Macroeconomia

Deve o BC reduzir a Selic para impulsionar a economia?

5 fev 2019

Diante do modesto desempenho recente da economia brasileira, que se recupera lentamente do grave quadro recessivo experimentado entre o segundo trimestre de 2014 e o quarto trimestre de 2016, muitos argumentam que o Banco Central poderia dar uma ajuda, ampliando a dose de acomodação monetária ora em vigor. Com certa facilidade encontra-se também quem acredite que a própria autoridade monetária é parcialmente responsável pela lentidão com que se processa a retomada do crescimento, pois poderia ter sido mais agressiva em sua política de redução da taxa Selic.

A nosso ver, o Banco Central tem duas opções. A primeira seria respeitar o arcabouço teórico vigente, representado pelo regime de metas de inflação. A segunda seria passar a agir de maneira discricionária.

Com o passar dos anos, muito se aprendeu sobre como administrar a política monetária. E um dos consensos a que se chegou diz respeito à constatação de que o sistema de preços de determinada economia funciona melhor na presença de uma âncora. E um regime de metas de inflação, se bem administrado, tem todas as condições de executar bem a tarefa de ancorar os preços de maneira geral. A julgar pelo nosso histórico recente, e pela composição da atual diretoria do Banco Central, parece nula a probabilidade de o regime em vigor passar a ser levado menos a sério, muito menos abandonado.

Independentemente disso, porém, pensemos em argumentos que têm sido levantados com razoável frequência. A recuperação da economia mostra-se excessivamente lenta; o desemprego está bastante elevado; persistindo por longo tempo, um quadro desse tipo prejudica o crescimento de longo prazo, em particular por acarretar a obsolescência do capital humano; modelos do Banco Central têm viés; no momento, o mercado tem expectativas favoráveis sobre o comportamento da inflação; a inflação corrente está baixa; a inflação de serviços bem-comportada; o BC deveria ser mais “ousado”, arriscar mais, admitir juro neutro em queda, e derrubar a taxa Selic um pouco mais.

Por certo, algumas dessas ponderações são válidas. E se justificam de algum modo. Mas é preciso deixar claro que não fazem parte da essência do regime de inflation targeting. Sob esse regime, há uma hierarquia de objetivos, o controle da inflação em primeiro lugar. Isso difere, por exemplo, do que prevalece nos Estados Unidos, onde o Congresso impôs o chamado mandato dual. Além disso, há um ritual a ser observado, preservando-se a transparência dos movimentos oficiais. Em poucas palavras, o BC precisa explicar suas ações, dentro do arcabouço teórico vigente. Se falhar nisso, correrá o risco de desancorar o sistema. E pior: no momento atual, com baixa probabilidade de efetivamente ajudar a economia.

Do final de 2016 até os dias de hoje, a taxa Selic foi reduzida em quase 800 pontos. É bem provável, porém, que o efeito pleno dessa queda não se tenha materializado. E a razão é que condições financeiras mais adversas e o aumento das incertezas em 2018 atuaram em sentido contrário. Na verdade, episódios como esse nada têm de incomuns, uma vez que, nos mais diferentes países, muitas vezes os preços dos ativos financeiros e as condições de crédito na economia não respondem às alterações de política monetária de acordo com o teoricamente previsto. De qualquer modo, fica difícil imaginar que mais 50 pontos (ou algo parecido) de queda da Selic fariam diferença. A ideia é simples: atividade econômica não depende apenas dos juros de política monetária.

Os atuais dirigentes do Banco Central têm sinalizado total falta de apreço por excesso de discricionariedade. Recentemente, chegaram a mandar um recado para os mais afoitos analistas e participantes de mercado, que abertamente clamavam (alguns ainda o fazem) por ações menos ortodoxas. Referimo-nos aos que assinalavam (quando os juros futuros atingiram mais de 12%) a importância de “o BC prestar atenção aos sinais de mercado” (queriam alta da taxa Selic) e aos que atualmente ressaltam que “a inflação corrente está muito baixa” (demandam queda adicional da Selic). O referido recado veio por escrito: o BC atua com “cautela, serenidade e perseverança”.    

A situação atual talvez represente uma boa ilustração prática da validade da advertência acima. Aguarda-se com ansiedade o resultado final das discussões e iniciativas acerca das reformas de que o país precisa e do consequente impacto final sobre as condições financeiras. Na hipótese de as medidas reformistas eventualmente trazerem frustração, as condições financeiras tornar-se-ão mais desfavoráveis, inviabilizando qualquer redução adicional de taxa de juros. No caso de os resultados das reformas serem bons e bem-recebidos pelo mercado, o BC provavelmente não se precipitaria, pois estaria aberto o espaço para que os efeitos da redução de quase 800 pontos da Selic se consumassem plenamente, ampliando-se assim (via melhora das condições financeiras) os estímulos à economia.

Não custa lembrar: regime de metas de inflação é sinônimo de regime de metas de projeção de inflação. A ideia aqui é que, de modo geral, os bancos centrais têm mais controle sobre as projeções de inflação do que sobre a inflação propriamente dita.

Em seus comunicados e relatórios, o BC costuma repetir que passos futuros da política monetária dependem sempre da atividade econômica, das projeções de inflação (sempre as do próprio BC) e do balanço de riscos.

Na situação atual, a atividade econômica e as projeções de inflação (números um pouco abaixo ou nas metas para 2019 e 2020) recomendam política acomodatícia. Por outro lado, “os riscos altistas para a inflação permanecem relevantes e seguem com maior peso em seu balanço de riscos”. [...]. “Persiste, apesar de menos intensa, a assimetria no balanço de riscos para a inflação”. É como se o balanço de riscos desse o viés da política.

Em suma, não há qualquer sinal de que o BC pretenda ser menos rigoroso no tocante a seguir os preceitos básicos do arcabouço teórico vigente. E de que pretenda reduzir a taxa Selic, no horizonte previsível.

A maior ajuda que o BC pode dar para uma recuperação sustentável da economia brasileira é manter baixa e estável a taxa de inflação, minimizando o risco de ter de voltar a pôr os juros nas alturas.

Desde a Grande Depressão sabe-se que juros elevados derrubam a economia e que juros baixos significam uma história mais complicada. Essa ideia é realmente antiga. Atribui-se a Marriner Eccles, membro do Board e por 12 anos chairman do Fed (1936-1948), a analogia entre administrar a política monetária e o manuseio de uma corda.

Em termos mais populares, e em inglês, o raciocínio passou a ser expresso da seguinte maneira: one can pull the dog by the leash, but one cannot push the dog by the leash. Milton Friedman preferia fazer uso de antigo aforisma: “É possível levar um cavalo até a fonte, mas não se consegue forçá-lo a beber”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

   

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