Cenários

Transições educacionais e etárias e seus reflexos no mercado de trabalho

9 out 2025

Os exercícios contrafactuais elaborados neste estudo indicam que ao se controlar os efeitos decorrentes da evolução do binômio educação/demografia, o mercado de trabalho brasileiro estaria apresentando desempenho mais modesto.

Introdução

A taxa de desemprego é um dos principais indicadores para compreender a dinâmica do mercado de trabalho, pois reflete não apenas o grau de inserção da população na economia, mas também a saúde geral da atividade produtiva do país. Ao acompanhar sua evolução ao longo do tempo, é possível identificar períodos de expansão ou retração econômica, além de avaliar os efeitos de políticas públicas, crises e mudanças estruturais sobre a empregabilidade.

Nos últimos anos a taxa de desemprego tem caído de forma consistente no Brasil. Diversos fatores podem ter contribuído para essa redução. Umas das hipóteses para explicar esse movimento está associada a reforma trabalhista, que, segundo estimativas de Ottoni & Barreira (2021), pode ter reduzido a taxa de desemprego entre 1,2 e 3,5 pontos percentuais.[1]  Além disso, Corbi et. al. (2022) evidenciam que a diminuição dos incentivos para a judicialização após a reforma de 2017 levou a uma queda expressiva no número de processos na Justiça do Trabalho nos dois anos após a aprovação. Suas estimativas indicam uma queda de 1,7 ponto percentual na taxa de desemprego.[2]

A elevação dos valores pagos pelo Programa Bolsa Família constitui outro fator potencial de redução da taxa de desemprego, em razão ao suposto estímulo a saída do mercado de trabalho que o programa teria provocado. Além destes fatores, é relevante considerar também os impactos da melhoria educacional e da transição demográfica.

Conjuntamente com a queda da taxa de desemprego, tem ocorrido um aumento no número de pessoas ocupadas e elevação da remuneração média do trabalho, caracterizando um mercado de trabalho aquecido. Tais condições, em princípio, poderiam gerar pressões inflacionárias mais intensas. No entanto, os efeitos desse aquecimento têm se manifestado de forma mais moderada do que o esperado.

Neste contexto, o objetivo deste estudo é avaliar os efeitos da melhora educacional e da transição demográfica sobre variáveis importantes do mercado de trabalho, como a taxa de desemprego, a taxa de participação, o nível de ocupação e o rendimento do trabalho. Essa análise visa contribuir para um maior entendimento sobre o “real grau” de aquecimento da economia.

Para tanto, foram realizados exercícios contrafactuais que fixam a composição educacional, a composição etária e a interação entre ambas em 2016 - ano anterior à reforma trabalhista. Dessa forma, torna-se possível estimar como estariam o desemprego, a escolaridade média, a taxa de participação e a renda, caso não tivesse ocorrido uma melhora na composição educacional nem o processo de envelhecimento da população. Por último, comparamos a evolução da produtividade do trabalho no Brasil com a evolução da renda real contrafactual (com a composição educacional e etária fixas) desde 2019. A análise conjunta dos exercícios possibilita a conclusão de que o mercado de trabalho doméstico ainda não encontra-se acima do pleno emprego.

Evolução dos Principais Indicadores do Mercado de Trabalho

De acordo com a Figura 1, a trajetória da taxa de desemprego entre 2012 e 2025 registrou oscilações marcantes. Após relativa estabilidade até 2014, o índice passou a subir fortemente, alcançando picos históricos durante a crise econômica 2015-2016 e, sobretudo, durante a pandemia de Covid-19, quando atingiu quase 15% em meados de 2021. A partir desse ponto, iniciou-se um movimento de queda gradual, refletindo a recuperação do mercado de trabalho. No trimestre móvel encerrado em agosto de 2025, o desemprego atingiu 5,6%, o menor nível da série, sinalizando avanços na absorção de mão de obra e maior dinamismo econômico.

A queda sistemática da taxa de desemprego nos últimos trimestres sinaliza um mercado de trabalho aquecido, em que as empresas demandam mais trabalhadores, ampliando as oportunidades e fortalecendo a renda das famílias, e mostra a forte resiliência do mercado de trabalho doméstico.

