Macroeconomia

Por que a taxa de desemprego no Brasil não disparou mesmo com a pandemia do coronavírus? Uma análise a partir dos dados mensalizados da Pnad Contínua

17 ago 2020

Os eventos dos últimos meses associados à pandemia do coronavírus, elevou de forma extraordinária o nível de incerteza em relação ao desempenho da economia gerando grandes distorções no país, em especial no mercado de trabalho.

Recentemente, divulgamos neste mesmo espaço um artigo mostrando o impacto da pandemia do coronavírus no emprego.[1] Vimos que desde o início da pandemia tem havido uma queda generalizada no emprego que atingiu os principais setores da economia, em especial a indústria e o setor de serviços, bem como as ocupações informais, por meio de fortes reduções no emprego dos trabalhadores que trabalham sem carteira assinada e que trabalham por conta própria.

No entanto, chama a atenção o fato da taxa de desemprego não ter disparado para níveis maiores do que os divulgado pelo IBGE, mesmo com o esgotamento do mercado de trabalho. Na última divulgação feita pelo instituto, a taxa de desemprego fechou o trimestre móvel terminado em junho de 2020 em 13,3%.

Mas o que tem limitado o avanço da taxa de desemprego no país? Para responder a esta questão, iremos utilizar os dados mensalizados da Pnad Contínua, seguindo a metodologia proposta pelo Banco Central no Box do Relatório de Inflação de junho de 2020, no qual utilizamos um modelo de espaço de estado para mensalização da série de média móvel trimestral, de modo a eliminar os efeitos da média móvel e obter fatos estilizados para cada um dos meses em questão.[2]

Começaremos a análise mostrando, no Gráfico 1, a forte queda na taxa de participação, que corresponde a razão entre o número de pessoas que estão na força de trabalho e o número de pessoas em idade para trabalhar.

Gráfico 1: Evolução da taxa de participação (em % e sem ajuste sazonal) – Brasil

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Nota-se que ao longo da série histórica, iniciada em 2012, a taxa de participação no Brasil sempre foi próxima de 62%. Podemos notar, no entanto, que houve uma ruptura neste padrão após o início da pandemia do coronavírus iniciada em março de 2020, quando a taxa de participação recuou para o patamar de 59,6%. Entre abril e junho, houve uma queda ainda maior na taxa de participação no Brasil, de modo que nesses meses ela passou de 55,9% para 55%, sendo este último valor o menor já observado ao longo desta série histórica.  

Mas o que explica esta forte redução na taxa de participação do Brasil? Para responder a esta pergunta, iremos recorrer ao Gráfico 2, que mostra o crescimento, em relação ao mesmo mês do ano anterior, da força de trabalho brasileira.

Gráfico 2: Taxa de crescimento da força de trabalho
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior. Sem ajuste sazonal) – Brasil

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Podemos notar, pelo Gráfico 2, que desde o início da pandemia do coronavírus tem ocorrido uma forte redução da força de trabalho no Brasil, revertendo, assim, o crescimento, embora que baixo, observado no início do ano (próximo de 1% nos meses de janeiro e fevereiro). No mês de março de 2020 a força de trabalho recuou 2,2%, em relação ao mesmo mês do ano anterior, passando para queda de 8,4% em abril,  recuo de 9,9% em maio, a maior queda já observada ao longo da série histórica, e finalmente queda de 9,8% em junho, refletindo assim a forte saída de mais pessoas da atividade econômica. Este fato pode ser observado no Gráfico 3 que mostra o forte crescimento do número de pessoas que estão fora da força de trabalho.

Gráfico 3: Taxa de crescimento das pessoas que estão fora força de trabalho
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior. Sem ajuste sazonal) – Brasil

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

O Gráfico 3 mostra um forte crescimento de 20,2% no número de pessoas que estão fora da força de trabalho no mês de junho de 2020, em relação ao mesmo mês do ano anterior. Este crescimento, embora seja ligeiramente menor do que o observado em maio deste ano, quando a taxa de crescimento das pessoas fora da força de trabalho havia sido de 21,5%, ainda demonstra um cenário muito desfavorável por conta das incertezas causadas pela pandemia do coronavírus. Este movimento pode ser explicado pela recente alta no número de pessoas desalentadas, ou seja, aquelas que desistiram de procurar emprego.

