Cenários

De volta ao ciclo de instabilidade?

24 jun 2024

Caso os problemas do arcabouço não sejam equacionados, o Brasil corre o risco de voltar ao ciclo de instabilidade que tem prevalecido nos últimos dez anos, com consequências de baixo crescimento e piora do mercado de trabalho.

Os dados de atividade econômica e mercado de trabalho continuam a surpreender positivamente, com crescimento do PIB de 0,8% no primeiro trimestre em relação ao quarto trimestre de 2023. Já a PNAD Contínua registrou uma taxa de desemprego de 7,5% no trimestre encerrado em abril. De forma dessazonalizada, a taxa de desemprego caiu de 7,5% para 7,2%, atingindo o menor nível desde fevereiro de 2015. Os dados do Caged de abril, por sua vez, evidenciaram a continuidade de um forte processo de geração de empregos formais.

No entanto, a fragilidade das contas públicas voltou à tona com força desde abril, com a mudança das metas de resultado primário de 2025 e dos anos seguintes. Em combinação com a piora do cenário internacional, a perspectiva é que tenhamos que conviver com taxas de juros reais elevadas por um longo período, o que pode colocar a dívida pública em uma trajetória insustentável.

Esse risco já era conhecido há algum tempo. Como discuti neste espaço em dezembro de 2022 a respeito da PEC da Transição (“PEC da Transição: Transição para Onde?”), a expansão da despesa em cerca de R$ 200 bilhões era excessiva e colocaria a dívida em trajetória de forte aumento nos próximos anos.

Naquela ocasião, a PEC da Sustentabilidade Social apresentada pelo Senador Tasso Jereissati teria sido uma alternativa muito melhor para conciliar responsabilidade social com responsabilidade fiscal. A PEC propunha uma expansão de R$ 80 bilhões no limite das despesas primárias do Poder Executivo para 2023, que seria incorporada definitivamente ao teto de gastos nos anos seguintes.

Com este montante seria possível elevar o valor básico do Bolsa Família para R$ 600 e recompor despesas sociais subestimadas na proposta orçamentária para 2023, como Merenda Escolar e Farmácia Popular. Além disso, seria compatível com a estabilização da dívida em meados desta década, seguida de queda nos anos seguintes.

As dificuldades relacionadas ao arcabouço fiscal também eram bastante conhecidas, tanto em termos do seu objetivo de estabilizar a dívida pública como da coerência interna dos seus mecanismos (“Dificuldades do Arcabouço Fiscal”, abril de 2023).

Além de um ponto de vista bastante desfavorável devido à aprovação da PEC da Transição, as metas de resultado primário originalmente propostas no arcabouço não asseguravam a estabilidade da dívida pública como proporção do PIB ao longo do tempo.

Um segundo problema é que a regra que limita o crescimento real da despesa anual a 70% do aumento real da receita do ano anterior é insuficiente para que sejam atingidas as metas propostas de resultado primário. Para que as metas fossem atingidas, seria necessário um grande aumento da receita.

Outro problema importante é que a combinação entre as regras do arcabouço e políticas do governo que levem ao crescimento das despesas obrigatórias tendem a gerar uma compressão insustentável das despesas de caráter discricionário.

Embora tudo isso fosse conhecido, a probabilidade de colapso do arcabouço foi aumentada pela combinação da retomada da política de aumento real do salário mínimo com a volta da vinculação das despesas de saúde e educação à receita. O governo não parece ter entendido ou aceitado as restrições impostas pelo arcabouço que propôs para substituir o teto de gastos.

Diante da falta de esforço do governo no sentido de controlar a expansão dos gastos e das dificuldades de obter novas receitas, o risco de descontrole da dívida pública voltou à tona, com efeitos imediatos no preço dos ativos, como taxa de câmbio, taxas de juros reais de longo prazo e inflação implícita.

Outros indicadores também revelam uma clara deterioração. Em maio o Índice de Confiança dos Consumidores (ICC) do FGV IBRE recuou 4,0 pontos, atingindo o menor nível desde abril de 2023, em parte também afetado pela catástrofe climática do Rio Grande do Sul. Já o Índice de Confiança Empresarial (ICE) ficou praticamente estável. Uma prévia dos resultados de junho sugere queda tanto do ICC como do ICE.

Em maio o Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do FGV IBRE subiu 6,4 pontos, atingindo 112,9 pontos, maior nível desde março de 2023 (116,7 pts.). Com esse aumento, o III-Br voltou a se situar em torno do patamar historicamente elevado que prevaleceu entre setembro de 2015, quando o Brasil perdeu o grau de investimento da Standard & Poor´s, e o início de 2020 (média de 115).

Isso revela a enorme dificuldade que o país tem enfrentado de atingir o equilíbrio fiscal desde a crise de meados da década passada. Como tenho argumentado neste espaço, embora existam sinais positivos de aumento da produtividade e formalização do trabalho no período recente, o equilíbrio das contas públicas é um pré-requisito fundamental para que esses avanços sejam sustentados.

Caso os problemas do arcabouço não sejam rapidamente equacionados, o Brasil corre o sério risco de voltar ao ciclo de instabilidade que tem prevalecido nos últimos dez anos, com as consequências previsíveis de baixo crescimento e piora do mercado de trabalho.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 21/06/2024.

Comentários

Leo
O BR corre risco mas a reeleição não porque continua evitando desagradar os inúmeros grupos de interesse. A inflação pode ser controlada com juros bem altos. O aumento da dívida fica para o futuro.

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