Cenários

Temas para 2024: inflação, atividade e geopolítica

26 jan 2024

BCs no mundo terão de disciplinar afrouxamento monetário e deve haver volatilidade nesse processo, como observado recentemente. No Brasil, dimensão do conflito entre políticas monetária e fiscal influenciará economia em 2024.

Como em todo janeiro, também neste é hora de fazer, ou rever, previsões para o ano à frente. Ao fazê-lo, porém, é importante reconhecer que essas previsões são sempre incertas, posto que o que vai ocorrer nos próximos 12 meses depende diretamente de como a política econômica vai evoluir, aqui e lá fora, o que, por seu turno, depende não só da política em si – e 2024 é um ano marcado por eleições importantes – mas também do próprio sucesso, ou não, da política econômica em atingir seus objetivos.

No campo internacional, um dos temas decisivos para definir como será o ano diz respeito a quando terá início e em que ritmo se dará o afrouxamento monetário nas economias desenvolvidas, com destaque para os EUA. Um ponto que chama atenção nesse processo é que, mesmo com a expectativa de só se atingirem as metas de inflação entre 2025 e 2026, os principais bancos centrais do mundo decidiram interromper os seus ciclos de aperto monetário em 2023. Além disso, a partir de novembro, houve uma mudança forte de cenário nos EUA, e os juros longos americanos caíram para valores abaixo de 4%, após chegar a 5% em meados do segundo semestre.

Ainda que 2024 tenha começado com a reversão de parte do otimismo que marcou o último bimestre de 2023, processo ajudado pela comunicação recente de alguns membros do Fed, que foi de encontro a esse cenário muito otimista sobre o início do corte de juros, o fato é que os mercados futuros do Fed funds seguem sinalizando a expectativa de que a taxa básica de juros comece a cair em março deste ano e seja cortada em 144 pontos base até dezembro.

Tudo indica, porém, que seguem presentes os fundamentos para que a taxa de juros continue em níveis elevados por tempo mais prolongado. A inflação nos EUA tem cedido, mas as medidas de núcleo continuam em patamares elevados. O mercado de trabalho segue mostrando resiliência, pois o aumento da taxa de desemprego foi muito pequeno e decorreu, em grande medida, da entrada de pessoas na força de trabalho, com uma menor contribuição da redução de postos de trabalho. Consequentemente, a renda real continua crescendo de forma sustentável. Adicionalmente, há um estímulo fiscal significativo, com forte aumento do déficit primário, o qual, combinado com maiores despesas com juros sobre a dívida, vão elevar ainda mais a dívida pública nos próximos anos. É difícil imaginar que, sem uma desaceleração mais forte da atividade, e com a política fiscal indo na contramão da monetária, com a disputada eleição presidencial de novembro, haja grande espaço para o banco central americano cortar os juros de forma tão significativa.

Já na Europa, o cenário é um pouco mais claro, pois a atividade tem mostrado desempenho bem mais fraco e a inflação tem sido mais baixa. Mas, também lá, os diretores do banco central têm alertado que o mercado está muito otimista sobre quando e com que força o processo de corte de juros se iniciará.

Sem dúvida, do ponto de vista das autoridades monetárias, e o Brasil não é exceção, será necessário disciplinar o processo de afrouxamento monetário e, com certeza, haverá volatilidade nesse processo, como temos observado recentemente.

Se, do ponto de vista do mercado, a inflação parece perder protagonismo em termos de riscos para este ano, questões de natureza geopolítica ganham destaque. Pesquisa recente junto a clientes do Goldman Sachs mostrou que há preocupação com relação aos conflitos na Europa e no Oriente Médio e ao aumento de tensões entre China e Taiwan. Em particular, a intensificação de conflitos em diversas regiões do Oriente Médio preocupa, pois é um risco para o comércio mundial e para a cadeia de suprimentos globais.

E, por fim, temos as eleições nos EUA, em especial para presidente. Com a possibilidade da vitória do ex-presidente Trump, o que está no radar é o risco de significativas mudanças nas políticas comerciais e nas orientações geopolíticas. Enfim, 2024 será um ano de volatilidade e incerteza no cenário Internacional.

E, nesse contexto, como ficam os países da América Latina? E o Brasil?

