Macroeconomia

Um começo de ano turbulento

24 fev 2023

Após desaceleração de 2022-23, crescimento mais forte a partir de 2024 depende de política fiscal gerar expectativa de superávit primário do ano que vem em diante e de não haver mudança drástica na política econômica em geral.

Em termos retrospectivos, e a despeito de tantos desafios, a economia brasileira surpreendeu positivamente em 2022. O PIB deve ter crescido 3%, com a inflação dando sinais de descompressão nas medidas de núcleo, em linha com os efeitos defasados da política monetária. Mesmo com uma eleição muito disputada, a taxa de câmbio se valorizou em relação ao dólar. O setor público fechou o ano com superávit primário e a dívida bruta do governo geral despencou como proporção do PIB. As contas externas concluíram o ano com números saudáveis.

Sem dúvida, comparado a outros países, o Brasil teve bom desempenho, sendo beneficiado pelo cenário global. O país está distante da região de conflitos geopolíticos, com destaque para a invasão da Ucrânia. A guerra intensificou o aumento dos preços de commodities, contribuindo para o bom desempenho da atividade, e atenuando os efeitos negativos do combate da inflação.

Extrapolando para 2023, o cenário seria de conclusão desse processo de ajuste, em grande parte ainda reflexo da pandemia e das medidas tomadas em reação a ela: nova desaceleração das medidas núcleo de inflação e, em meados do ano, o início de um ciclo de redução da taxa básica de juros. Em consequência, após desaceleração mais intensa da atividade, que se iniciou no segundo semestre de 2022, e se estenderia por boa parte de 2023, haveria crescimento mais elevado em 2024 e nos últimos anos do governo Lula III, em um contexto de inflação e juros mais baixos. 

Entretanto, esse cenário só é possível se a política fiscal cumprir o seu papel, que é o de gerar perspectivas de superávit fiscal de 2024 em diante, facilitando a queda dos juros e consolidando um cenário de sustentabilidade da dívida pública ao longo dos próximos anos. Adicionalmente, não poderiam ocorrer mudanças drásticas no arcabouço da política econômica em geral, com destaque para o papel dos bancos públicos e do BNDES, o modelo das parceiras público-privadas, a relação com as empresas estatais, a autonomia do Banco Central etc. E, por fim, a necessidade de manutenção de uma agenda de reformas, com destaque para a reforma tributária.

Há ainda muitas dúvidas e poucas certezas sobre se veremos esses requisitos se transformarem em realidade. No campo das reformas, aparentemente há boa chance de mudança no sistema tributário brasileiro, no que se refere à tributação de bens e serviços. Conforme estudos do secretário Bernard Appy[1], os impactos sobre os ganhos de eficiência na economia podem ser significativos, mas isso, claro, depende de qual reforma será efetivamente aprovada. Com relação às perspectivas fiscais, há ainda muitas dúvidas sobre o cenário prospectivo. Apenas com a definição do novo arcabouço fiscal será possível avaliar a questão da sustentabilidade da dívida pública. A boa notícia é que o ministro da Fazenda,  Fernando Haddad,  afirmou que o novo arcabouço fiscal deverá ser apresentado mês que vem, antes do previsto anteriormente.

Porém, ainda há muitas dúvidas sobre a agenda de política econômica mais ampla. Por exemplo, se haverá expansão dos gastos parafiscais,  interferência na política de preços de combustíveis, reversão de privatizações, revisão da reforma trabalhista, metas de inflação mais elevadas, entre tantas possibilidades levantadas pelo novo governo. Ou seja, se haverá uma volta ao passado, de políticas que foram adotadas e/ou intensificadas nos governos Dilma I e II. Sempre é importante mencionar que há muitos estudos que mostram os péssimos resultados de diversas políticas econômicas adotadas nesse período.[2]

Do ponto de vista macroeconômico, as incertezas fiscais contribuem para um aumento de incerteza na economia, como mostra o Indicador do FGV IBRE, afetando a atividade no curto prazo.[3] Além disso, uma política fiscal expansionista eleva de forma permanente a taxa real de juros neutra da economia, segundo análise de Borges e Pessoa (2021).[4] Entre os resultados apresentados, destacamos: “A queda do juro neutro brasileiro para níveis atipicamente baixos desde 2016/17 resulta tanto de uma mudança na orientação cíclica da política fiscal e parafiscal em relação ao observado em boa parte do período 2001-2014 como da influência do ambiente internacional”. Consequentemente, o estudo é um alerta sobre os prováveis custos trazidos por um novo ciclo de expansão dos gastos públicos.

