O hiato do produto se reduz no terceiro trimestre
O PIB do terceiro trimestre recém divulgado trouxe algumas boas surpresas sobre a dinâmica do crescimento econômico brasileiro. Este texto atualiza até o terceiro trimestre de 2019 outros três artigos anteriormente publicados sobre as estimativas do produto potencial, o hiato do produto (diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial), e a produtividade total dos fatores (PTF).
O Hiato do Produto Total (PIB) estimado pela função de produção e pela média das métricas estatísticas
O hiato do produto pelo método da Função de Produção apresentou resultado menos negativo (-4,5%), no terceiro trimestre de 2019, do que o do trimestre anterior (-5,7%) retrato da redução do crescimento do produto potencial e do crescimento do produto efetivo, com contribuição negativa da PTF. A correlação do hiato pelo método da função da produção com a média das métricas estatísticas é de 0,82 e seus movimento na ponta são bem semelhantes, embora o hiato das métricas seja um pouco inferior (-3,6%).
No Gráfico 2 abaixo observa-se que o PIB potencial cresceu 1,2% no terceiro trimestre e o PIB efetivo cresceu 1%. Desde o 4º trimestre de 2017 o crescimento do PIB efetivo não superava o do PIB potencial na taxa acumulada em 4 trimestres.
A decomposição da contribuição dos fatores ao produto potencial e ao efetivo
Com a estimativa do hiato pela Função de Produção é possível analisar o produto efetivo e o produto potencial pela decomposição da parcela relativa à contribuição da PTF, do capital e do trabalho. O Gráfico 3 retrata inicialmente a avaliação do produto efetivo para todo o período disponível e também, separado por períodos.
Nos últimos trinta e três anos estimados, o produto brasileiro cresceu em média 2,5% ao ano com a contribuição principal do fator trabalho com 1,1%, do capital com 0,6% e da PTF contribuindo com 0,8%. Durante todo o período o crescimento do produto efetivo acompanhou o produto potencial. Tal crescimento fortemente baseado no fator trabalho, tornou-se insustentável no longo prazo, já que o aumento desse fator é reflexo do aumento do bônus demográfico durante o período associado ao crescimento da PEA. Espera-se que com o envelhecimento da população e redução da natalidade a tendência seja de que o fator trabalho contribua negativamente para o crescimento do produto.
Essas contribuições oscilaram de acordo com a fragmentação do período de análise. O período de maior crescimento foi o de 1985-1990 (3,4% médios ao ano), acima dos 2,9% do potencial. Não, por acaso, esse foi o período da hiperinflação brasileira. A marca principal do período foi a forte contribuição da PTF (1,8 p.p.) e do trabalho (1,6 p.p.) e negativa do capital (-0,1 p.p.).
De 1991 a 2000, o PIB potencial cresceu acima do efetivo - período marcado pela estabilização inflacionária. Nesse período o trabalho contribuiu com 2,2 p.p., o capital com 0,4 p.p. e a PTF contribuiu com 0,6 p.p. De 2001 a 2010, o PIB cresceu 3,6%, acima dos 3,4% do potencial, sendo o trabalho o que mais contribuiu (1,3 p.p.) e a PTF apresentou a menor contribuição (1,0 p.p.).
O período mais desastroso do período em análise foi aquele compreendido entre 2011-2019.3, com a PTF contribuindo negativamente com -0,1 p.p., o trabalho com apenas 0,3 p.p. e o capital com 0,6 p.p., salientando a má alocação de recursos de capital que em nada ajudaram à PTF. Adicionalmente nota-se o aumento do produto potencial devido à forte contribuição do fator capital. Esse desempenho é alarmante já que evidencia a insustentabilidade do crescimento, dado que as economias desenvolvidas têm um crescimento sustentável baseado no aumento da produtividade, não somente na acumulação de fatores de produção.
O Hiato do Produto por Atividade Econômica
Indústria
A atividade industrial, que compreende as atividades de: (i) indústrias extrativas, (ii) indústrias de transformação, (iii) eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e, (iv) construção, é considerada um dos motores do crescimento da economia, pela característica de impulsionar outros setores de atividade. Por este motivo, apresenta comportamento muito semelhante ao do hiato do produto total, conforme apresentado no Gráfico 4. Opera, desde o segundo trimestre de 2015, abaixo do seu potencial. No resultado mais recente (2019.III), o hiato industrial foi de -5,2%, mais negativo que o do PIB (-3,6%).
Nesta análise, destacam-se as indústrias de transformação e a construção. A transformação, operou abaixo de seu potencial durante o período 1998-2003 e, posteriormente, durante 12 anos (2003-2014) operou acima, exceto apenas no pequeno intervalo decorrente da crise de 2008. Entretanto, durante os últimos 5 anos (meados de 2014-2019) tem operado bem abaixo do seu potencial.
Por sua vez, a construção durante todo o período pós-crise mundial (2010-2015) operou bem acima de seu potencial, o que caracterizou a bolha imobiliária brasileira. No entanto, do primeiro trimestre de 2016 em diante esta atividade tem se caracterizado pela estagnação pela qual passa o país, operando em mais de 10% abaixo do seu potencial. Nos dois últimos trimestres (2019.II e 2019.III) houve uma reversão desse comportamento e o hiato está em -7,6%, em trajetória de fechamento.
Serviços
A atividade de serviços é composta pelas atividades de: (i) comércio, (ii) transporte, armazenagem e correio, (iii) informação e comunicação, (iv) atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados, (v) atividades imobiliárias, (vi) outras atividades de serviços e, (vii) administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social e, em 2018, representava 63% do PIB nacional. Por esta grande representatividade, possui comportamento do hiato bastante correlacionado (0,92) com o hiato do produto total. Durante os últimos quatro anos, assim como o total da economia, esta atividade opera bem abaixo do seu potencial. A exceção das atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados, que opera próximo ao seu potencial produtivo, todas as demais atividades de serviços operam bem abaixo dos seus produtos potenciais.
Resumo das conclusões
- A economia brasileira, de acordo com o método da Função de Produção, está operando abaixo de seu produto potencial desde o primeiro trimestre de 2015 e, no terceiro trimestre de 2019, alcançou a marca de -4,5% do hiato do produto, resultado menos distante do potencial do que os dois trimestres anteriores.
- O PIB potencial cresceu, na taxa acumulada em 4 trimestres, 1,2% no terceiro trimestre de 2019 e o PIB efetivo cresceu 1%.
- Utilizando o método da média das métricas estatísticas cujos hiatos têm forte correlação (0,82) com os hiatos da Função de Produção, o hiato do PIB se torna negativo a partir do terceiro trimestre de 2015 e estaria no terceiro trimestre de 2019 em -3,6%.
- Todas as atividades apresentam hiato negativo, com exceção de intermediação financeira e da agropecuária, que apresentam um hiato de +0,9% e +2,9%, respectivamente.
- As demais atividades industriais – indústrias de transformação, construção e eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos, têm operado abaixo de seu produto potencial desde 2015.
- O destaque negativo do hiato fica para a construção e os transportes, que operam muito abaixo do seu potencial, com hiatos de -7,6% e -7,4%, respectivamente.
- As indústrias de transformação, construção, comércio e a FBCF que são motores dos ciclos econômicos, registraram hiatos recorrentemente negativos e altos desde 2015, atingindo no terceiro trimestre os resultados de -5,9%, -7,6%, -3,9% e -3,9%, respectivamente.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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