Macroeconomia

Desafios para a retomada da economia

20 ago 2021

Com economia mundial entrando em fase menos brilhante do que a do primeiro semestre, indicações são de desaceleração no Brasil, em cenário de inflação e juros em alta, incertezas políticas e fiscais e risco hídrico. E elevação do juro longo desencoraja novos investimentos.

Também por aqui, portanto, temos um cenário de desaceleração do crescimento. Este será negativamente impactado pela inflação mais alta  e pelo  fim dos estímulos monetários. Adicionalmente, com o aumento dos riscos fiscais e das incertezas políticas, o quadro de consolidação fiscal no médio prazo fica ainda mais desafiador, pressionando os juros longos e desencorajando novos investimentos.  A crise hídrica adiciona ainda mais incertezas no cenário de crescimento, após o período agudo da pandemia. Nesse contexto, em que pese a recuperação esperada dos serviços, mantemos a previsão de crescimento de 1,6% para o PIB de 2022.  

O mundo está entrando em uma nova fase, menos assustadora que a do auge da pandemia, mas menos brilhante que a do primeiro semestre.

E uma fase com seus próprios desafios. No todo, o ambiente internacional ainda permanece favorável aos emergentes, mas menos do que o observado no primeiro semestre do ano, com alta relevante da volatilidade e da incerteza.

Após uma recuperação robusta da atividade econômica nos países desenvolvidos na primeira metade do ano, devido às políticas de estímulos fiscais e monetários, em conjunto com ampla campanha de vacinação, a expectativa é de acomodação do ritmo de crescimento neste segundo semestre.  Um crescimento bom, mas não mais espetacular.

É o que mostram os Barômetros Econômicos Globais Coincidentes do FGV IBRE[1] , que registraram quedas em julho e agosto. O recuo reflete, em parte, a desaceleração das taxas interanuais de crescimento econômico mundial no terceiro trimestre de 2021, quando o período-base de comparação deixa de ser o fraco segundo trimestre de 2020. No entanto, os níveis dos indicadores são ainda elevados e compatíveis com a continuidade da retomada da economia mundial.

Em termos setoriais, constata-se que todos os cinco setores da pesquisa contribuíram para o resultado agregado negativo, mas com destaque para a maior contribuição da indústria para a queda de agosto. Na mesma direção, o setor industrial também tem contribuído significativamente  para a retração do Indicador Antecedente, após ter sido o grande protagonista da recuperação da economia mundial até meados de 2021. Em termos regionais, o grupo “Ásia, Pacífico & África” foi o destaque negativo nos dois indicadores.

Segundo a pesquisa, a desaceleração do ritmo excepcionalmente forte de expansão deve, portanto, continuar nos próximos meses. Uma tendência reforçada pela piora do quadro sanitário em algumas regiões e pelos gargalos no abastecimento de diversos insumos produtivos.

É o caso da economia chinesa, por exemplo, que está gradualmente desacelerando. Desde a (primeira) saída da pandemia, o crescimento chinês se concentrou na indústria, pelo lado da oferta, e nos investimentos, pelo da demanda, para a qual também contribuiu o aumento das exportações, resultado da elevada demanda global por bens. Em especial, os investimentos nos segmentos de infraestrutura e imobiliário têm sustentado a economia chinesa, impulsionados pela forte expansão do crédito. No entanto, o quadro do segundo semestre tem se alterado com relação ao crédito. Os dados de concessão de julho mostram  intensa desaceleração, com destaque para o componente não bancário (shadow banking). Segundo o pesquisador Lívio Ribeiro, do FGV IBRE, o PIB chinês deve crescer 8,7% este ano, em grande parte fruto do carregamento estatístico, que está em torno de 6% (ver Seção de Economia Internacional).

Na Europa, a indústria alemã tem surpreendido negativamente, sugerindo recuo no ritmo de crescimento, mais intenso do que antes se projetava na maior economia da região. O resultado se explica por gargalos na oferta de bens intermediários, em especial de semicondutores, problema que tem prejudicado a produção de veículos no mundo todo. No segundo trimestre, a  produção industrial alemã caiu 0,6%, na comparação com o primeiro, com a indústria automotiva registrando retração de 11,2%. É o retrato de um problema global, que provavelmente não será resolvido no curto prazo. 