Figura 1: Evolução da Taxa de Desemprego

Parte da queda na taxa de desemprego pode estar relacionada a redução da taxa de participação. E este movimento pode ter ocorrido em razão da expansão do pagamento do programa Bolsa Família[3]. A Figura 2 mostra que entre o primeiro trimestre de 2012 e o quarto trimestre de 2019 a taxa de participação passou de 62,3% para 63,4%. No auge da crise sanitária, em meados de 2020, a taxa de participação caiu para 56,5%, o menor nível da série histórica.

Com a recuperação da atividade econômica, após a reabertura da economia, a taxa de participação voltou a apresentar forte crescimento, dando sinais de que retornaria ao nível pré-pandemia. No entanto, isso acabou não ocorrendo, tendo em vista que sua recuperação foi interrompida com a redução observada entre o terceiro trimestre de 2022 e o primeiro trimestre de 2023.

Figura 2: Evolução da Taxa de Participação

Mesmo tendo voltado a crescer desde o início de 2023, no trimestre móvel encerrado em agosto de 2025 a taxa de participação estava em torno de 62,3%, abaixo do patamar pré-pandemia (quarto trimestre de 2019), que era de 63,4%.

Uma outra forma de mensurar o grau de aquecimento no mercado de trabalho, evitando as oscilações na taxa de desemprego em função de mudanças na taxa de participação, é através da razão entre a População Ocupada (PO) e a População em Idade Ativa (PIA), o que o IBGE chama de nível de ocupação.  A Figura 3 mostra a evolução do nível de ocupação da economia brasileira desde o primeiro trimestre de 2012.

Figura 3: Evolução do Nível de Ocupação

Nos anos de 2012 e 2013, o nível de ocupação da economia brasileira manteve-se em torno de 58%. A recessão de 2014-2016 provocou um forte impacto sobre esse indicador, que recuou para 54,1% no início de 2017. Superado esse período de queda, observou-se uma recuperação significativa, com o nível de ocupação atingindo aproximadamente 56,4% ao final de 2019.

Com a pandemia, houve nova retração no nível de ocupação, levando o indicador ao seu menor patamar em meados de 2020. Superada a fase mais aguda da crise sanitária, este indicador retomou a trajetória de crescimento consistente, alcançando, no trimestre móvel encerrado em agosto de 2025 cerca de 58,8%.

O bom desempenho do mercado de trabalho é corroborado pelos dados de rendimento do trabalho, que seguem em ritmo expansão acelerada. A Figura 4 apresenta a evolução da taxa de crescimento do rendimento real e indica que, no acumulado em doze meses, a taxa de crescimento permanece elevado, alcançando 3,6% ao ano. Esse resultado contrasta com o desempenho da produtividade do trabalho, cujo crescimento médio tem sido bem menor nas últimas décadas.[4]

Figura 4: Taxa de Crescimento do Rendimento Real

Os resultados apresentados até o momento evidenciam um mercado de trabalho aquecido, caracterizado por quedas consecutivas na taxa de desemprego, aumento do número de pessoas ocupadas e elevação dos níveis de remuneração. Tais condições, em princípio, poderiam gerar pressões inflacionárias mais intensas. No entanto, os efeitos desse aquecimento têm se manifestado de forma mais moderada do que o inicialmente esperado.

Além disso, no último ano, a elevação significativa da taxa de juros pelo Banco Central deveria ter produzido um desaquecimento da atividade econômica, com impactos no mercado de trabalho, o que não se verifica até o presente momento. Adicionalmente, há evidências recentes de forte expansão fiscal nos estados e municípios, o que contribui para sustentar o crescimento do PIB no ritmo atual[5].

Heterogeneidades de Escolaridade e Faixa Etária

Antes da apresentação dos exercícios contrafactuais, é necessário identificar alguns padrões relevantes para a análise. Os dados evidenciam uma melhoria na composição educacional tanto da População Economicamente Ativa (PEA) quanto da População em Idade Ativa (PIA), observada pelo aumento do peso relativo dos grupos de pessoas com maior nível de escolaridade ao longo do período analisado.

