Cenários

Decifrando os próximos passos

21 dez 2022

Juros reais subiram com dúvidas sobre política fiscal do governo eleito. Proximidade do pleno emprego e alto endividamento público não recomendam expansão fiscal. Prioridade é deixar que política monetária controle a inflação.

Passado o segundo turno das eleições presidenciais, a atenção se voltou para entender qual será a política econômica do governo eleito, especialmente no que diz respeito à formação da equipe econômica e ao cenário fiscal para 2023 em diante.

Nas últimas semanas se começaram a sanar as dúvidas sobre a equipe econômica, com vários de seus membros sendo anunciados. Sobre a política fiscal do futuro governo, porém, tudo que se tem até aqui é a PEC da Transição, também conhecida como a PEC do Estouro, que já foi aprovada no Senado e tem grandes chances de ser aprovada também na Câmara antes do recesso parlamentar. Não é um bom começo.

Desde o discurso do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no dia 10 de novembro, quando criticou a importância que se dá ao superávit primário e à preservação do teto de gastos, os juros reais para papéis de 30 anos subiram e estão acima de 6%, aumentando o custo de financiamento da dívida pública. De lá para cá, o que foi aprovado indica que não haverá tão cedo recuo desse custo de financiamento. Para além do aumento do déficit primário, portanto, deve subir a despesa do governo com juros, ampliando, pelos dois lados, o déficit público e provocando uma forte escalada da dívida pública, em uma dinâmica insustentável a médio e longo prazo.

Isso, porém, não parece preocupar os defensores da PEC. No relatório da proposta da PEC, o senador Alexandre Silveira justificou esse aumento expressivo de gasto utilizando conceitos da Teoria Monetária Moderna (MMT). Pela MMT, a expansão de gastos públicos, sem compensação pela elevação de receita, não é ruim, pois os efeitos multiplicadores dessas despesas potencializam seu impacto na economia, que cresce mais. E não há riscos para a solvência fiscal, pois a dívida mais elevada não vai gerar uma crise de desconfiança, pois foi emitida na moeda própria do país.[1]

Sem dúvida, um dos temas quentes em macroeconomia é qual o valor do Multiplicador Fiscal; ou seja, qual a capacidade da política fiscal de estimular a economia. De forma resumida, esse nada mais é que a variação em reais (R$) de alguma variável de atividade econômica (tipicamente o PIB) à adição de R$ 1,00 dos gastos do governo. Em particular, o multiplicador torna-se objeto de especial interesse quando é superior a 1. Isso significa que o acréscimo de R$ 1,00 às despesas do governo consegue adicionar mais do que R$ 1,00 à economia, situação em que o governo consegue induzir algum aumento das despesas privadas. Este, por sua vez, geraria aumento de arrecadação tributária, que, pelo menos em parte, ajudaria a financiar a ampliação do gasto. E qual é o valor desse multiplicador para o Brasil?

Por aqui o multiplicador fiscal parece situar-se entre 0,4 e 0,7; ou seja, em um patamar baixo, de acordo com a pesquisa de Julio Mereb e Eduardo Zilberman (2017).[2] A literatura sobre o tema também indica que, durante períodos recessivos, o multiplicador fiscal tende a ser mais elevado, mas que, por outro lado, em situações de fragilidade das contas públicas, o multiplicador é muito baixo e eventualmente até negativo.

Então, para o momento cíclico em que a economia brasileira se encontra, próximo ao pleno emprego, e diante do elevado endividamento público, uma expansão fiscal excessiva tem efeitos deletérios sobre a economia. O Brasil não está em recessão. De fato, do ponto de vista cíclico, a prioridade é deixar que a política monetária cumpra o seu papel no controle da inflação, como vem tentando fazer, desaquecendo a economia, para que, em um segundo momento, possamos iniciar o processo de redução da taxa de juros e, assim, permitir que a economia possa retomar a sua trajetória de crescimento, sem pressionar a inflação.

Não há, portanto, argumentos de natureza econômica que justifiquem a PEC proposta pelo governo eleito e em discussão no Congresso. Pelo contrário. A política fiscal muito expansionista, que pressionará ainda mais a dívida pública nos próximos anos, contribuirá para um período de baixo crescimento e inflação e taxa de juros muito elevadas.

E, em nossa visão, também é um erro julgar que a PEC se justifica do ponto de vista da política social. A necessidade de compatibilizar gastos sociais com equilíbrio fiscal é crucial para preservar a sustentabilidade dos ganhos sociais.  Baixo crescimento, com inflação elevada, prejudica muito mais os mais pobres. Como mostra a experiência, é o bom desempenho do mercado de trabalho, mais do que qualquer outra política, que reduz a pobreza e melhora a distribuição de renda.

O cenário mais provável para o ano que vem é que o PIB cresça apenas 0,2%, após alta de 3,0% neste ano, valor revisto em relação ao Boletim do mês passado. Esse resultado, que aponta uma expansão do PIB em 2023 abaixo do carrego estatístico implícito em nossa projeção, decorre da revisão das estimativas de crescimento desde 2021, elevando o crescimento do ano passado de 4,6% para 5,0% e para este ano de 2,7% para 3,0%.

O processo de desaceleração que se iniciou no segundo semestre deste ano deve se intensificar. O efeito da normalização pós pandemia, que tanto beneficiou o setor de serviços em 2022, vai perder força. O crédito às famílias, que puxou a demanda doméstica, também já está se retraindo, ficando mais caro e escasso. A desaceleração global, por sua vez, vai seguir pesando sobre o preço das commodities, também com efeito negativo sobre a atividade nesses setores. E o sinal de que o novo governo traz uma agenda de desfazer as reformas dos últimos anos, da Lei das Estatais ao novo marco regulatório do saneamento, vai pesar sobre o investimento.

A política monetária, por sua vez, vai ajudar ainda menos do que prevíamos. Não mais contemplamos redução da taxa de juros no ano que vem. O processo de desinflação tem sido muito gradual e as incertezas sobre o futuro do arcabouço fiscal do país, fruto de estímulos fiscais excessivos, deve ser o cenário mais provável.

A autoridade monetária tem ressaltado que a incerteza fiscal requer serenidade na avaliação dos riscos, e que acompanhará com especial atenção a evolução da política fiscal e os seus efeitos sobre o risco país, os preços de ativos e as expectativas de inflação. Novamente é enfatizado que o Copom irá perseverar até que se consolide, não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O BC afirma ainda que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que ele não hesitará em retomar o ciclo de ajuste, caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.

Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de dezembro/2022.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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