Cenários

Aplicativos de transporte: perfil sociodemográfico e recomendações sobre Previdência

21 dez 2023

Os dados evidenciam a necessidade de aumentar a cobertura previdenciária dos trabalhadores plataformizados do setor de transportes, em especial entregadores e aqueles que trabalham com transporte particular de passageiros.

1. Introdução

O trabalho realizado por meio de plataformas digitais no setor de transportes ganhou bastante importância no Brasil ao longo dos últimos anos, promovendo mudanças significativas nas relações de trabalho. Devido à relevância do tema e com o intuito de entender melhor o perfil dos trabalhadores que trabalham por meio de plataformas digitais, o IBGE divulgou recentemente um módulo da PNAD Contínua (PNADC) contendo dados sobre este tipo de trabalho.

Em particular, as informações coletadas na pesquisa referem-se ao quarto trimestre de 2022 e consideram o trabalho único ou principal da população ocupada de 14 anos ou mais de idade, excluindo os empregados no setor público e militares. Os dados mostram que, em dezembro de 2022, 2,1 milhões de pessoas realizavam trabalho por meio de plataformas digitais de serviços ou obtinham clientes e efetuavam vendas por meio de plataformas de comércio eletrônico no trabalho principal. Desse total, 1,5 milhão de pessoas trabalhavam por meio de aplicativos de serviços e 628 mil utilizavam plataformas de comércio eletrônico.

Além de informações sobre o perfil sociodemográfico dos trabalhadores de plataformas digitais, o módulo da PNADC fornece informações sobre cobertura previdenciária, que são particularmente relevantes para informar o debate sobre inclusão previdenciária de motoristas e entregadores de aplicativo que tem ganhado importância crescente.

Neste sentido, o objetivo deste artigo é utilizar o módulo da PNADC para analisar o perfil sociodemográfico e a cobertura previdenciária dos trabalhadores de aplicativo de serviços no setor de transporte. Com base nessas informações, faremos algumas recomendações para a inclusão previdenciária desse grupo de trabalhadores.

Além desta introdução, o artigo está organizado da seguinte forma. A segunda seção apresenta algumas características sociodemográficas dos trabalhadores de plataformas digitais no setor de transportes. A terceira seção analisa a cobertura previdenciária desse grupo de trabalhadores. A quarta seção apresenta algumas recomendações básicas para sua inclusão previdenciária.

2. Características sociodemográficas dos trabalhadores de plataformas digitais no setor de transportes

Nesta seção, iremos analisar o perfil sociodemográfico dos trabalhadores de plataformas digitais no setor de transportes no Brasil. Segundo os dados do módulo da PNADC, em dezembro de 2022 cerca de 1 milhão de pessoas trabalhavam por meio de aplicativos de serviços no setor de transportes. Deste total, 207 mil ofereciam serviços por meio de aplicativos de táxi, 704 mil por meio de aplicativo de transporte de passageiro diferente de táxi, 252 mil por meio de aplicativo de entrega de comida e produtos e 44 mil por meio de aplicativo de prestação de serviços gerais ou profissionais.[1]

Neste artigo iremos dar ênfase aos motoristas que fazem transporte particular de passageiros e aos entregadores de comida e produtos, que têm sido objeto de discussões de um grupo de trabalho criado pelo governo federal com representantes de trabalhadores e plataformas.

Adicionalmente, faremos uma comparação entre o perfil destes trabalhadores com o do total de trabalhadores que usam plataformas digitais no setor de transportes (incluindo todos os aplicativos) e com o total de ocupados no Brasil.

O Gráfico 1 mostra que os ocupados que trabalham por meio de plataformas digitais no setor de transportes são majoritariamente do sexo masculino (93,4%). Desagregando a análise para aplicativos de transporte de passageiros e de entrega de comida e produtos, vemos que em ambos os casos os homens têm presença dominante, com participação de 93,3% e 96,4%, respectivamente. Este percentual é muito superior ao observado na população ocupada como um todo (57,1%).

Gráfico 1: Composição por gênero dos ocupados
que trabalham com plataformas digitais no setor de transportes
no Brasil e da população ocupada. 4º trimestre de 2022


Fonte: Elaboração FGV IBRE com base em dados da Pnad Contínua (IBGE).

Já o Gráfico 2 mostra que há significativa heterogeneidade na composição etária dos trabalhadores que utilizam plataformas digitais no setor de transportes, com prevalência de trabalhadores mais jovens dentre os que fazem entrega de produtos. Especificamente, 46,4% dos trabalhadores que utilizam aplicativo de entrega de comida e produtos têm idade entre 14 e 29 anos, em comparação com apenas 20,9% dos que utilizam aplicativo de transporte particular de passageiro e 27,2% da população ocupada. Já os motoristas de aplicativo estão concentrados na faixa etária entre 30 e 49 anos (58,4%), quase dez pontos percentuais acima da proporção correspondente da população ocupada (49,7%).[2]

Gráfico 2: Composição etária dos ocupados que trabalham
com plataformas digitais no setor de transportes no Brasil
e da população ocupada. 4º trimestre de 2022

Fonte: Elaboração FGV IBRE com base em dados da Pnad Contínua (IBGE).