Já nos EUA, a expectativa é de manutenção do crescimento econômico, mesmo com as restrições de oferta e os riscos inflacionários continuando no radar. Políticas de estímulo têm sido fundamentais para esse cenário, pois a dinâmica recente da pandemia tem sido muito desfavorável no país. Nesse sentido, vale menção de que o Senado aprovou um pacote de infraestrutura bipartidário de US$ 1,2 trilhão é há uma proposta de orçamento de 3,5 trilhões para investimentos sociais. Como as políticas fiscais devem permanecer expansionistas, o cenário é de iminente tapering pelo Federal Reserve.

Como em 2013, o anúncio do tapering tende a impactar os emergentes, mas acreditamos que menos desta vez do que então. O Brasil, em especial, nos parece em melhor situação. Assim,  mantemos para o Brasil nossa estimativa de crescimento do PIB para este ano, de 5,2%, e  para o segundo trimestre, em relação ao primeiro, de 0,1%, alterando apenas marginalmente a composição setorial (ver Seção de Atividade Econômica).

De fato, as divulgações recentes confirmam o quadro de desaceleração da indústria e do comércio, em linha com a migração gradual do consumo de bens para serviços. Diante do avanço da vacinação e do aumento da mobilidade, os serviços mais prejudicados pela pandemia devem ganhar protagonismo daqui para a frente.

Em particular, os serviços prestados às famílias fecharam o segundo trimestre com crescimento de 3,7%, na comparação com o primeiro. Apesar dos ótimos resultados nos últimos meses, essa atividade ainda está 22,8% abaixo do patamar pré-pandemia. Mas esperamos que esse hiato se feche totalmente ao longo deste semestre, ou perto disso, tendência corroborada pelos indicadores antecedentes do setor. A Sondagem do FGV IBRE, por exemplo, mostra que em julho as expectativas já estavam no patamar pré-pandemia, com intensa recuperação desde março último. Em suma, as perspectivas para o segundo semestre continuam muito favoráveis para os serviços prestados às famílias.

Com a retomada do setor de serviços, houve crescimento do emprego, mas também mais pessoas à procura de ocupação, o que melhorou as condições do mercado de trabalho, mas mantendo a taxa de desemprego em patamar ainda elevado. Esperamos queda bem gradual da taxa de desemprego, atingindo 13,2% no último trimestre do ano, com média anual de 14,3%. Neste semestre estimamos recuperação mais acelerada do emprego informal, que foi o mais impactado pela pandemia.

Concomitante à retomada da atividade economia, a inflação mostrou forte aceleração e deve fechar o ano em 7,8%, bem acima do limite superior da meta de inflação, que é de 5,25%. Para 2022, mantemos a previsão de 3,7%, mas os riscos são concentrados na direção de novas revisões para cima e para longe da meta, de 3,5%. Não apenas o patamar da inflação está mais elevado, mas também a sua composição está bem mais desfavorável, com maiores altas nos preços de serviços. Diante desse cenário, o Banco Central acelerou o passo do aperto monetário, na expectativa de conseguir conter as expectativas as inflacionárias para os próximos anos.

Também por aqui, portanto, temos um cenário de desaceleração do crescimento. Este será negativamente impactado pela inflação mais alta  e pelo  fim dos estímulos monetários. Adicionalmente, com o aumento dos riscos fiscais e das incertezas políticas, o quadro de consolidação fiscal no médio prazo fica ainda mais desafiador, pressionando os juros longos e desencorajando novos investimentos.  A crise hídrica adiciona ainda mais incertezas no cenário de crescimento, após o período agudo da pandemia. Nesse contexto, em que pese a recuperação esperada dos serviços, mantemos a previsão de crescimento de 1,6% para o PIB de 2022.   

Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.  

[1] Os barômetros econômicos globais são um sistema de indicadores que permite uma análise tempestiva do desenvolvimento econômico global. Eles representam uma colaboração entre o Instituto Econômico Suíço KOF da ETH Zurique, na Suíça, e a Fundação Getulio Vargas (FGV). Ver https://portalibre.fgv.br/sites/default/files/2021-08/barometros-globais... .

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adriana ferrari reis

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