Construção: produtividade e modernização
Sondagem realizada pelo FGV IBRE junto às empresas de construção do país trouxe um retrato bastante negativo do uso de sistemas industrializados: apenas 34,6% das empresas fazem uso de sistemas pré-fabricados em suas obras.
No estudo “Produtividade do trabalho no Brasil: uma análise dos resultados setoriais desde 1995”, publicado no Blog do IBRE em 24 de maio, os autores ( Fernando Veloso, Silvia Matos, Fernando de Holanda Barbosa Filho, Paulo Peruchetti) apontam o desempenho negativo da produtividade da construção civil brasileira (valor agregado por hora trabalhada) entre 1995 e 2022. A construção, juntamente com a indústria de transformação, contribuiu para a queda da produtividade agregada da indústria: nesse período, enquanto a produtividade da indústria de transformação caiu 0,89% a.a., a produtividade da construção civil diminuiu 0,62% a.a.
Pelo conceito valor agregado por pessoal ocupado, os números são igualmente negativos, com queda de 1,2% a.a. no caso da indústria de transformação e de 1% a.a. no caso da construção.
Como o PIB da construção civil abrange tanto a produção formal, realizada pelas construtoras, como a realizada pelas próprias famílias, é importante distinguir a produtividade de cada um desses componentes.
De acordo com as Contas Nacionais, em 2020 as famílias representavam 29% do valor agregado (VA) setorial e 42% do consumo intermediário. Por sua vez, a produtividade da produção familiar (VA por pessoal ocupado) alcançava apenas 20% da produtividade das empresas.
A maior produtividade das empresas está relacionada à utilização de processos mais eficientes, à melhor gestão das obras e ao emprego de mão de obra mais qualificada. No entanto, se a produção formal se sai melhor na comparação com a produção familiar, na comparação com a indústria de transformação o resultado se inverte: em 2020, de acordo com as Contas Nacionais, a produtividade das empresas da construção equivalia a 79% da produtividade das empresas industriais.
A produção formal, por sua vez, ao abranger desde a construção de edifícios industriais, escritórios, residências, estradas, pontes e viadutos até a execução de partes dos edifícios ou das obras de infraestrutura (a preparação do terreno, obras de instalações elétricas/hidráulicas e as obras de acabamento, entre outros serviços) também abriga diferentes níveis de produtividade.
É de se esperar que a produtividade da construção de edifícios industriais ou obras de infraestrutura em geral seja maior do que a de obras de acabamento que representam uma parte do ciclo produtivo e são muito mais intensivas em mão obra. De fato, existe uma diferença entre os segmentos. No entanto, a produtividade das empresas da construção nos últimos 14 anos caiu em todas as áreas.
A Pesquisa Anual da Indústria da Construção (PAIC) aponta que, entre 2007 e 2021, a produtividade[1] das empresas da construção diminuiu cerca de 0,37% a.a., sendo o pior resultado observado no segmento de Serviços Especializados (-1,22% a.a.); na Infraestrutura, por sua vez, a perda de produtividade foi de 0,72% a.a. Apenas no segmento de Edificações houve melhora ao ritmo de 0,92% a.a.
O gráfico a seguir, que apresenta o nível real da produtividade a cada ano, permite identificar momentos distintos dessa evolução. No caso de Edificações, a produtividade cresceu ao ritmo de 3,1% a.a. até 2016, quando passou para -3% a.a. no período entre 2016 e 2021. Na infraestrutura, houve crescimento até 2013, de 2% a.a. No período seguinte, de 2013 a 2021, passou a decair 2,7% a.a.
Produtividade da construção* por segmentos: 2007-2021
Em R$
* Valor adicionado por pessoal ocupado, corrigido pelo INPC. Fonte: PAIC (IBGE)
O destaque negativo é o segmento de Serviços Especializados, o único que não sustenta nenhum período mais longo de melhora. Este é um segmento formado por muitas pequenas empresas – em 2021, quase a metade das empresas da construção era de prestadoras de serviços especializados.
