Cenários

Aumento do déficit em conta corrente, financiamento a curto prazo e riscos a médio e longo prazos

30 set 2025

Aumento do déficit está fortemente ligado ao fato de que o crescimento da economia brasileira se aproximou da global, devido à redução do crescimento e do comércio mundial e à aceleração relativa da absorção doméstica privada.

O déficit em conta corrente cresceu nos primeiros sete meses de 2025, saindo de um acumulado de US$ 22,7 bilhões em 2024 para US$ 40,1 bilhões em 2025. Em 12 meses, o déficit avançou de US$ 57,9 bilhões no ano passado (2,6% do PIB) para US$ 75,3 bilhões (3,5% do PIB), no acumulado até julho de 2025. Tamanho crescimento está ressuscitando discussões a respeito da sustentabilidade externa brasileira, quanto mais em momento tão conturbado no mundo. Na memória dos analistas, um déficit externo dessa magnitude tipicamente é prenúncio de ajuste, em geral desorganizado, da taxa de câmbio e das trocas entre o Brasil e o mundo.

É importante ressaltar que a recente deterioração foi muito acelerada, e particularmente estranha, em um ano com expectativa bastante positiva para nossa balança comercial. Em geral, em anos de aceleração da produção agropecuária e da indústria extrativa, normalmente se observa redução do déficit externo, associada à melhora do saldo comercial – resultado direto da aceleração das exportações. Não é isso que estamos vendo em 2025: mesmo com forte crescimento da agropecuária e do setor extrativo mineral, a contribuição do setor externo para o PIB tem sido negativa. Ou seja, ocorreu forte aumento relativo dos volumes importados¹.

A elevação do déficit em conta corrente está intimamente ligada ao superávit comercial mais fraco do que o imaginado. No início do ano, as perspectivas de safra recorde e de aceleração da produção petrolífera levaram muitos analistas a projetarem superávit comercial em torno  de US$ 100 bilhões em 2025 – não foi o nosso caso. A evolução dos dados durante 2025, porém, foi ainda mais negativa do que imaginávamos. Até agosto, o saldo comercial acumulado em 12 meses foi de US$ 63,5 bilhões, quase US$ 27 bilhões a menos que o acumulado até o mesmo mês de referência do ano passado.

O principal motivo para o recuo do superávit comercial foi  o aumento dos volumes importados. Nos 12 meses acumulados até agosto, houve virtual estabilidade das exportações (US$ 227 bilhões em 2025 e US$ 226,5 bilhões em 2024) e forte aumento das importações (US$ 185 bilhões em 2025 e US$ 173 bilhões em 2024). O crescimento de nossas compras externas ocorreu principalmente em bens de consumo e bens de capital, sugerindo forte ciclo de expansão relativa da absorção doméstica. É evidente que a absorção externa foi impactada pelas enormes incertezas comerciais globais, o que tem afetado, inclusive, o comportamento dos preços, tanto de exportação, quanto de importação. Mais ainda, houve apreciação cambial no decorrer de 2025, tornando mais baratas as importações e mais caras as exportações. Não se pode perder de vista, no entanto, que a absorção doméstica brasileira surpreendeu, sendo o principal vetor explicativo da redução do saldo comercial.

É importante destacar a relevância dos investimentos para o comportamento da absorção doméstica. Se considerarmos as Contas Nacionais Trimestrais, a correlação simples das taxas interanuais de crescimento das importações e dos investimentos é de 86%². Nesse sentido, a esperada redução do crescimento dos investimentos, que devemos observar nos próximos trimestres, tenderá a reduzir as importações e contribuir para uma melhora do saldo comercial. 

Em segundo lugar, o déficit na balança de serviços e rendas também aumentou. No acumulado em 12 meses, o déficit em conta-corrente cresceu US$ 44,5 bilhões, entre julho de 2024 e julho de 2025, para atingir US$ 75,3 bilhões (3,5% do PIB). Desse aumento, US$ 12,6 bilhões vieram do alargamento do déficit em serviços e rendas, dominado por remessas de lucros e dividendos ao exterior, que representam pouco mais da metade daquele valor.

