Macroeconomia

O hiato do produto do PIB e por setores de atividade

3 abr 2019

Introdução

Esse trabalho analisa a evolução do PIB potencial brasileiro entre 1980 e 2018. O produto potencial é uma variável não observável que, como tal, precisa ser estimada para ser conhecida. O objetivo é, a partir da estimação do produto potencial, avaliar em qual nível a variável se encontra e, consequentemente, evidenciar o hiato do produto por meio de diversas métricas. O hiato do produto é definido como a diferença percentual entre o produto efetivo e o potencial. Conhecendo-se o hiato do produto, é possível estimar as flutuações cíclicas da economia.

O produto potencial possui diversas definições e, com isso, diferentes métodos de estimação. É comumente definido como o crescimento máximo da economia de forma que não aumente a demanda, evitando a geração de pressão inflacionária. Cada método de estimação tem suas vantagens e desvantagens, com resultados muito divergentes entre si. Neste trabalho foram utilizados os métodos de extração de tendência linear, quadrática, exponencial, médias móveis de quatro e oito trimestres, Filtro Hodrick-Prescott (HP) e pela abordagem da Função de Produção.[1]

Para estimar o produto potencial, foram utilizadas informações trimestrais desde 1980. Constatou-se que o Brasil passou por uma das piores recessões da história entre 2014 e 2016, o que deixou o país numa posição mais distante do seu produto potencial, com hiato do produto bastante negativo.[2]

O PIB brasileiro, do segundo trimestre de 2014 ao primeiro trimestre de 2017, apresentou resultados negativos durante doze trimestres seguidos na comparação da taxa de variação trimestral contra mesmo trimestre do ano anterior. Essa recessão enfrentada pelo Brasil de 2014 a 2016 foi a mais longa entre as nove datadas pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE-FGV), empatando em tempo de duração com a de 1989 a 1992. Além disso, mostra uma dinâmica mais lenta de recuperação. Esse baixo crescimento da economia brasileira nos últimos quatro anos traz à tona o questionamento se o produto potencial teria diminuído nesse período de recessão e qual seria sua dimensão no período mais recente. Consequentemente, é também alvo de discussão a magnitude do hiato do produto.

Os resultados das estimativas do produto potencial, e consequentemente do hiato do produto, pelas diferentes formas de cálculo podem divergir entre si e, assim, abrir margem para discussões em torno do tema e diferentes interpretações sobre o estado da economia. Sendo uma variável chave para a condução de política econômica, resultados discrepantes podem alterar a postura do Banco Central.

Conclui-se que, apesar de todas as metodologias apresentarem vantagens, a estimação do produto potencial pela abordagem da Função de Produção é o método que possuiu comportamento mais suavizado ao longo da série e incorpora, em sua formulação, informações sobre a estrutura da economia, como força de trabalho, estoque de capital e a produtividade total dos fatores (PTF).

Entretanto, a estimação pelo método da Função de Produção só é factível para o total da economia o que obriga a que os autores se fiem numa média de todos os outros métodos estatísticos mencionados para avaliar o hiato do produto por atividade econômica.

A segunda seção trata do hiato do produto (PIB) e a terceira do hiato do produto das atividades econômicas, conforme à divulgação do PIB trimestral do IBGE, apresentando a desagregação de algumas delas. Na terceira é feita uma breve conclusão.

O Hiato do Produto Total (PIB)

Foram usados sete métodos diferentes para o cálculo do produto potencial e do hiato do produto. Os resultados gráficos dos resultados encontrados estão expostos nos Gráficos 1 e 2.

É possível concluir que, dependendo da métrica utilizada para medir o produto potencial e seu hiato, diferentes valores e conclusões são possíveis de se observar. Esse fato mostra a alta incerteza associada à estimação desta variável. Apesar de tantas disparidades entre os métodos, todos os sete modelos avaliados seguem a mesma trajetória.

Observa-se no Gráfico 1 que os hiatos calculados pelas tendências linear, exponencial e quadrática, apresentaram viés de baixa, no período recente, indicando um produto efetivo mais afastado do potencial. Por sua vez, os hiatos pelas médias móveis trimestrais (4MM e 8MM) e Filtro HP no Gráfico 2, apresentaram viés de alta, nesse mesmo período, indicando um produto efetivo mais próximo do seu potencial.

