Trabalho

Dinâmica da subutilização e seus aspectos sociodemográficos

9 jul 2025

Existe grande heterogeneidade no grau de subutilização da mão de obra quando analisamos diferentes grupos sociodemográficos. Os mais afetados residem na região Nordeste, são mulheres, são jovens e possuem baixa escolaridade.

 

 

1. Introdução

A pandemia da Covid-19 gerou uma série de efeitos adversos sobre o mercado de trabalho brasileiro. Mas, desde 2021 os sinais de recuperação do mercado de trabalho começaram a aparecer, tendo esta melhora sido observada sob diversas óticas, como por exemplo no aumento considerável do número de pessoas ocupadas, no aumento da renda e na forte geração de vagas formais.

Outro indicador bastante utilizado em análises de mercado de trabalho é a taxa de desemprego, que no auge da crise sanitária chegou a bater quase 15% e no primeiro trimestre de 2025 baixou para 7%, uma das menores já observadas ao longo da série histórica. A taxa de desemprego, no entanto, compreende apenas um grupo específico que é o de pessoas desocupadas, deixando de lado outras categorias importantes na análise de vulnerabilidade do mercado de trabalho.

Neste estudo analisamos a dinâmica e o perfil sociodemográfico da subutilização no Brasil. Este indicador é mais amplo do que a taxa de desemprego pois compreende além dos desocupados, aqueles que estão subocupados por insuficiência de horas trabalhadas[1] e a força de trabalho potencial. Em particular, este último grupo compreende pessoas que estão fora da força de trabalho, mas que possuem potencial para fazerem parte dela em algum momento e que é composto pelos desalentados[2] e os indisponíveis para trabalhar[3].

Além desta introdução, o estudo tem mais duas seções. Na segunda seção apresentamos a dinâmica recente do indicador desde 2015, uma decomposição de sua variação e analisamos alguns aspectos sociodemográficos da subutilização no Brasil. Na última seção apresentamos as principais conclusões do estudo.

2. Resultados

2.1 Análise da dinâmica da subutilização no Brasil

O objetivo desta seção é apresentar a evolução da subutilização no Brasil desde o final de 2015, bem como decompor a variação observada no indicador a partir da dinâmica de cada uma das categorias que o compõe.   Os dados do Gráfico 1 mostram que o total de pessoas subutilizadas no Brasil no primeiro trimestre de 2025 ficou ligeiramente abaixo do observado no quarto trimestre de 2015. No entanto, olhando separadamente para alguns subperíodos, observa-se que a dinâmica deste indicador ao longo do tempo foi bastante heterogênea. Entre o último trimestre de 2015 e o último de 2019 houve um aumento significativo no total de pessoas subutilizadas no Brasil, passando de 18,6 milhões para 26,5 milhões de pessoas. Ou seja, ocorreu um incremento de quase 8 milhões de pessoas.

Durante a fase mais crítica da pandemia, também houve um forte aumento no número de pessoas subutilizadas, de modo que no final de 2020 a subutilização chegou a alcançar quase 33 milhões de pessoas. No entanto, com a melhora no mercado de trabalho a partir de 2021, ocorreu uma queda muito forte na subutilização da mão de obra brasileira. No primeiro trimestre de 2025, existiam cerca de 18,5 milhões de pessoas subutilizadas. A Tabela 1 desagrega a variação da quantidade de subutilizados nas quatro categorias que compõe este indicador. Esse exercício é feito para três subperíodos: 2015-2019, 2019-2020 e 2020-2025.

De acordo com a Tabela 1, mais de 90% do aumento de 7,9 milhões de pessoas subutilizadas entre o quarto trimestre de 2015 e o quarto de 2019 foi explicado pelo crescimento no número de desocupados (33,8%), de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas (34,8%) e de desalentados (24,9%). Apenas 6,5% deste incremento pode ser atribuído a elevação no total de pessoas indisponíveis para o trabalho.

Já entre o quarto trimestre de 2019 e o quarto trimestre de 2020 ocorreu um aumento de 6 milhões de pessoas subutilizadas. A composição deste incremento, no entanto, mudou bastante quando comparado com o período anteriormente analisado. O aumento do número de pessoas indisponíveis durante o período contribuiu com 39,6% da elevação da subutilização, provavelmente por motivos relacionados a necessidade de isolamento social por conta da pandemia. Já o aumento do número de desocupados contribuiu com 41,7% da elevação da subutilização. O componente que menos influenciou no aumento da subutilização entre 2019 e 2020 foi a subocupação por insuficiência de horas trabalhadas (0,1%).

Ao longo do último quinquênio (2020-2025) o total de pessoas subutilizadas caiu fortemente, cerca de 14 milhões, e quase 50% desta queda é atribuída a redução no total de pessoas desocupadas. O restante da participação pode ser igualmente atribuído à redução nos demais componentes da subutilização. Portanto, a queda na desocupação tem sido o principal responsável pela queda na subutilização nos últimos anos.

2.2. Taxa de Subutilização por grupos sociodemográficos

Dado a dinâmica de queda recente do número de subutilizados, ocorreu uma redução expressiva da taxa de subutilização, situando-se em 15,9% no primeiro trimestre de 2025. Esta é uma das menores taxas já observadas na série histórica.[1] Na Tabela 2 encontra-se as taxas de subutilização de alguns grupos sociodemográficos no quarto trimestre de 2015 e primeiro trimestre de 2025. A partir desta desagregação é possível identificar quais deles estão mais expostos a subutilização.

