacionais do IBGE

Além do crescimento da produtividade por hora trabalhada, o aumento da renda per capita depende da jornada média de trabalho, que equivale à média de horas por pessoal ocupado (HORAS/PO). Outro fator relevante é a taxa de ocupação, que corresponde à proporção de trabalhadores ocupados em relação à população economicamente ativa (PO/PEA). Um terceiro determinante é a taxa de participação, caracterizada pela razão entre a população economicamente ativa e a população em idade ativa (PEA/PIA). Finalmente, a razão entre a população em idade ativa e a população total (PIA/POP) é uma medida da contribuição do bônus demográfico para o crescimento da renda per capita.[7]

Entre 1981 e 2023, enquanto a renda per capita cresceu 0,9% ao ano (a.a.), a produtividade por hora trabalhada avançou 0,5% a.a. Os dados da Tabela 1 mostram que, além do modesto crescimento da produtividade, o aumento da renda per capita foi beneficiado pela rápida expansão da população em idade ativa em relação à população (bônus demográfico), que aumentou 0,4% a.a. no período. Outra contribuição positiva para o crescimento da renda per capita foi o aumento da taxa de participação (PEA/PIA) a uma taxa de 0,3% a.a., refletindo a incorporação de mais pessoas à atividade econômica. No entanto, a queda da jornada média (-0,3% a.a.) e a redução da taxa de ocupação (-0,1% a.a.) atuaram no sentido de reduzir a renda per capita ao longo do período.

Embora tenha contribuído positivamente para o aumento da renda per capita até 2010, a taxa de participação tem apresentado comportamento desfavorável desde então, o que está associado a fatores cíclicos e à pandemia de Covid-19. Em particular, a taxa de participação apresentou contribuição nula para o crescimento da renda per capita entre 2010 e 2023 e negativa (-0,3% a.a.) entre 2019 e 2023.

Além disso, apesar de ter apresentado uma ligeira melhora entre 2019 e 2023 (crescimento de 0,3% a.a.), a média de horas por trabalhador ocupado apresentou taxas negativas de crescimento ao longo de todo o período analisado, refletindo uma redução da jornada média de trabalho que tende a ocorrer ao longo do processo de desenvolvimento. Por sua vez, embora tenha tido queda de 0,1% a.a. entre 1981 e 2023, a taxa de ocupação tende a variar ao longo do ciclo econômico. Isso é ilustrado pelo aumento de 0,5% a.a. entre 2010 e 2014 e pela subsequente queda de 1,1% a.a. entre 2014 e 2019.

Outro fato interessante é que, em períodos de maior crescimento da renda per capita houve avanço significativo da produtividade por hora trabalhada. Entre 2000 e 2010, por exemplo, a renda per capita cresceu 2,3% a.a. e a produtividade por hora trabalhada cresceu 1,6% a.a., após expansão modesta de 0,7% a.a. entre 1990 e 2000.

Já, entre 2014 e 2019, período de recessão e lenta recuperação, a renda per capita apresentou uma forte queda de 1,3% a.a., resultado da combinação de uma redução da produtividade de 0,3% a.a. com queda de 1,1% a.a. na taxa de ocupação e de 0,5% da jornada de trabalho. O desempenho da renda per capita ao longo deste período foi agravado ainda pelo esgotamento do bônus demográfico, que apresentou uma elevação de apenas 0,1% a.a. entre 2014 e 2019.

A pandemia de Covid-19 teve grande impacto no mercado de trabalho e na atividade econômica, afetando fortemente os indicadores desde 2020. Em particular, os dados revelam um crescimento de 1,1% a.a. da renda per capita entre 2019 e 2023, que pode ser explicado essencialmente pelo crescimento de 1,1% a.a. na taxa de ocupação. No mesmo período, a produtividade por hora trabalhada e a jornada média cresceram apenas 0,2% a.a. e 0,3% a.a., respectivamente. No entanto, houve queda na taxa de participação (-0,3% a.a.) e no bônus demográfico (-0,2% a.a.).

