Macroeconomia

Apesar de uma pequena melhoria no primeiro trimestre de 2022, PTF continua abaixo do patamar pré-pandemia

22 jun 2022

A recuperação do mercado de trabalho tem ocorrido principalmente pelas ocupações informais e pelo retorno dos trabalhadores menos escolarizados, contribuindo para a PTF ter desempenho pior que no pré-pandemia.

Os eventos associados à pandemia da Covid-19 tiveram impactos negativos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho e elevaram de forma extraordinária o nível de incerteza em relação à dinâmica dos indicadores de produtividade, especialmente no Brasil.

Uma das medidas amplamente utilizadas é a produtividade do trabalho, que consiste no valor adicionado gerado por trabalhador ou por hora trabalhada. Esta variável, no entanto, não permite avaliar o grau de eficiência com que são utilizados os recursos produtivos. Um indicador que permite esta análise é a produtividade total dos fatores (PTF), que leva em consideração não somente a produtividade da mão de obra, mas também a eficiência do uso de capital.

Recentemente, o Federal Reserve Bank (FED) de São Francisco divulgou os resultados da produtividade total dos fatores dos Estados Unidos referentes ao primeiro trimestre de 2022. Os dados indicaram uma retração anualizada da PTF de 6% em relação ao quarto trimestre de 2021. Uma medida de PTF que faz um ajuste em função do grau de utilização dos fatores de produção revelou uma queda ainda maior da PTF de 8,1% na mesma base de comparação.

No Brasil, com base na divulgação das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua, por parte do IBGE, bem como da Sondagem da Indústria, pelo FGV IBRE, é possível construir o indicador de PTF de periodicidade trimestral, que permite uma análise conjuntural deste que é o principal motor do crescimento econômico.[1]

Desde 2019 o Observatório da Produtividade Regis Bonelli tem divulgado estatísticas de PTF usando como medida do fator trabalho tanto o número de pessoas ocupadas quanto o total de horas trabalhadas. Esta última medida considera duas informações sobre o total de horas trabalhadas. A primeira são as horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações, obtidas da PNAD Contínua, que têm como referência uma semana em que não haja situações excepcionais que alterem a duração rotineira do trabalho, ou seja, uma semana típica de trabalho.[2]

A PNAD Contínua também fornece informações sobre as horas efetivamente trabalhadas na semana de referência, que podem incluir reduções por motivo de doença, feriado, falta voluntária, atraso ou por outra razão, bem como aumentos por conta de pico de produção e compensação de horas não trabalhadas em outro período.

Até o início da pandemia, os resultados obtidos a partir das duas medidas de horas trabalhadas eram semelhantes. No entanto, em função das medidas de distanciamento social necessárias para conter os efeitos da pandemia, desde o primeiro trimestre de 2020[3] os dados da PNAD Contínua passaram a revelar um descolamento entre as duas medidas de horas trabalhadas, o qual foi particularmente forte no segundo trimestre, com redução muito mais pronunciada das horas efetivamente trabalhadas que das horas habitualmente trabalhadas e do pessoal ocupado. Esta discrepância diminuiu ao longo do ano passado, devido ao processo que se iniciou de normalização da economia e consequentemente das horas efetivamente trabalhadas.[4]

Além da disrupção observada no mercado de trabalho, a pandemia da Covid-19 também provocou um forte descolamento entre o crescimento do valor adicionado e do estoque de capital em uso, que é outro fator de produção utilizado para o cálculo da PTF, tal como apresentado no Gráfico 1.[5]

Gráfico 1: Taxa de crescimento do valor adicionado e
do estoque de capital em uso –
(Em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil

Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração do FGV IBRE
com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e Sondagem da Indústria.

O Gráfico 1 mostra que, apesar da volatilidade do estoque de capital em uso, seu crescimento e do valor adicionado sempre estiveram próximos até o quarto trimestre de 2019. No entanto, com o início da pandemia da Covid-19 no primeiro trimestre de 2020, esse cenário começou a mudar.

Enquanto que no primeiro trimestre de 2020 o valor adicionado apresentou uma queda de 0,1% e o estoque de capital em uso cresceu 2,8% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, no segundo trimestre o descolamento foi ainda mais dramático, com queda no estoque de capital em uso (-17%) bem maior que a redução do valor adicionado (-10,2%). Esta discrepância está relacionada ao recuo no segundo trimestre, para níveis historicamente baixos, do nível de utilização da capacidade instalada (NUCI).[6]

A melhora do NUCI no terceiro trimestre de 2020 amenizou esta discrepância entre o crescimento do valor adicionado e o estoque de capital em uso. Em especial, o valor adicionado apresentou uma queda de 3,5%, enquanto que o estoque de capital em uso mostrou um avanço de 1,1%.[7] No quarto trimestre de 2020 houve queda no valor adicionado de 1,1% e avanço no estoque de capital em uso de 7,1%.