Gráfico 1 – Hiato do Produto - Métricas com viés de baixa (1982.4 – 2018.4)

Gráfico 2 – Hiato do Produto - Métricas com viés de alta (1982.4 – 2018.4)

Por sua vez, o método da abordagem da Função de Produção (FP) foi o que obteve resultado mais suavizado, sem apresentar comportamento muito positivo ou muito negativo sendo um dos menos negativos do Gráfico 1 e o menos positivo do Gráfico 2. Os métodos das médias móveis e o filtro HP indicam que o hiato estaria se fechando recentemente. Os métodos de tendências linear, exponencial e quadrático apontam amplitude negativa desse hiato, mostrando que a economia estaria bem abaixo do seu potencial, de forma histórica, e ainda em trajetória de queda. A Função de Produção também aponta hiato negativo, porém de modo mais suave que os métodos de tendência, apesar de também estar em um dos pontos históricos mais baixos de toda a série.

A recente recessão enfrentada pelo Brasil, de 2014 a 2016, se diferenciou das anteriores no que diz respeito a magnitude, duração e demora de recuperação na sequência da crise. Todos os fins de recessões anteriores foram marcados por baixas do hiato, mas nunca em uma dimensão tão expressiva, como no período recente.

Pelo método da Função de Produção, os menores valores do hiato do produto, antes da última recessão, haviam sido -3,5% em 1983.3 e em 1984.2 e, -4,8% em 1992.1, com rápida recuperação nos trimestres seguintes de ambos os pontos. Analisando a série toda, que inclui a última recessão, entretanto, a economia brasileira teria operado por dois anos, de 2016.1 a 2018.1 a níveis inferiores ao antigo ponto mais baixo da série (-4,8%), registrado em 1992.1, chegando a atingir -6,3% em 2017.1.

Todas as metodologias apresentam vantagens e desvantagens, mas a abordagem da Função de Produção consegue incorporar de maneira mais eficiente em sua estrutura as possíveis mudanças que aconteçam na economia. Seu resultado caminha no meio das demais métricas, apontando que ela mostra um resultado que se coaduna com a média das demais métricas, conforme mostra o Gráfico 3 abaixo. Nele verifica-se haver uma boa aderência da média das métricas com a estimativa pela função de produção. A correlação das duas séries é de 86%.

Gráfico 3: Hiato do Produto – Média das Métricas e a Função de Produção

De acordo com a métrica da Função de Produção, apresentada no Gráfico 3, o hiato do produto decresceu do seu máximo (-6,3%), registrado no primeiro trimestre de 2017, para -4,4%, no último trimestre de 2018. Utilizando-se a média das métricas, o ponto recente mais baixo foi em 2016.IV, com -4,6% e decresceu para -3,7% em 2018.4.

O Hiato do Produto por Atividade Econômica

Não é usual a estimativa do hiato do produto por atividade econômica. Adicionalmente, por não se contar com informações sobre o estoque de capital nessa desagregação, não é possível estimar um hiato do produto pela abordagem da Função de Produção que parece ser a mais adequada para essas estimativas.

Não teria sentido escolher de forma ad hoc uma das métricas de cada atividade para representar o hiato do produto. Uma alternativa foi utilizar a média das diversas métricas estatísticas em substituição a função de produção. Na seção anterior apresentou-se a comparação das médias das métricas do hiato do produto total com a estimativa do hiato pela função de produção. Verificou-se uma boa aderência entre ambas o que faz dessa uma alternativa cabível e que será aqui utilizada. Abaixo são apresentados os resultados do cálculo do hiato das principais atividades econômicas.

Agropecuária

Gráfico 4: Hiato do Produto – Média das Métricas: Agropecuária e PIB

Conforme apresentado no Gráfico 4, a agropecuária tem operado, em média, acima do seu produto potencial, desde meados de 1999, com raros trimestres em valores negativos. Chama atenção que desde o primeiro trimestre de 2017 até o quarto trimestre de 2018 esta atividade tem operado acima do seu produto potencial, de forma diferente e pouco relacionada com o hiato do PIB. Este comportamento corrobora a trajetória acíclica da atividade observada nos ciclos econômicos brasileiros.

Indústria

Gráfico 5: Hiato do Produto – Média das Métricas: Indústria e PIB

A atividade industrial, que compreende as atividades de: (i) indústrias extrativas, (ii) indústrias de transformação, (iii) eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e, (iv) construção, é considerada um dos motores do crescimento da economia, pela característica de impulsionar outros setores de atividade. Por este motivo, apresenta comportamento muito semelhante ao hiato do produto total, conforme apresentado no Gráfico 5. Opera, desde o segundo trimestre de 2015, abaixo do seu potencial e, no quarto trimestre de 2016, atingiu o hiato mais negativo do período recente da sua série histórica, -8,8%. No último trimestre de 2018, apesar de lenta, mostrou uma leve recuperação para -6,7%.