Também existem diferenças significativas na composição educacional dos ocupados que trabalham com plataformas digitais no setor de transporte em comparação com o total da população ocupada (Gráfico 3). Tanto no grupo de trabalhadores que utilizam aplicativos de transporte particular de passageiros como entre os que utilizam aplicativos de entrega de comida e produtos, existe uma forte concentração no segmento de ensino médio e ensino superior incompleto (65,5%), enquanto na população ocupada esta proporção é bem menor (42,2%).

Por outro lado, a proporção de trabalhadores com ensino superior completo na população ocupada (22,8%) é bem maior que dentre os motoristas de aplicativo de transporte particular (12,2%) e entregadores (5,3%). Além de uma parcela maior com ensino superior completo, os motoristas de aplicativo têm uma proporção menor com ensino fundamental completo e médio incompleto (15,0%) que a dos entregadores (21,6%), o que se reflete em uma escolaridade média mais elevada do primeiro grupo.[3]

Gráfico 3: Composição educacional dos ocupados que trabalham
com plataformas digitais no setor de transportes no Brasil
e da população ocupada. 4º trimestre de 2022

Fonte: Elaboração FGV IBRE com base em dados da Pnad Contínua (IBGE).

O Gráfico 4 mostra que, dentre os trabalhadores que utilizam aplicativo de entrega de comida e produtos, 75,3% ganham menos que dois salários mínimos, percentual bem superior ao dos que utilizam aplicativo de transporte particular de passageiros (59,7%) e também maior que o da população ocupada (67,8%). Além disso, a participação de pessoas com rendimento maior que 5 salários mínimos é baixa dentre os que utilizam plataformas digitais no setor de transportes. Dentre os que utilizam aplicativo de transporte particular de passageiros, por exemplo, este percentual é de 1,9%, pouco maior que o dos que utilizam aplicativo de entrega de comida e produtos (1,4%), mas inferior ao agregado dos que utilizam plataforma digital no setor de transportes (2,1%) e bem menor que a proporção correspondente da população ocupada (7,2%).[4]

Um fato interessante é que apesar de entregadores de comida e produtos terem uma escolaridade média similar à da população ocupada, sua renda média é consideravelmente menor. Isto provavelmente se deve ao fato de que entregadores de comida e produtos são na média mais jovens, menos experientes e, consequentemente, recebem um salário menor.

Gráfico 4: Composição de renda dos ocupados que trabalham
com plataformas digitais no setor de transportes no Brasil
e da população ocupada. 4º trimestre de 2022


Fonte: Elaboração FGV IBRE com base em dados da Pnad Contínua (IBGE)

O Gráfico 5 mostra a composição regional dos ocupados que trabalham com plataformas digitais no setor de transportes no Brasil. Podemos notar que, tanto dentre o agregado dos que utilizam plataforma digital no setor de transporte, quanto dentre os que utilizam os dois tipos de aplicativos analisados, o percentual de trabalhadores no Sudeste predomina, variando entre 55,8% e 60,7%. Este percentual é bem maior do que o observado no agregado da população ocupada (44,7%).

Gráfico 5: Composição regional dos ocupados que trabalham
com plataformas digitais no setor de transportes no Brasil
e da população ocupada. 4º trimestre de 2022

Fonte: Elaboração FGV IBRE com base em dados da Pnad Contínua (IBGE)

3. Cobertura previdenciária dos trabalhadores de plataformas digitais no setor de transportes

Nesta seção vamos apresentar algumas informações sobre a cobertura previdenciária dos trabalhadores que utilizam plataformas digitais no setor de transportes.

O texto completo pode ser acessado pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli.


[1] Devido ao fato de uma mesma pessoa, em seu trabalho principal, poder trabalhar por meio de mais de um tipo de plataforma digital, o somatório dos contingentes alocados em cada um dos aplicativos supera 1 milhão de pessoas, que corresponde ao total de trabalhadores plataformizados no setor de transportes.

[2] A idade média dos trabalhadores que utilizam aplicativo de entrega de comida e produtos é de 33 anos, bem menor que a dos que utilizam aplicativo de transporte particular de passageiro (40 anos) e do total de trabalhadores de plataformas digitais no setor de transporte e do total de ocupados no Brasil (ambos com idade média de 39 anos).

[3] Os trabalhadores que utilizam aplicativos de transporte particular de passageiros possuem escolaridade média (11,8 anos de estudo) maior que a dos que utilizam aplicativos de entrega de comida e produtos (11,3 anos de estudo) e próximo do agregado dos que trabalham com plataformas digitais no setor de transportes (11,7 anos de estudo). Já para o agregado da população ocupada, a escolaridade média é de 11,2 anos de estudo.

[4] Os dados mostram que trabalhadores que usam aplicativo de entrega de comida e produtos possuem rendimento menor (R$ 2.011) que trabalhadores que usam aplicativo de transporte particular de passageiros (R$ 2.367), que o agregado dos que usam plataformas digitais no setor de transportes (R$ 2.341) e que o agregado da população ocupada (R$ 2.727).

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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