Ao longo de 2021, ambas as medidas apresentaram crescimento positivo, sendo o avanço do valor adicionado (1,1% no primeiro trimestre, 11,6% no segundo trimestre, 3,7% no terceiro trimestre e 1,6% no quarto trimestre) menor do que o observado no estoque de capital em uso (6,0% no primeiro trimestre, 28,5% no segundo trimestre, 7,4% no terceiro trimestre e 2,5% no quarto trimestre). Este cenário se manteve no primeiro trimestre de 2022, no qual o estoque de capital em uso apresentou crescimento interanual de 3,0% e o valor adicionado de 1,9%.

Este forte crescimento do estoque de capital em uso observado ao longo dos últimos trimestres tem ocorrido em função de uma melhora no nível de utilização, que tem apresentado forte recuperação depois da queda no segundo trimestre de 2020.[8]

O Gráfico 2 mostra a taxa de crescimento da PTF, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, desde o primeiro trimestre de 2013, considerando as várias medidas do fator trabalho.

Gráfico 2: Taxa de crescimento da PTF (em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil.

Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração do FGV IBRE com base nas
 Contas Nacionais Trimestrais, Pnad Contínua (IBGE) e Sondagem da Indústria (FGV).

Com base no Gráfico 2, podemos notar que os fatos estilizados sobre a dinâmica da PTF no Brasil até o quarto trimestre de 2019 não mudam independentemente da métrica considerada. Em particular, podemos notar que a PTF teve queda expressiva durante a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014. A partir do primeiro trimestre de 2016, deu-se início a uma modesta recuperação, com quedas progressivamente menores ao longo de 2016 e taxas de crescimento positivas em 2017. No entanto, ao longo de 2018 e 2019, a PTF oscilou entre baixo crescimento e queda ao longo de vários trimestres nas métricas interanuais.

No primeiro trimestre de 2020, a PTF registrou redução de 1,6% e 1,8% nas medidas que consideram o pessoal ocupado e as horas habitualmente trabalhadas, respectivamente, e alta de 0,6% na medida que considera as horas efetivamente trabalhadas como medida do fator trabalho.

A diferença foi ainda maior no segundo trimestre de 2020. Embora todas as medidas apontassem para uma elevação da produtividade, as magnitudes variaram muito dependo da métrica considerada. Enquanto as medidas de PTF que consideram o pessoal ocupado e as horas habitualmente trabalhadas mostraram crescimento de 3,5% e 3,3%, respectivamente, a métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas indicou um crescimento de 16,9%.

Já entre o terceiro e quarto trimestre de 2020, foi possível notarmos uma redução na discrepância entre o crescimento da PTF nas diferentes métricas, em função principalmente da desaceleração do crescimento do indicador que considera as horas efetivamente trabalhadas como medida do fator trabalho. Enquanto que no terceiro trimestre de 2020 a elevação das medidas de PTF que consideram o número de pessoas ocupadas e horas habitualmente trabalhadas foi de 3,7% e 3,5%, respectivamente, o crescimento da PTF que considera o total de horas efetivamente trabalhadas foi de 6,7%. Já no quarto trimestre houve crescimento de 1,7% nas medidas que consideram o número de pessoas ocupadas e o total de horas habitualmente trabalhadas e elevação de 2,5% na métrica que considera o total de horas efetivamente trabalhadas.[9]

Os dados revelam uma piora considerável no crescimento interanual da PTF desde o primeiro trimestre de 2021 em todas as métricas. Em particular, após apresentar estabilidade no primeiro trimestre do ano passado, em comparação com o mesmo período do ano anterior, a PTF por hora efetivamente trabalhada teve fortes recuos de 14,0%, 8,6% e 6,5% no segundo, terceiro e quarto trimestres de 2021, respectivamente.