Considerando o período 2010-2023 como um todo, constatamos que a renda per capita teve crescimento baixo (0,2% a.a.) e bastante similar ao crescimento da produtividade por hora trabalhada (0,3% a.a.), com contribuições próximas de zero das horas trabalhadas, taxa de ocupação, taxa de participação e bônus demográfico.

O Gráfico 2 mostra o crescimento da produtividade ao longo dos últimos anos. Os dados mostram que após crescer 2,1% em 2017 e 0,5% em 2018, a produtividade por hora trabalhada recuou 1,5% em 2019. Esta queda foi revertida em 2020, ano em que houve uma elevação atípica de 12,7% na produtividade, mas que não se sustentou devido às fortes quedas observadas em 2021 (-8,1%) e 2022 (-4,4%). Em 2023, no entanto, a produtividade por hora trabalhada voltou a crescer e apresentou alta de 1,9%.

Acesse o relatório completo no Observatório da Produtividade Regis Bonelli.


[1]O site, disponível no endereço https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade, foi lançado no dia 4 de dezembro de 2019 no I Seminário de Produtividade e Reformas.

[2]As séries de produtividade do trabalho encontram-se disponíveis no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli. A metodologia de construção dos indicadores de produtividade do trabalho pode ser acessada através do link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/nota_de_construcao_dos_indicadores_pt_-_brasil_anual_desde_1981_-_final.pdf

[3]Neste texto, definimos renda per capita como sendo a razão entre o valor adicionado obtido das Contas Nacionais e a população do país. Optamos por usar a informação de valor adicionado para que a análise fique compatível com o cálculo da produtividade por hora trabalhada, que também considera a informação de valor adicionado. O dado de valor adicionado difere do PIB pois este equivale à soma do valor adicionado com os impostos (líquidos de subsídios) sobre os produtos.

[4] As medidas de produtividade utilizadas neste artigo foram construídas dividindo-se o Valor Adicionado obtido das Contas Nacionais pelo total de horas trabalhadas em todas as ocupações, obtido da PNAD e da PNAD Contínua. Em particular, na Pnad Contínua o IBGE disponibiliza duas medidas de horas trabalhadas: horas habitualmente trabalhadas e horas efetivamente trabalhadas. Desde 2012, consideramos como medida do fator trabalho a variável de horas efetivamente trabalhadas, que pode incluir reduções por motivo de doença, feriado, falta voluntária, atraso ou por outra razão, bem como aumentos por conta de pico de produção e compensação de horas não trabalhadas em outro período. No entanto, na PNAD anual não são disponibilizadas informações para horas efetivamente trabalhadas. Diante disso, para os anos anteriores a 2012, retropolamos a série de horas efetivamente trabalhadas com base na variação das horas habitualmente trabalhadas, visto que de 2012 a 2019 não havia grande diferença na variação das duas medidas de horas trabalhadas. Para mais detalhes, acesse a nota de construção dos indicadores de horas trabalhadas e pessoal ocupado no link a seguir: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/nota_de_construcao_dos_dados_de_emprego_e_horas_trabalhadas_-_final.pdf

[5] Na Tabela 1, o primeiro ano de cada período refere-se ao ano-base da análise.

[6] A população em idade ativa (PIA) compreende as pessoas com idade entre 15 e 64 anos, ou seja, que estão aptas a exercer alguma atividade econômica. A população economicamente ativa (PEA) compreende o grupo de pessoas que estão ocupadas (PO) e desocupadas (que não trabalham, mas estão à procura de emprego). Os termos VA/POP e VA/HORAS são, respectivamente, a renda per capita e a produtividade por hora trabalhada.

[7] As informações sobre a população total (POP) e a população em idade ativa (PIA) foram retiradas das estimativas populacionais do IBGE.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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