Verifica-se, ainda, uma relação monotônica entre a escolaridade e variáveis como taxa de participação, nível de ocupação e rendimento do trabalho: quanto maior o grau de instrução, mais elevados tendem a ser os valores dessas variáveis.

Tabela 1: Variáveis selecionadas por grau de instrução

Um resultado adicional merece destaque: diferentemente do padrão descrito acima, não se observa uma relação monotônica entre escolaridade e taxa desemprego. Neste caso, a melhora da composição educacional da força de trabalho não implica, necessariamente, em uma redução da taxa de desemprego. Os dados sugerem uma distribuição em formato de “U invertido”, na qual os grupos com níveis extremos de escolaridade apresentam taxas de desemprego mais baixas do que aqueles situados em níveis intermediários.

A mesma análise pode ser feita sob a ótica dos diferentes grupos etários, tal como apresentado na Tabela 2. No que se refere à estrutura etária, os dados indicam um processo de envelhecimento tanto da PEA quanto da PIA. Isto pode ser observado a partir do ganho de peso relativo dos grupos de pessoas com mais de 40 anos. Observa-se, ainda, que quanto maior a idade do indivíduo, menor tende a ser a taxa de desemprego e maior o rendimento do trabalho.

Tabela 2: Variáveis selecionadas por faixa etária

Fonte: Elaboração própria com dados da Pnad Contínua.

 

Já no que diz respeito a relação entre idade e taxa de participação e idade e nível de ocupação podemos uma distribuição em formato de “U invertido”, em que os grupos extremos (mais velhos e mais novos) possuem taxa de mais baixa que os grupos intermediários.

Resultados Contrafactuais

Nesta seção são apresentados os exercícios contrafactuais referentes aos indicadores de desemprego, taxa de participação, nível de ocupação e renda.[6] A análise consiste em comparar os valores efetivamente observados com aqueles que seriam verificados caso não tivesse ocorrido, a partir de 2016, a melhoria da composição educacional[7] e o envelhecimento populacional. Adicionalmente, é realizado um exercício em que se mantém constante a composição resultante da interação entre ambas as variáveis.

Acesse o texto completo no Observatório da Produtividade Regis Bonelli  


 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.  

 

 

 

 .

[1] Para mais detalhes acesse: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/EALR/article/view/11855

[2] Para mais detalhes acesse: https://www.dropbox.com/scl/fi/0xa2cg6e1h8j8kespgwis/SSRN-id4121304.pdf?...

[3]A queda na taxa de desemprego pode ocorrer porque a pessoa encontrou um emprego ou porque parou de procurar. Pessoas sem emprego e que não procuram trabalho saem da força de trabalho, reduzindo a taxa de desemprego. Para mais detalhes sobre o impacto do PBF no mercado de trabalho, ver:  https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/08ce2025_carta_....

[4] Dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli mostram que o crescimento médio da produtividade por hora trabalhada entre 1981 e 2024 foi de apenas 0,6% a.a. Desde 2019, o crescimento da produtividade também tem sido muito baixo (apenas 0,3% a.a.). Para mais detalhes acesse: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/relatorio_anual....

[5] O efeito da elevação da taxa  de juros sobre o nível de atividade tem sido, ao menos, parcialmente compensado pela expansão de gastos fiscais, com maior peso de estados e municípios em 2024, por exemplo. Para mais detalhes, ver: https://portalibre.fgv.br/system/files/2025-06/06ce2025-carta-do-ibre-3.pdf.

[6] Recentemente o Banco Central fez um exercício similar a este que foi publicado no Box do Relatório de Política Monetária. Os resultados apontaram que mudanças na composição da população em idade de trabalhar – em termos de sexo, escolaridade e faixa etária – impactaram positivamente a taxa de participação e o nível de ocupação, mas tiveram efeito mais limitado sobre a taxa de desocupação. Para mais detalhes acesse: https://www.bcb.gov.br/content/ri/relatorioinflacao/202509/rpm202509b4p.pdf

[7] Para mais detalhes sobre os impactos da educação no mercado de trabalho, acesse: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/educacao_e_merc...

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.
Ensino