Macroeconomia

Hiato do produto do PIB, da Indústria, e dos Serviços (1980-2019)

29 abr 2020
  1. INTRODUÇÃO

O estudo acerca do produto potencial vem ganhando espaço entre as discussões dos economistas. Em momentos de crise e estresse econômico, como o da atual conjuntura mundial, estudos sobre o tema se tornam ainda mais importantes, tendo em vista a utilidade do indicador para a formulação e a condução de políticas econômicas.

Por ser uma variável não observável e com diversas formas de estimação e definição, uma fragilidade encontrada nos estudos é a discrepância dos resultados entre os métodos de estimação. No esforço de diminuir essas incertezas, este trabalho se propõe a apresentar, para o cálculo do hiato do PIB, do setor da Indústria e de Serviços, a estimação do produto potencial por seis métricas estatísticas e por uma abordagem estrutural representada pela função de produção.

Este texto traz basicamente os resultados do exercício, sendo omitida a parte referente à descrição detalhada da metodologia que pode ser consultada no [1] referente a artigos. Este texto está dividido em três seções, incluindo esta introdução. A segunda apresenta os resultados estimados pela Função de Produção e pelos métodos estatísticos para o PIB, para a Indústria e para os Serviços. A terceira seção contém a conclusão.

2     RESULTADOS
2.1    Resultados para o PIB
2.1.1. Pela Função de Produção

O hiato do produto pelo método da Função de Produção apresentou resultado negativo (-4,3%), no quarto trimestre de 2019, sendo menos negativo do que aquele observado no terceiro trimestre de 2019 (-4,5%). Pela média das métricas o hiato do produto no quarto trimestre de 2019 foi -3,5%. Em ambas as metodologias os hiatos são próximos e um pouco mais fechados do que no terceiro trimestre de 2019. Durante cinco anos, desde 2010, o produto efetivo foi superior ao produto potencial em cerca de 3 p.p. pela função de produção, e de 5 p.p. pela média das métricas, chegando a trazer pressões inflacionárias naquele período.


 

Um exercício útil de ser feito utilizando a Função de Produção é a análise do produto efetivo pela decomposição da parcela relativa à contribuição da produtividade total dos fatores (PTF), do capital e do trabalho. O Gráfico 3 mostra a avaliação do produto efetivo para todo o período disponível e, separado por períodos específicos.

Nos últimos trinta e três anos estimados neste trabalho, o produto brasileiro cresceu 2,5% ao ano graças principalmente à contribuição de 1,1 p.p. do fator trabalho; o fator capital contribuiu com 0,6 p.p. e a PTF com 0,8 p.p. Tal crescimento fortemente baseado no fator trabalho, é insustentável no longo prazo, já que o aumento desse fator é reflexo do aumento do bônus demográfico durante o período associado ao crescimento da PEA. Espera-se que com o envelhecimento da população e a redução da fecundidade, a tendência é de que o fator trabalho contribua negativamente para o crescimento do produto.

Fragmentando o período de análise pode-se ter uma visão melhor do ocorrido. De 1985-1990 o PIB brasileiro cresceu 3,2%, em média, ao ano, com forte contribuição da PTF (1,6 p.p.). De 2001 a 2010, o PIB cresceu 3,6%, sendo o capital o que mais contribuiu e a PTF apresentou a menor contribuição (1 p.p.). O período mais desastroso em análise foi aquele compreendido entre 2011-2019, com a PTF contribuindo negativamente (-0,1 p.p.), o trabalho com apenas 0,3 p.p. e o capital com 0,4 p.p., salientando a má alocação de recursos de capital que em nada ajudaram a PTF. Esse desempenho é alarmante já que evidencia a insustentabilidade do crescimento, dado que as economias desenvolvidas têm um crescimento sustentável baseado no aumento da produtividade, não somente na acumulação de fatores de produção.
 

O Gráfico 4, abaixo, mostra a variação da PTF acumulada em 4 trimestres. A taxa acumulada até o quarto trimestre de 2019 chegou a 1,2% de crescimento, em trajetória ascendente. Observa-se que a PTF tem trajetória declinante desde o quarto trimestre de 2006, que se aprofunda com a crise de 2008, recupera-se momentaneamente em 2010, volta a declinar ao seu ponto mais negativo (-2%) no primeiro trimestre de 2015, com a política de restrição fiscal do início do segundo mandato de Dilma Rousseff. A partir daí a PTF se recupera até o quarto trimestre de 2017, volta a declinar e apresenta taxa de 1,2% no quarto trimestre de 2019.
 

2.1.2. Pelas Métricas Estatísticas e pela Função de Produção

A fim de eliminar os efeitos de superestimação ou subestimação das caudas, característicos dos filtros estatísticos, foram feitas projeções até o segundo trimestre de 2021 nas métricas estatísticas. 

Observa-se no Gráfico 5 que os hiatos calculados pelas tendências linear e exponencial apresentaram viés de baixa, no período recente, indicando um produto efetivo mais afastado do potencial. Por sua vez, os hiatos pelas médias móveis trimestrais (4MM e 8MM) e Filtro HP no Gráfico 6, apresentaram viés de alta, inclusive positivo, nesse mesmo período, indicando um produto efetivo mais próximo do seu potencial.

