Mensuração do capital humano e suas implicações sobre a produtividade da economia brasileira
Apesar dos problemas de baixa qualidade da educação, os avanços educacionais desde meados da década de 1990 contribuíram de forma significativa para o crescimento do capital humano e da produtividade do trabalhador brasileiro.
O capital humano é um elemento crucial para as decomposições do crescimento do PIB entre capital, trabalho e PTF. Contudo, sua mensuração não é trivial. Ao menos desde a década de 1960 o termo capital humano é empregado para representar o conjunto de habilidades e conhecimentos capazes de aumentar a produtividade e gerar rendimentos maiores para os indivíduos. A denominação como capital, em analogia ao capital físico, reflete a ideia de que se trata de um investimento presente com recompensa futura na forma de maior renda e consumo.
O nível educacional e a experiência no mercado de trabalho são as principais variáveis associadas a maiores níveis de capital humano e, consequentemente, níveis mais elevados de produtividade e remuneração do trabalho.
As últimas décadas foram marcadas por dois fenômenos importantes no mercado de trabalho brasileiro: por um lado, houve um crescimento significativo da escolarização formal da população ocupada; por outro, os retornos salariais da educação tiveram trajetória de queda. Como se considera que os salários estão associados ao nível de produtividade dos trabalhadores, tal queda nos retornos poderia representar uma redução no ganho de produtividade resultante do acúmulo de anos de estudo. Esses dois fenômenos têm efeitos contraditórios sobre a produtividade agregada da força de trabalho no Brasil, e uma medida apropriada do capital humano do país deve capturar de forma adequada esses efeitos.
Nesse sentido, construímos um Índice de Capital Humano (ICH) para a economia brasileira durante o período 1995-2022, adaptando a metodologia do Bureau of Labor Statistics (BLS) para incorporar as especificidades e as mudanças do mercado de trabalho no Brasil.[1] Como a série histórica do ICH cobre um período longo, o índice é capaz de capturar os movimentos de natureza estrutural da qualidade da mão de obra brasileira.
O Gráfico 1 mostra que a trajetória do ICH apresentou significativo crescimento entre 1995 e 2023, alcançando um patamar 85 pontos percentuais superior em 2023 na comparação com 1995, o que corresponde a uma variação anual média de 2,2%.
Gráfico 1 – Evolução do ICH – 1995 a 2023. Brasil. (Número índice: 1995 = 100)
Fonte: Elaboração dos autores com base nos microdados da PNAD e da PNAD Contínua.
O crescimento do ICH resulta de um acúmulo de anos de estudo e experiência da população ocupada e uma mudança de composição em favor de grupos mais qualificados. Esse efeito foi especialmente notável em 2020, quando a pandemia de Covid-19 provocou a queda da participação relativa de grupos de menor escolaridade e experiência na população ocupada, o que levou a um salto expressivo no ICH desse ano. Com o retorno de trabalhadores de menor escolaridade e experiência ao mercado de trabalho em 2021, o ICH retomou sua trajetória de crescimento pré-pandemia.
Além de ser um determinante importante da produtividade do trabalho, o ICH pode ser utilizado para estimar a produtividade total dos fatores (PTF) de forma mais acurada. A PTF é uma medida da eficiência com que os fatores de produção são empregados conjuntamente e é comumente obtida como um resíduo da função de produção.
O cálculo da PTF ajustada pelo ICH se torna importante pelo fato de que as estimativas convencionais não levam em consideração a evolução do capital humano, fazendo com que mudanças desse fator de produção sejam indiretamente capturadas como variações na PTF. Portanto, nosso índice permite contornar esse problema ao incluir o ICH na medida do fator trabalho.
O Gráfico 2 apresenta a evolução da PTF no Brasil entre 1995 e 2023, em que a linha azul representa a medida convencional para a PTF, isto é, em que o fator trabalho não considera a evolução do capital humano, mas apenas o total de horas trabalhadas, e a linha cinza tracejada mostra a PTF ajustada pelo ICH. Segundo a métrica convencional, a PTF ficou relativamente estável na segunda metade da década de 1990, cresceu intensamente na década de 2000 e caiu entre 2010 e 2022 (com um pico transitório no ano da pandemia de Covid-19). Na margem, último ano, voltou a crescer. No período entre 1995 e 2023, a PTF sem ajuste teve crescimento anual médio de 0,5%.
Gráfico 2 – Evolução da PTF – 1995 a 2023. Brasil. (Número índice: 1995 = 100)
Fonte: Elaboração dos autores com base nos microdados da PNAD
e da PNAD Contínua, das Contas Nacionais e da Sondagem Industrial do FGV IBRE.