O período de crescimento da produtividade na Infraestrutura e em Edificações corresponde à fase de maior expansão da atividade. Entre 2007 e 2013, houve o boom do mercado imobiliário, impulsionado pela abertura de capital de várias empresas, pela expansão do crédito habitacional e pela criação do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Porém, apesar da queda no período subsequente, a produtividade em 2021 ainda era 14% superior à registrada em 2007. Na infraestrutura, o PAC e as obras relacionadas aos eventos esportivos alavancaram os investimentos no período de crescimento da atividade. No entanto, o setor não conseguiu sustentar a melhora no período seguinte, chegando a 2021 com produtividade 10% inferior à de 2007.
Enfim, problemas conjunturais – alta das taxas de juros e queda nos investimentos públicos – comprometeram a evolução setorial, mantendo a defasagem em relação à indústria de transformação.
A preocupação com da baixa produtividade na construção civil é um tema recorrente em todo o mundo. Estudos realizados em diferentes países sugerem diversas causas para a baixa produtividade setorial vis-à-vis outros setores da indústria, que vão desde a necessidade de maior rigor em termos de responsabilidade socioambiental até as dificuldades das construtoras em administrar uma rede cada vez mais complexa de fornecedores, além de fatores regulatórios locais mais específicos.
No caso brasileiro, a questão se torna mais complexa pois envolve, além de aspectos como a qualificação da mão de obra e do custo do financiamento, a estrutura tributária que onera mais a aquisição de insumos industrializados, deixando a produção no canteiro menos onerosa do ponto de vista tributário. Ou seja, no Brasil há uma relação importante da questão da baixa produtividade na construção civil com os baixos níveis de utilização de processos industrializados.
É fato que, nos últimos anos, tem havido maior preocupação das empresas e entidades com essa questão, junto com a pauta ESG. Mas qual o grau de modernização da construção civil brasileira? Ou quão disseminado é o uso de sistemas pré-fabricados nas obras?
Sondagem realizada pelo FGV IBRE em abril junto às empresas de construção do País trouxe um retrato bastante negativo: apenas 34,6% das empresas fazem uso de sistemas pré-fabricados em suas obras. O melhor resultado é alcançado junto às empresas de Edificações Não Residenciais – 47,7%. Mesmo entre as empresas que fazem uso de sistemas industrializados, apenas 24,5% usam os sistemas em mais de 50% de suas obras. No caso das empresas de Edificações Não Residenciais, o percentual sobe para 32,4%, sendo que estrutura é a fase da obra com maior uso dos sistemas industrializados.
Sondagem da construção, Uso de sistemas pré-fabricados
Abril 2023
Fonte: FGV IBRE
Sondagem da construção, Uso de sistemas pré-fabricados - % das obras*
Abril 2023
* Para os casos afirmativos. Fonte: FGV IBRE
Sondagem da construção, Uso de sistemas pré-fabricados – em que parte da obra*
Abril 2023
Segmentos |
Estrutura |
Vedações (painéis/drywall) |
Fachada |
Outros |
Construção |
78,4 |
28,4 |
16,4 |
17,9 |
Edif. Residenciais |
95,4 |
42,6 |
30,6 |
5,8 |
Edif. Não Residenciais |
85,7 |
32,2 |
7,8 |
4,3 |
Infraestrutura |
83,0 |
17,5 |
8,9 |
21,7 |
* Para os casos afirmativos, comportando mais de uma resposta. Fonte: FGV IBRE
A sondagem é pioneira. Assim, não é possível saber se esse perfil está pior ou melhor do que há dez anos, por exemplo. Ela passa a ser um referencial importante para se acompanhar o grau de disseminação de processos construtivos mais modernos. De todo modo, os resultados confirmam uma percepção corrente: os baixos níveis de industrialização da construção brasileira e, muito embora a questão não se esgote na discussão da industrialização, mostra o grande desafio que a pauta sobre produtividade tem no setor.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Valor adicionado por população ocupada, dados corrigidos pelo INPC.
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