Nesta análise, destacam-se as indústrias de transformação e a construção. A transformação, operou abaixo de seu potencial durante o período 1998-2003 e, posteriormente, durante 12 anos (2003-2014) operou acima, exceto apenas no pequeno intervalo decorrente da crise de 2008. Entretanto, durante os últimos 5 anos (meados de 2014-2018) tem operado bem abaixo do seu potencial.

Gráfico 6: Hiato do Produto – Média das Métricas: Transformação e PIB

Por sua vez, a construção durante todo o período pós-crise mundial (2010-2015) operou bem acima de seu potencial (chegando a +20%, no terceiro trimestre de 2013), o que caracterizou a bolha imobiliária brasileira. No entanto, do primeiro trimestre de 2016 em diante esta atividade tem se caracterizado pela estagnação pela qual passa o país, operando em mais de 10% abaixo do seu potencial.

Gráfico 7: Hiato do Produto – Média das Métricas: Construção e PIB

Serviços

A atividade de serviços é composta pelas atividades de: (i) comércio, (ii) transporte, armazenagem e correio, (iii) informação e comunicação, (iv) atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados, (v) atividades imobiliárias, (vi) outras atividades de serviços e, (vii) administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social e, em 2018, representava 63% do PIB nacional. Por esta grande representatividade, possui comportamento do hiato bastante correlacionado (94%) com o hiato do produto total. Durante os últimos quatro anos, assim como o total da economia, esta atividade opera bem abaixo do seu potencial. A exceção das atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados, que opera próximo ao seu potencial produtivo, todas as demais atividades de serviços operam bem abaixo dos seus produtos potenciais.

Gráfico 8: Hiato do Produto – Média das Métricas: Serviços e PIB

Conclusão

  1. A economia brasileira está operando abaixo de seu produto potencial desde o primeiro trimestre de 2015 e, no quarto trimestre de 2018, alcançou a marca de -4,4% do hiato do produto, de acordo com o método da Função de Produção.
  2. Utilizando o método da média das métricas estatísticas cujos hiatos têm forte correlação (86%) com os hiatos da Função de Produção, o hiato do PIB se torna negativo a partir do segundo trimestre de 2015 e estaria no quarto trimestre de 2018 em -3,7%.
  3. As únicas atividades que não estão operando abaixo de seu produto potencial são a agropecuária e as indústrias extrativas. A atividade agropecuária tem operado acima de seu produto potencial e as indústrias extrativas em torno de seu produto potencial.
  4. As demais atividades industriais – indústrias de transformação, construção e eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos têm operado abaixo de seu produto potencial desde 2014.
  5. O destaque fica para a construção que chegou a estar 13,6% abaixo do potencial (terceiro trimestre de 2017); índice menor do que esse só foi registrado no primeiro trimestre de 1991 período em que a atividade contraiu significativamente devido à queda nos investimentos ocasionada pelo efeito do Plano Collor.
  6. As indústrias de transformação que parecem anteceder o PIB, registraram um hiato de -7,7% no quarto trimestre de 2018 tendo chegado a ter um hiato de -12,2% no quarto trimestre de 2016; segundo pior resultado da série histórica ficando atrás apenas do hiato de -16,7% registrado no segundo trimestre de 1990, também influenciado pelos efeitos do Plano Collor.

 


[1] Para um detalhamento dos diversos métodos de estimação do produto potencial ver Elisa Carvalho de Andrade, “PRODUTO POTENCIAL: Uma análise para o Brasil (1980 – 2018)”, Monografia apresentada ao curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em Ciências Econômicas”, 2018, mimeo.

[2] Para um detalhamento da datação de ciclos na economia brasileira e da origem das séries de informações do período 1980-95, ver Juliana Carvalho da Cunha Trece, “CONSTRUÇÃO DE INDICADOR MENSAL DE PIB E COMPONENTES PARA DATAÇÃO DE CICLOS ECONÔMICOS: UMA ANÁLISE DE JANEIRO DE 1980 A SETEMBRO DE 2016”, Dissertação apresentada à Banca examinadora da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Finanças e Economia Empresarial,”  janeiro 2017, mimeo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


 

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