Em resumo, do ponto de vista da política econômica, o início do governo tem sido muito turbulento, com propostas que parecem mais voltadas a desfazer as reformas recentes do que a melhorar o ambiente econômico, e com medidas na área fiscal que não promovem o pouso suave da economia que parecia ser o cenário central ao final de 2022. Tudo isso vem gerando muita incerteza e tem tornado o cenário prospectivo bem mais preocupante.

No front externo também se começou o ano com razoável turbulência, com os preços de ativos muito sensíveis a indicadores de alta frequência e ao que eles sinalizam sobre o processo de desinflação buscado pelos principais bancos centrais. Ainda que haja incertezas sobre o crescimento global este ano, as perspectivas melhoraram nos últimos meses, em especial na Zona do Euro, que tem mostrado um crescimento econômico mais resiliente (para o que o inverno ameno contribuiu), e na China, com a reabertura econômica que tem contribuído para a retomada da atividade na região.

Esse melhor desempenho ajudou a explicar a tendência recente de enfraquecimento do dólar, mas os números mais recentes da economia americana reverteram parcialmente esse processo, ao mostrar que a atividade no país segue mais resiliente do que se projetava. Nos EUA, de fato, como bem destacado na seção de Economia Internacional, há bastante dúvidas sobre o processo (des)inflacionário, o que acarreta igual incerteza sobre o tamanho do aperto monetário ainda necessário para trazer a inflação para a meta. O mercado de trabalho continua forte e ainda representa risco de alta, e a inércia inflacionária pode ganhar protagonismo, a despeito das expectativas estarem bem mais favoráveis. A ver.

No todo, mesmo que com alguns riscos, o cenário internacional deve ser mais benigno este ano do que o esperado anteriormente. É o que mostram os Barômetros Econômicos Globais Coincidente e Antecedente do FGV IBRE,[5] que em fevereiro de 2023 subiram pela primeira vez desde novembro de 2022, de forma disseminada entre as regiões: o Coincidente subiu 6,2 pontos, para 83,3 pontos; o Antecedente teve alta ainda mais expressiva, de 11,2 pontos, para 90,5 pontos, maior nível desde março de 2022. Como resultado, o Barômetro Coincidente recupera quase 50% das perdas registradas nos três meses anteriores, enquanto o Antecedente reverte mais de 100% das perdas no mesmo período.

Em suma, riscos existem, mas o Brasil parece relativamente bem-posicionado em termos do cenário externo, pois nos beneficiamos da reabertura da China, dos preços altos de commodities – mesmo com estes recuando em 2023, mas ainda para patamares elevados – e somos um player importante no mercado de energia renovável. E, com isso, os investidores internacionais estão mais otimistas com o Brasil. Os ventos externos estão favoráveis.

Nesse sentido, o desempenho da economia brasileira no atual mandato do governo Lula dependerá fundamentalmente das escolhas de política econômica que serão feitas neste início de governo. E o Poder Executivo é crucial na definição da agenda econômica, que precisa ter credibilidade e consistência. Sempre é bom lembrar de uma frase do filósofo Sêneca: “Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável”. 

Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de fevereiro/2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] “Tributação e Produtividade no Brasil”. In: Regis Bonelli. Fernando Veloso; Armando Castelar Pinheiro. (Org.). Anatomia da Produtividade no Brasil. 1ed.Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2017, v. 1.

[2] “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil”, Marcos Mendes (Org.). Editora Autografia, 2022. Ver também os estudos divulgados pelo Conselho de Monitoração e Avaliação de Políticas Públicas (em https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-socia...).

[5] Os Barômetros Econômicos Globais são um sistema de indicadores que permite análise tempestiva do desenvolvimento econômico global. Eles representam colaboração entre o Instituto Econômico Suíço KOF da ETH Zurique, na Suíça, e a Fundação Getulio Vargas (FGV). Ver https://portalibre.fgv.br/system/files/2023-02/barometros-globais-kof-fg....

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