Outro fato interessante diz respeito a dinâmica de crescimento dos desocupados no Brasil. O Gráfico 4 mostra a taxa de crescimento, em relação ao mesmo mês do ano anterior, da população desocupada no Brasil.

Gráfico 4: Taxa de crescimento população desocupada
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior. Sem ajuste sazonal) – Brasil

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Podemos notar que mesmo após o início da pandemia do coronavírus, o número de pessoas desocupadas no Brasil não estava crescendo, pelo menos até o mês de maio. Em março, os dados mensalizados apontaram para uma estabilidade do número de desocupados, em relação ao mesmo mês do ano anterior. Em abril e maio, o recuo da população desocupada foi de 2,3% e 4,1%, respectivamente. Já no mês de junho, foi possível notar um forte crescimento de 6,9% no número de desocupados. Os sucessivos recuos no número de pessoas desocupadas, combinados com a forte elevação do número de pessoas que saíram da força de trabalho, estavam limitando o avanço da taxa de desemprego, impedindo, assim, que ela atingisse níveis mais elevados nos nesses que sucederam a pandemia. Em junho, no entanto, já foi possível notar uma aceleração na taxa de desemprego do país, tal como exposto no Gráfico 5.

Gráfico 5: Evolução da Taxa de desemprego
(em % e mensalizada. Sem ajuste sazonal) – Brasil

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Neste gráfico, estamos plotando duas séries: a taxa de desemprego original (mensalizada após a divulgação oficial do IBGE, representada pela linha azul) e a taxa de desemprego que considera uma queda menor da força de trabalho desde março de 2020 (representada pela linha laranja). O objetivo é avaliar qual seria a taxa de desemprego caso não tivesse ocorrido uma queda tão grande da força de trabalho no Brasil.

Neste gráfico podemos notar uma aceleração na taxa de desemprego mensalizada, fruto da combinação de forte queda da população ocupada e um forte aumento no número de pessoas desocupadas no mês de junho. Como podemos notar, a taxa de desemprego, que estava girando em torno de 12,9%, entre março e maio de 2020, contida em parte pelo aumento expressivo do número de pessoas que estavam fora da força de trabalho, saltou para 14,2%, a maior observada na série histórica mensalizada. 

Fizemos um exercício adicional que consiste em calcular a taxa de desemprego entre março e junho deste ano, caso a queda na força de trabalho fosse um pouco menor do que de fato ocorreu, a metade, por exemplo. Mantida a queda de emprego oficialmente divulgada, teríamos uma forte alta no número de desempregados no Brasil, levando a taxa de desemprego para patamares nunca antes observados, chegando a 18,6% em junho deste ano. Este exercício simples, ajuda a entender os motivos pelos quais a taxa de desemprego não avançou tanto mesmo com a pandemia do coronavírus. No entanto, é possível que vejamos aumentos mais fortes na taxa de desemprego nos próximos meses, à medida que as pessoas comecem a procurar emprego e haja uma normalização da força de trabalho no Brasil.

Enfim, os resultados desse texto mostram que apesar do avanço da pandemia do coronavírus no Brasil, a taxa de desemprego não aumentou consideravelmente. Isso, no entanto, não é uma boa notícia, principalmente pelo fato de termos observado outras distorções mais severas, como queda forte no emprego e aumento considerável das pessoas que estão fora da força de trabalho. É necessário que façamos uma análise ampla do mercado de trabalho para entendermos as reais distorções causadas pela pandemia.


Referência

Hecksher, Marcos. Valor Impreciso por Mês Exato: Microdados e Indicadores Mensais Baseados na PNAD Contínua. Nota Técnica 62. IPEA. 2020.

Relatório de Inflação. Estimativa para dados “mensalizados” da PNAD Contínua. Volume 22, nº 2. Banco Central do Brasil. 2020.

[2] Além do estudo feito pelo Banco Central, podemos também citar o artigo proposto por Hecksher (2020), pesquisador do IPEA, que embora use um método diferente de mensalização dos dados da Pnad Contínua, encontra resultados similares aos divulgados pelo Banco Central.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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Maria Gabrielle...

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