 

 

Dentre as regiões, o Nordeste apresentou a maior taxa, tanto em 2015q4 (25,7%) quanto em 2025q1 (26,3%), e foi a única que apresentou crescimento do indicador no período analisado. No primeiro trimestre de 2025 a região norte foi a segunda com maior taxa de subutilização (18,8%), seguida das regiões Sudeste (12,8%), Centro-Oeste (11,6%) e Sul (8,7%).

Em relação ao gênero, houve redução da taxa tanto para os homens quanto para as mulheres no período 2015q4-2025q1. Apesar disso, a taxa de subutilização das mulheres (19,8%) no primeiro trimestre de 2025 ficou 7,1 pontos percentuais (p.p.) acima da dos homens (12,7%). A elevada subutilização feminina pode estar relacionada com as dificuldades que estas enfrentam para conciliar o trabalho com as responsabilidades familiares (cuidado com filhos e idosos e afazeres domésticos[1]).

A Tabela 2 também mostra que o grupo etário de 18 a 9 anos possui uma elevadíssima taxa de subutilização (21,5%). A diferença entre as taxas do grupo 18 a 29 aos e do de 30 a 59 anos foi 8,8 p.p. no primeiro trimestre de 2025. Essa diferença era ainda maior no quarto trimestre de 2025 (12,1 p.p.). Portanto, observa-se que apesar da melhora neste indicador desde o final de 2015, a situação dos jovens ainda permanece bastante delicada.[2]

Também se observa que quanto menor o grau de escolaridade das pessoas, maior a taxa de subutilização entre elas. No primeiro trimestre de 2025, a taxa de subutilização de pessoas que possuem menos que o ensino médio completo foi de 21,5%, superior ao observado no caso daqueles que possuem ensino médio completo e superior incompleto (15,8%) e mais do que o dobro daqueles que possuem ensino superior completo (8,1%). Além disso, desde o final de 2015, a taxa de subutilização de pessoas que possuem menos que o ensino médio completo aumentou cerca de 0,4 p.p. Já no caso dos demais grupos educacionais houve redução de 0,7 p.p. neste indicador.

O panorama apresentado nesta seção mostra que há grande heterogeneidade no grau de subutilização da mão de obra quando analisamos diferentes recortes sociodemográficos. Os dados mostram que os mais afetados pela subutilização residem na região Nordeste, são mulheres, são jovens e possuem baixa escolaridade.

3. Conclusão

Essa análise buscou dar luz a uma medida mais abrangente de vulnerabilidade do mercado de trabalho do que a taxa de desemprego. A subutilização considera em seu computo os desocupados, os que trabalham menos horas do que gostariam, os desalentados e os indisponíveis para o trabalho.

Identificamos uma queda significativa no total de subutilizados desde o período mais crítico da pandemia. Parte relevante deste movimento foi atribuído ao recuo no total de pessoas em condição de desocupação. Diante da queda no total de subutilizados, a taxa de subutilização da mão de obra passou de quase 30% em meados de 2020 para 15,9% no primeiro trimestre de 2025. Esta taxa é bem superior a taxa de desemprego que esteve em torno de 7% no primeiro trimestre de 2025. No entanto, existe grande heterogeneidade no grau de subutilização da mão de obra quando analisamos diferentes grupos sociodemográficos. Em particular, os mais afetados pela subutilização residem na região Nordeste, são mulheres, são jovens e possuem baixa escolaridade.

A subutilização da força de trabalho constitui uma importante medida do desperdício de potencial humano disponível no mercado. Ela engloba indivíduos que, embora aptos ao trabalho, permanecem à margem do sistema produtivo. Nesse contexto, torna-se cada vez mais relevante a implementação de ações que favoreçam a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho. Medidas como a ampliação da oferta de creches, por exemplo, podem contribuir significativamente para aumentar o número de mulheres ocupadas. Investimentos contínuos em educação e em políticas públicas voltadas à qualificação técnica são essenciais para mitigar a situação atual enfrentada pelos jovens e para promover o desenvolvimento de suas trajetórias profissionais. É fundamental fomentar e identificar oportunidades de inclusão no mercado de trabalho, de modo a aproveitar plenamente o potencial da mão de obra existente na economia brasileira e evitar seu desperdício.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

 

 

 

[1] Os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas são trabalhadores que têm jornada de trabalho inferior a 40 horas semanais, mas gostariam de trabalhar mais horas e estão disponíveis para trabalhar.

[2] Os desalentados são pessoas que gostariam de trabalhar e estariam disponíveis, porém não procuraram trabalho por acharem que não encontrariam.

[3] Os indisponíveis são pessoas que embora tivessem buscado trabalho, não estavam disponíveis para trabalhar naquele momento, por conta da necessidade de cuidar de afazeres domésticos, dos filhos, por problemas de saúde, por não querer trabalhar, dentre outros.

[4] A taxa de subutilização é obtida a partir da razão entre o total de pessoas subutilizadas e o total da força de trabalho ampliada, que por sua vez é calculada a partir da soma entre a força de trabalho e força de trabalho potencial.

 

[5] A pesquisadora Janaína Feijó, do FGV IBRE, em um dos artigos do blog do IBRE mostrou que a taxa de participação feminina ainda está abaixo das dos homens e a maternidade ainda é considerada um dos principais fatores para explicar esse quadro. Para mais detalhes acesse o artigo no link: https://blogdoibre.fgv.br/posts/criancas-fora-da-escola-e-empregabilidad...

[6] Em outro artigo publicado no blog do IBRE abordamos vários aspectos acerca da dificuldade de inserção dos jovens no mercado de trabalho. Este grupo, em geral possui desemprego e informalidade mais elevada que a dos demais grupos etários, além de terem rendimentos do trabalho bem menores. Para mais detalhes, acesse o texto no link: https://blogdoibre.fgv.br/posts/jovens-no-mercado-de-trabalho

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