Já o crescimento dos indicadores que consideram o número de pessoas ocupadas e o total de horas habitualmente trabalhadas, que foi de 2,8% e 2,9%, respectivamente, no primeiro trimestre de 2021, passou no segundo trimestre para queda de 2,7% no caso da PTF por pessoal ocupado e de 2,6% no caso da PTF por hora habitualmente trabalhada. No terceiro trimestre de 2021 houve uma intensificação na queda de ambas as medidas. Em particular, houve recuo de 5,6% na métrica que considera o número de pessoas ocupadas e de 5,7% na medida que considera o número de horas habitualmente trabalhadas. No quarto trimestre do ano passado, as quedas persistiram, sendo de 4,9% no caso da métrica que considera o número de pessoas ocupadas e de 5,2% no caso da métrica que considera o total de horas habituais.[10]

No primeiro trimestre de 2022 o cenário de queda interanual das medidas de PTF se manteve. Enquanto que a métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas apresentou recuo de 5,4%, os indicadores que consideram o número de pessoas ocupadas e as horas habitualmente trabalhadas tiveram queda de 4,6% e 4,8%, respectivamente.

Uma outra forma de analisar a dinâmica dos indicadores de PTF é a partir das séries que descontam os efeitos sazonais de cada trimestre, ou seja, com base nas séries dessazonalizadas. O Gráfico 3 mostra a taxa de crescimento dos indicadores de PTF em relação ao trimestre imediatamente anterior.[11]

A análise completa dos indicadores trimestrais de produtividade total dos fatores pode ser acessada no Observatório da Produtividade Regis Bonelli.


[1] As séries trimestrais de PTF e de produtividade do trabalho estão disponíveis no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade. No site também se encontram disponíveis notas metodológicas que descrevem a construção dos indicadores trimestrais de produtividade do trabalho e PTF.

[2] O total de horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações corresponde ao produto da jornada média pelo número de pessoas ocupadas.

[3] Na nota que divulgamos referente aos resultados da produtividade do trabalho no primeiro trimestre de 2020 já havíamos chamado atenção para a queda mais forte das horas efetivas em comparação com as horas habituais em função dos efeitos iniciais da pandemia no mercado de trabalho. O texto pode ser acessado através do link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/indicadores_trimestrais_de_produtividade_do_trabalho_-_1t2020_final.pdf

[4] Para mais detalhes acesse o último relatório contendo os resultados sobre os indicadores de produtividade do trabalho no 1º trimestre de 2022, disponíveis no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli no link: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade/artigos/categorias/relatoriosnotas-tecnicas

[5] O estoque de capital em uso é obtido a partir do produto entre o estoque de capital e o nível de utilização da capacidade instalada (NUCI) da indústria de transformação calculada pelo FGV IBRE, e usada em nosso exercício como proxy para o nível de utilização total da economia.

[6] A queda de 18,1% do NUCI no segundo trimestre de 2020, em relação ao segundo trimestre de 2019, foi a maior já observada ao longo da série histórica, reduzindo ainda mais o nível do indicador que já estava num patamar relativamente baixo desde 2014. A redução do NUCI ocorreu principalmente diante da necessidade de isolamento social e do fechamento de estabelecimentos na tentativa de conter a propagação do coronavírus.

[7] No terceiro trimestre de 2020 já foi possível notarmos uma melhora do NUCI, com queda de apenas 0,3% em relação ao mesmo período de 2019.

[8] Após apresentar uma forte retração de 18,1% no segundo trimestre de 2020, tem havido uma melhora no crescimento interanual do nível de utilização. Em particular, após elevação de 4,5% no primeiro trimestre de 2021, em comparação com o mesmo período de 2020, o nível de utilização cresceu 27% no segundo trimestre do ano passado, tendo desacelerado para alta de 1,2% no quarto trimestre de 2021. Já no primeiro trimestre de 2022 houve um avanço interanual de 1,5% no nível de utilização.

[9] No ano de 2020 houve uma elevação de 1,5% e 1,6% nas métricas de PTF que consideram o total de horas habitualmente trabalhadas e número de pessoas ocupadas, respectivamente. Já no caso da métrica que considera o total de horas efetivamente trabalhadas o crescimento da PTF foi bem maior (6,1%).

[10] No ano de 2021 houve uma queda de 2,5% nas métricas de PTF que consideram o total de horas habitualmente trabalhadas e número de pessoas ocupadas. Já no caso da métrica que considera o total de horas efetivamente trabalhadas a queda da PTF foi bem maior (-7,1%).

[11] A construção dos indicadores de PTF com ajuste sazonal foi feita com base na dessazonalização de cada um dos seus componentes. Como o IBGE não divulga séries dessazonalizadas de emprego e horas trabalhadas, utilizamos o mesmo procedimento aplicado ao valor adicionado para fazer o ajuste sazonal do fator trabalho. O FGV IBRE divulga regularmente a série do NUCI com ajuste sazonal.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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