O aumento do déficit em conta corrente está fortemente ligado ao fato de que o crescimento da economia brasileira se aproximou da global, não somente devido à redução do crescimento e do comércio mundial, mas também pela aceleração relativa da absorção doméstica privada: consumo das famílias e investimentos. A apreciação cambial ocorrida nos últimos meses somente reforçou a dinâmica, com efeitos evidentes na balança comercial, nas viagens internacionais e nas remessas de lucros ao exterior. Os termos de troca, por sua vez, foram um tanto irrelevantes para o aumento observado no déficit externo.  

Questões institucionais também podem estar pesando para a aceleração recente desse déficit. O comportamento das remessas de lucros e dividendos tem chamado a nossa atenção nos últimos meses, com saídas maiores do que as sugeridas por nossos modelos. A pressão institucional crescente sobre a economia brasileira, inclusive com a aplicação da Lei Magnitsky sobre algumas autoridades, a apreciação cambial e as incertezas de natureza tributária, como as associadas à cobrança de IOF sobre operações cambiais, ao menos em parte ajudaram a tornar esse movimento mais intenso.

Quando se avalia a saúde externa do país, é preciso considerar que há fontes de financiamento que são mais estáveis, e outras mais voláteis. É comum postular que o déficit externo deve ser coberto pelo fluxo de investimento estrangeiro direto, posto que essa fonte de financiamento seria mais estável e de melhor qualidade (mais associada a investimentos produtivos) do que as demais. Mas os investimentos diretos são divididos em participação no capital (por excelência, um investimento “produtivo”) e empréstimos intercompanhia (que, em muitos casos, referem-se a operações de carry trade entre filial e matriz). Mais ainda, questões contábeis definem que certos investimentos produtivos podem ser contabilizados dentro do investimento em carteira, nas rubricas associadas à renda variável, sob condições específicas. 

No acumulado em 12 meses no Brasil, as fontes de financiamento (recursos) são inferiores às necessidades de financiamento (usos). Com a informação até julho, os Usos do Balanço de Pagamentos somam US$ 162 bilhões (sendo US$ 75,3 bilhões do déficit em conta corrente) e os Recursos somam US$ 133,7 bilhões, implicando carência de financiamento agregado de US$ 28,3 bilhões. Há, portanto, um “buraco” no Balanço de Pagamentos. O número, no entanto, é fortemente afetado pelos eventos de dezembro de 2024, quando uma súbita erosão da confiança na economia brasileira levou a um repique da taxa de câmbio e exigiu que o Banco Central interviesse no mercado cambial, vendendo, em um único mês, pouco mais de US$ 30 bilhões das reservas internacionais. 

Temos que olhar para além desse evento e, neste caso, podemos afirmar que não ocorreu descasamento entre Recursos e Usos nos sete primeiros meses de 2025, mesmo com o forte crescimento do déficit em conta corrente no período. Entre dezembro de 2024 e julho de 2025, as reservas internacionais cresceram US$ 15,4 bilhões, atingindo US$ 345,1 bilhões.

Não há dúvidas de que experimentamos no momento um ambiente externo desafiador para o financiamento externo, com questões prospectivas relevantes, como a exacerbada incerteza comercial e geopolítica, além de aspectos institucionais referentes à   relação entre o Brasil e o mundo. Por outro lado, estamos num ambiente internacional de dólar fraco e juros cadentes, o que tende a aumentar a leniência com mercados emergentes, dentre eles, o brasileiro. 

RISCOS

O BC divulga uma série mensal da relação déficit em conta corrente/PIB desde 1996. Se tirarmos dessa amostra os anos compreendidos entre 1996 e 1998, correspondentes ao período final do regime de câmbio administrado, podemos calcular a relação média registrada durante todo o período de vigência do regime de inflation targeting com câmbio flexível. 