Comportamento bastante distinto é observado para a PTF ajustada pelo ICH. Como visto no Gráfico 1, o ICH cresceu consistentemente, capturando um significativo aumento da escolaridade e experiência da força de trabalho brasileira. Consequentemente, a medida de fator trabalho ponderada pelo ICH também cresceu no período, capturando a maior produtividade do trabalho empregado na produção.
Quando esse aumento do capital humano passa a ser incorporado no fator trabalho, a PTF deixa de apresentar crescimento no período. De fato, a PTF ajustada pelo ICH sofreu uma queda de 0,8% ao ano, em média, entre 1995 e 2023, sendo a redução mais intensa na última década. O contraste entre o comportamento dessas duas séries revela a importância de se levar em consideração a evolução do capital humano para o cálculo da PTF.
Outra forma de verificar a importância do capital humano ao longo das últimas décadas é analisar a decomposição do crescimento da produtividade por hora trabalhada. A Tabela 1 mostra que no período de 1995 a 2023 a produtividade por hora trabalhada cresceu 0,8% ao ano (a.a.). Observa-se que o ICH contribuiu com 1,3% a.a., enquanto o estoque de capital físico em uso contribuiu com apenas 0,3% a.a., Já a contribuição da PTF foi de -0,8% a.a., conforme observado anteriormente.[2]
Tabela 1 – Decomposição do crescimento da produtividade por hora trabalhada (% a.a.)
Fonte: Elaboração dos autores com base nos microdados da PNAD
e da PNAD Contínua, das Contas Nacionais e da Sondagem Industrial do FGV IBRE.
Os resultados revelam que, apesar dos problemas de baixa qualidade da força de trabalho, os avanços educacionais desde meados da década de 1990 contribuíram de forma significativa para o crescimento do capital humano e da produtividade do trabalhador brasileiro. No entanto, a queda da PTF atuou na direção contrária, resultando em menor crescimento da produtividade do trabalho.
IMPLICAÇÕES DO ÍNDICE DE CAPITAL HUMANO
Com base nos resultados do estudo, destacamos duas implicações importantes para o debate sobre crescimento econômico no Brasil.
Implicação 1: O capital humano foi o principal determinante do crescimento da produtividade do trabalho no Brasil desde meados da década de 1990
Embora seja conhecido o fato de que a escolaridade média da população ocupada no Brasil cresceu nas últimas décadas, a queda do retorno da educação verificada no mesmo período, possivelmente relacionada à baixa qualidade da educação ou a ineficiências no processo de alocação da mão de obra em empresas ou setores (misallocation), poderia ter reduzido significativamente ou mesmo eliminado o impacto positivo da educação sobre o crescimento econômico.
No entanto, nossos resultados revelam que, mesmo levando em consideração a queda do retorno da educação, o capital humano foi o principal determinante do crescimento da produtividade do trabalho no Brasil entre 1995 e 2022. Isso sugere que políticas de melhoria do capital humano são fundamentais para o crescimento de longo prazo da economia brasileira.
Implicação 2: A Produtividade Total dos Fatores (PTF) está em queda no Brasil desde meados da década de 1990.
Embora diversas estimativas mostrem que a PTF cresceu pouco nas últimas décadas, as evidências disponíveis não incorporam o capital humano na análise. Em consequência, o crescimento do capital humano tende a ser captado pela medida de PTF, resultando em estimativas superestimadas do seu crescimento.
De fato, nossos resultados revelam que, uma vez ajustada pelo crescimento do capital humano, a PTF teve queda expressiva no Brasil entre 1995 e 2022. Isso sugere que o ambiente de negócios custoso e complexo que caracteriza a economia brasileira teve consequências ainda mais graves do que se imaginava para o crescimento do país. Como a PTF é o principal determinante do crescimento de longo prazo, isso torna ainda mais urgente a adoção de reformas.
RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICA
Os resultados do estudo implicam que políticas de melhoria do capital humano e a adoção de reformas para reverter a queda da PTF nas últimas décadas são fundamentais para o crescimento de longo prazo da economia brasileira. Neste sentido, faremos em seguida recomendações de políticas para melhorar a qualificação da mão de obra e acelerar o crescimento da PTF.
Acesse o texto completo no Observatório da Produtividade Regis Bonelli.
[1] Ver Veloso et al. (2023) para mais detalhes.
[2] As contribuições do capital físico e do capital humano correspondem ao produto entre o crescimento de cada fator e a elasticidade do produto em relação a cada insumo. Já a contribuição da PTF é igual à sua taxa de variação.
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