2.2    Resultados para a Industria
2.2.1. Pela Função de Produção

 

O hiato do produto da Indústria pela Função de Produção ilustrado no Gráfico 7, apresentou resultado de -6,2% e pela média das métricas -5,6. Ambos os valores mostram um hiato negativo do produto industrial superior ao do PIB e já se tornou negativo 1 ano antes do que no caso do PIB.


Os Gráficos 7 e 8 acima, mostram a dramática situação da Indústria: depois de passar 9 anos operando com hiato negativo, teve uma melhora de 2010 a 2014 e está há cinco anos na área de hiatos negativos e desde 2015 em faixa nunca observada na série aqui apresentada.

Ao analisar a decomposição do crescimento do produto efetivo da indústria, ilustrado no Gráfico 9, nota-se uma grande discrepância entre a primeira e segunda décadas analisadas. Na primeira década de análise (1999–2009), o produto efetivo cresceu 2,4% em média ao ano, com principal contribuição sendo do insumo trabalho e capital e com contribuição negativa da PTF. Na segunda década de análise, o produto efetivo cresceu 0,3% em média ao ano, com contribuições positivas do capital e da PTF e contribuição negativa do insumo trabalho.
 

A dinâmica da PTF, ilustrada no Gráfico 10, revela uma variação da produtividade da indústria oscilando bastante entre taxas negativas (40 observações com média de -2,5%) e positivas (35 observações com média de +2%). Entretanto, a partir do terceiro trimestre de 2016 a taxa tem sido positiva, com média de 2,2% melhorando sua contribuição para o crescimento do período 2010-2019.

2.2.2. Pela Média das Métricas e Função de Produção

Nos Gráficos 11 e 12 são expostos todos os hiatos calculados. O Gráfico 11 mostra os hiatos com tendência de baixa e o Gráfico 12 mostra os hiatos com tendência de alta. Em ambos estão colocadas as séries da Função de Produção e da média das métricas. Em ambos aparece o papel mais estável da estimação pela função de produção.


2.3    Resultados para Serviços
2.3.1. Pela Função de Produção

O hiato do produto para Serviços pela Função de Produção e pela média das métricas apresentou resultado de -3,9% no quarto trimestre de 2019.


Os Gráficos 13 e 14, acima, mostram o setor de Serviços operando na maior parte da série com hiatos positivos. Isto foi particularmente relevante no período 2010 a 2014 quando este setor pressionou a inflação.

Analisando a decomposição do crescimento do produto do setor de Serviço efetivo, distribuído por décadas, é possível ver que na primeira década de análise o produto potencial cresceu em média 3,3% ao ano com contribuição positiva do insumo capital e trabalho e negativa da PTF. Na segunda década de análise, o produto efetivo cresceu 1,4% em média ao ano, com contribuição nas mesmas proporções da década anterior.

O Gráfico 16, abaixo mostra que a evolução trimestral da PTF de serviços que operou no campo negativo na maior parte dos anos. Ela só recentemente, a partir de 2017 passou a apresentar taxas positivas e, na taxa acumulada em 4 trimestres no quarto trimestre de 2019, apresentou crescimento de 1,7%.

2.3.2. Pela Média das Métricas e Função de Produção

Os Gráficos 17 e 18 abaixo exemplificam como o resultado da média das métricas é uma boa aproximação do resultado da função de produção e atenua os resultados discrepantes com vieses de alta e baixa das métricas estatísticas.


3. Conclusão

O hiato do produto é uma variável importante para a análise econômica apesar de sua estimação poder apresentar resultados bem diferentes, dependendo da metodologia adotada. Neste trabalho foram apresentadas estimações de produto potencial para a economia total, setor de serviços e da indústria, por diversas abordagens de maneira a eliminar vieses característicos de cada métrica individual. 

Todas as metodologias apresentam algumas desvantagens, mas a abordagem da Função de Produção consegue incorporar de maneira mais eficiente em sua estrutura as possíveis mudanças que aconteçam na economia. Por ser uma variável difícil de ser estimada com precisão, é importante frisar que a escolha pela Função de Produção não está isenta de críticas e, por isso, é importante que os estudos acerca do assunto sigam em constante aprimoramento.

A análise dos resultados do hiato mostrou como sua evolução impacta os ciclos de negócios do Brasil. Atualmente, essa análise é uma informação adicional para examinar o caso brasileiro em que a economia permanece travada. O país passa por uma crise fiscal, com uma dívida bruta/PIB de aproximadamente 80% e o hiato do produto ainda bastante aberto mesmo após mais de dois anos de terminada a última recessão. 

A análise do hiato das atividades também traz informações relevantes que auxiliam no entendimento da movimentação do hiato da economia total, pois permite a análise desagregada da economia, sendo possível avaliar qual atividade está mais deficitária.

Ele também é útil principalmente para avaliação de um possível retorno da inflação, orientando assim a política monetária.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

Comentários

Ricardo Barboza

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