A relação média observada entre janeiro de 1999 e julho de 2025 foi de 1,9% do PIB. Por conseguinte, o percentual registrado em julho último (3,5%) claramente representa uma marca elevada, comparativamente ao nosso padrão histórico recente. 

Sempre que um movimento dessa natureza acontece, surgem questões relacionadas com o financiamento. Será possível financiar esse déficit mais expressivo com facilidade, ou seja, a custos razoáveis? Por quanto tempo?

No caso em questão, relativo à alta do nosso déficit em conta corrente, não foram percebidas maiores tensões nos meses recentes. Após o estresse verificado em dezembro de 2024, as fontes de recursos superaram os usos, como já mencionado. A despeito de uma série de choques que atingiram recentemente os mercados financeiros internacionais, as bolsas mantiveram tendência altista, a volatilidade nos mercados acionários dos países avançados tem sido modesta e os spreads corporativos têm se mantido próximos dos mínimos históricos. 

É um ambiente compatível com certa facilidade para o levantamento de fundos no exterior. Em meados de setembro, operações de IPO foram retomadas nos EUA, após quatro anos. No Brasil, empresas privadas de grande porte e o próprio Tesouro Nacional aproveitaram o bom momento para fazer captações externas. 

No entanto, a facilidade de financiamento a curto prazo não garante a mesma facilidade a prazos mais longos. Alguns sinais de mercado causam certa preocupação. No último um ano e meio, a cotação internacional do ouro subiu cerca de 80%. Como se sabe, esse é um ativo a que habitualmente se recorre como instrumento de proteção contra diferentes tipos de risco. 

Parte da alta forte do ouro tem a ver com a depreciação do dólar. Commodities cotadas na moeda americana tendem a se valorizar quando o dólar perde valor. Mas o ouro subiu bem mais do que que seria justificável por esse fator. 

Nos últimos três anos, os bancos centrais foram os principais compradores de ouro. A demanda por ouro como reserva monetária cresceu na esteira da invasão da Ucrânia, envolvendo países que já sofreram sanções, ou se mostram geopoliticamente próximos dos que já as experimentaram. O ouro serve de hedge contra sanções e congelamento de ativos. 

Esse movimento defensivo dos BCs fez com que o ouro tenha se tornado o segundo mais relevante ativo integrante das reservas internacionais mundiais. São 46% para títulos denominados em dólar, 20% para o ouro e 16% para os títulos denominados em euro, como assinala um estudo recente do Banco Central Europeu.

Aparentemente, são os ativos denominados em dólar (Treasuries, em particular) que têm cedido lugar ao ouro no lado dos ativos dos BCs, o que é preocupante. A questão deve ser vista no contexto do movimento de alta expressiva dos juros de longo prazo dos papéis soberanos de países avançados. Particularmente nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França e no Japão, as curvas de juros tornaram-se fortemente mais inclinadas. 

Não são poucos os participantes de mercado que querem se afastar de ativos denominados em dólar, especialmente das Treasuries. No caso dos EUA, há uma preocupação adicional, relacionada com os ataques à independência do Fed. Surge o temor de alta da inflação no futuro, algo que depreciaria especialmente os títulos mais longos.

Em suma, apesar de nada de concreto ter de fato prejudicado o financiamento do nosso déficit em conta corrente, não parece haver dúvida de que o ambiente internacional está longe de tranquilizador, sendo múltiplas as fontes de preocupação.

Felizmente para nós brasileiros, já há um bom tempo o BC tem mantido apertada a política monetária, cujos frutos começam a aparecer. A absorção doméstica, principal fator por trás do déficit em conta corrente, teve crescimento negativo no segundo trimestre deste ano.

Na medida em que tal política prevaleça daqui para a frente, e não seja compensada por aumento forte dos gastos públicos, o déficit em conta corrente cederá e eventuais preocupações com financiamento cederão junto. 

