Macroeconomia

Recuperação do mercado de trabalho nos EUA não parece tão forte quanto o número indica

8 jun 2020

O BLS (Bureau of Labor Statistics) divulgou que a taxa de desemprego nos EUA diminuiu de abril para maio, passando de 14,7% para 13,3%, nos dados com ajuste sazonal. As expectativas de mercado eram de uma taxa próxima dos 20%. No próprio relatório de maio do BLS, há um box “Coronavirus (COVID-19) Impact on May 2020 Establishment and Household Survey Data” explicando que, por questões de classificação, a taxa de desemprego (sem ajuste sazonal) poderia ser cerca de 3 p.p. acima do dado divulgado. O bureau também diz que está investigando esse assunto e tomando medidas adicionais para resolver o problema.[1] Além disso, frisa que, de acordo com a prática usual, os dados da pesquisa domiciliar são aceitos como registrados e, para manter a integridade dos dados, nenhuma ação ad hoc é tomada para reclassificar as respostas da pesquisa.[2]

Na pesquisa domiciliar, os indivíduos são classificados como empregados, desempregados ou fora da força de trabalho, com base nas respostas a uma série de perguntas sobre suas atividades durante a semana de referência da pesquisa. Os trabalhadores que indicam que não estavam trabalhando durante toda a semana de referência da pesquisa e esperam retornar ao trabalho devem ser classificados como desempregados em demissão temporária (unemployed on temporary layoff). O próprio BLS ilustra com os seguintes exemplos: “eu trabalho em uma arena esportiva e tudo é adiado”, ou “o restaurante está fechado por agora por causa do coronavírus”. Também há o grupo empregados, mas ausentes do trabalho (employed, but absent from work). E o possível erro refere-se a esses dois conceitos.

As pessoas que estavam doente, em quarentena, ou se isolaram devido a problemas de saúde, e as pessoas que não trabalharam durante a semana de referência da pesquisa, devido a esforços para conter a propagação do coronavírus, deveriam ter sido classificadas como desempregados em demissão temporária, independentemente de serem ou não pagas pelo tempo que estavam fora do trabalho. No entanto, como já acontecera em março e abril, algumas dessas pessoas não foram incluídas nessa categoria (desempregados em demissão temporária), mas sim, classificados incorretamente como empregados, mas ausentes do trabalho.

No tocante à classificação empregados, mas ausentes do trabalho, há dez motivos para a ausência no trabalho, que são: período de férias; doença própria, lesão ou problemas médicos; questões relacionadas às crianças;[3] outras obrigações familiares ou pessoais; disputa trabalhista; mau tempo; licença maternidade ou paternidade; escola ou treinamento; dever cívico ou militar; e outras razões.

A grande questão em discussão está no item “outras razões”, da classificação empregados, mas ausentes do trabalho. Das 8,4 milhões de pessoas classificadas nessa categoria (empregadas, mas ausentes do trabalho), 5,4 milhões (65,2%) foram incluídas por “outras razões”, muito acima da média de 549 mil (13,2%) observada no mês de maio dos anos 2016–19.

O Gráfico 1, baseado nos dados da Tabela E do relatório “Frequently asked questions: The impact of the coronavirus (COVID-19) pandemic on The Employment Situation for May 2020” do BLS, mostra esses números. Em maio de 2020, houve quase cinco vezes mais pessoas incluídas no item “outras razões” dos empregados, mas ausentes do trabalho, do que na média de maio dos últimos quatro anos. Esse grupo deveria ter sido classificado como desempregados em demissão temporária, segundo o BLS.[4] Essa classificação incorreta pode ocorrer quando os entrevistados não entendem as perguntas ou os entrevistadores registram as respostas de maneira inadequada.

Em síntese, em maio deste ano, foram 5,4 milhões de trabalhadores empregados, mas ausentes do trabalho, incluídos no item "outras razões". Ou seja, cerca de 4,9 milhões acima da média de maio dos anos anteriores. Supondo que esses 4,9 milhões de trabalhadores deveriam ter sido classificados como desempregados em demissão temporária, o número de desempregados em maio aumentaria de 20,5 milhões para 25,4 milhões. Como a força de trabalho permaneceria em 158,0 milhões em maio, à medida que as pessoas passariam de empregados para desempregados, mas permanecendo na força de trabalho, a taxa de desemprego seria de 16,1%, acima da estimativa oficial de 13,0% (todos os dados sem ajuste sazonal), de acordo com o BLS. Esse raciocínio explica o que se disse anteriormente, ou seja, a taxa de desemprego seria de cerca de 3 pontos percentuais acima do divulgado (Gráfico 2).

Uma das principais marcas dessa crise é a incerteza e, até pelo ineditismo da situação, está sendo difícil medir os efeitos da crise na economia. O importante é o BLS reconhecer a existência de um problema, e tentar solucioná-lo para as próximas divulgações. De qualquer modo, o dado divulgado de redução da taxa de desemprego de abril para maio não deve ser considerado como sinal importante de que a recuperação econômica nos EUA esteja a pleno vapor, já que há grande possibilidade de o número de desempregados ter aumentado (e não diminuído), conforme eram as expectativas de mercado, e o que inclusive faz mais sentido neste momento ainda agudo da crise.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.


[1] “BLS and the Census Bureau are investigating why this misclassification error continues to occur and are taking additional steps to address the issue”, página 6 do relatório de maio do BLS.

[2] “However, according to usual practice, the data from the household survey are accepted as recorded. To maintain data integrity, no ad hoc actions are taken to reclassify survey responses”, página 6 do relatório de maio do BLS.

[3] Childcare problems.

[4] “BLS analysis of the underlying data suggests that this group included workers affected by the pandemic response who should have been classified as unemployed on temporary layoff”, no item 12, da página 10 do relatório “Frequently asked questions: The impact of the coronavirus (COVID-19) pandemic on The Employment Situation for May 2020” do BLS.

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