Naturalmente, continuaremos a ver uma grande influência dessas variáveis externas sobre os preços dos ativos nesses países, em especial sobre a taxa de câmbio. Entre outras coisas, o quando e o quanto os juros vierem a cair nos EUA e na Europa irão também influenciar as decisões dos bancos centrais na região, além de impactar a atividade, via efeito riqueza e um maior ou menor apetite por risco.

Isto posto, de maneira geral, os países da região devem continuar cortando a taxa de juros, em um quadro de inflação em queda e atividade econômica em desaceleração, em linha com o ciclo mundial. O que não vai impedir que o desempenho de alguns países venha a sofrer mais que o de outros, em termos de crescimento econômico. Este é o caso do Brasil, por conta, em grande medida, dos efeitos mais persistentes e intensos do fenômeno El Niño sobre a atividade econômica e a inflação.

Como já destacado em outras edições do Boletim Macro, a agropecuária deve impactar negativamente o PIB este ano, após ser responsável por 1/3 do crescimento observado no ano passado, considerando apenas os efeitos diretos desse setor sobre o PIB. Devido ao pior desempenho esperado para a produção de soja e de milho este ano, esperamos contração da agropecuária de 3,4%, ou seja, uma contribuição negativa de 0,2 p.p. para o PIB total. É importante destacar, também, que, como esperado, o desempenho da atividade no segundo semestre do ano passado foi de relativa estagnação, reduzindo o carregamento estatístico para este ano, estimado em 0,2%, bem inferior ao registrado no ano passado, de 0,9%.

Além disso, a inflação de alimentos deve ficar acima de 5%, reduzindo o poder de compra das famílias de mais baixa renda. Esperamos uma inflação de 3,9% em 2024, com inflação de serviços, excluindo passagem aérea, ainda bem resistente. Isso deve limitar um pouco a expansão do consumo das famílias.

Por outro lado, em ano de eleição municipal, o governo vai continuar estimulando a economia com o objetivo de amenizar a desaceleração da atividade. Mesmo esperando déficit da ordem de 0,8% do PIB para o setor público consolidado este ano, bem inferior ao estimado para 2023, de 2,3% do PIB, a expectativa é de que a política fiscal siga expansionista.

Mesmo sendo difícil mensurar o impacto do pagamento de precatórios sobre o PIB, e apesar de contabilmente o custo dessa despesa ter ficado concentrado no ano passado, seus efeitos expansionistas vão se fazer sentir apenas este ano: recentemente, a Secretaria de Política Econômica divulgou esperar um impacto entre 0,24 e 0,28 p.p. do PIB[1]. Do ponto de vista econômico, e não contábil, o déficit deverá ficar muito parecido nos dois anos. Mesmo assim, é um impulso menor que aquele que ocorreu entre 2022 e 2023, pois saímos de superávit de 1,3% do PIB em 2022 para déficit de 1,4% do PIB, ex-precatórios, em 2023.

Além do estímulo vindo da política fiscal, esperamos que os efeitos positivos do afrouxamento das condições financeiras, com a continuação de cortes na taxa Selic, também ajudem a melhorar o desempenho da atividade ao longo do ano. Consequentemente, prevemos uma aceleração do crescimento no segundo semestre, ante o primeiro, com o PIB fechando o ano com alta de 1,4%.

Em suma, continuamos a ver um conflito entre as políticas monetária e fiscal, cuja dimensão irá influir na qualidade e no perfil do desempenho da economia em 2024. Em especial, para a inflação convergir para a meta será necessário manter os juros em terreno contracionista em 2024, ou seja, manter a Selic acima da taxa neutra. A questão é que uma política fiscal expansionista eleva a taxa neutra. Segundo estudo de Borges e Pessoa (2021)[2], a queda do juro neutro brasileiro para níveis atipicamente baixos de 2016/17 à época do estudo resultou tanto de uma mudança na orientação cíclica da política fiscal e parafiscal, em relação ao observado em boa parte do período 2001-2014, como da influência favorável do ambiente internacional. Essas duas variáveis mudaram de sinal e podem complicar a vida da autoridade monetária este ano: é um alerta sobre os efeitos deletérios de uma política fiscal expansionista na taxa neutra, nos juros e, portanto, sobre o investimento privado. Não há almoço grátis em economia.

Este é o Sumário do Boletim Macro Ibre de Janeiro de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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