Os alertas aqui apresentados, referentes ao conturbado ambiente econômico e financeiro internacional, devem servir de estímulo ao governo para conter a absorção promovida pelo setor público. O que puder ser feito pelo setor público para evitar expor a economia brasileira aos riscos de crise nos mercados financeiros internacionais deve ser feito. 

Destaques do cenário macro doméstico

Como esperado, os efeitos defasados da política monetária estão surtindo efeito sobre as atividades cíclicas³. Os dados divulgados referentes ao PIB do segundo trimestre confirmaram o menor crescimento dessas atividades e a expectativa é de uma nova desaceleração no terceiro trimestre.

Com isso, após crescer 0,4% no segundo trimestre em relação ao primeiro, esperamos crescimento do PIB de apenas 0,2% no terceiro trimestre, relativamente ao segundo4

Com relação à absorção doméstica, nossa expectativa é de ligeira melhora do consumo das famílias no trimestre. Porém, no acumulado do ano até o terceiro trimestre, é provável que o consumo tenha crescido 1,9%, na comparação com o mesmo período do ano passado. Um percentual bem inferior ao registrado no mesmo período do ano passado, de 5,1%. Com relação ao consumo do governo, esperamos reversão da contração do trimestre passado, pois houve atraso na liberação das despesas do governo, devido às dificuldades na aprovação do orçamento.  

E, por fim, os investimentos devem mostrar ligeira contração no trimestre, da ordem de 0,2%.  No entanto, é importante ter cautela sobre o ritmo de desaceleração do investimento no segundo trimestre. Seguramente há uma desaceleração em curso, mas ela é menos intensa do que a refletida na queda de 2,2% (TsT), uma vez que o resultado foi muito influenciado pela importação de uma plataforma de petróleo em fevereiro deste ano. Utilizando os dados do ICOMEX (FGV IBRE), podemos estimar qual seria o crescimento da absorção de máquinas e equipamentos sem a plataforma de petróleo no primeiro trimestre, e como ficaria o resultado do segundo trimestre. Estimamos um crescimento do investimento um pouco acima de 1,0% (TsT) no primeiro trimestre e não de 3%. E, com isso, no segundo trimestre teríamos um crescimento bem baixo, embora ligeiramente positivo.

Mantemos a expectativa de crescimento do PIB de 2% no ano, com a absorção doméstica crescendo 1,8%, ante 4,7% no ano passado. Se excluirmos o consumo do governo da conta, a desaceleração provável será de 5,3% para 2,0% no ano. Para 2026, a expectativa é de 1,9%.

Esse cenário de desaceleração das atividades cíclicas é corroborado pelos Índices de Confiança do FGV IBRE, que recuaram em agosto. No mês, chamou a atenção a intensidade da queda, disseminada entre empresas e consumidores. O Índice de Confiança Empresarial caiu 2,7 pontos, registrando o menor nível desde julho de 2020, período pandêmico. A piora envolveu todos os principais setores, com destaque para a indústria e o comércio, com quedas acima de quatro pontos. Nos subíndices, o resultado negativo foi puxado pelo Índice de Expectativas, sugestivo da continuidade desse cenário desafiador.

Nesse mesmo sentido, o Índice de Confiança dos Consumidores (ICC) recuou 0,5 ponto, mantendo a oscilação observada em 2025 em nível baixo. A piora foi influenciada pela deterioração das expectativas sobre os próximos meses.

Uma prévia com dados até o dia 12 de setembro indica que a trajetória negativa da confiança possivelmente prosseguirá. Tanto o ICC quanto o ICE registrariam novas quedas, mas, pelo lado empresarial, em menor magnitude do que a observada em agosto. Indústria e construção indicam alguma melhora, mas, até o momento, sem conseguir compensar o declínio de agosto.

Em relação aos dados do setor externo, os índices do ICOMEX (FGV IBRE) também apontam moderação da absorção doméstica. Pelo lado dos bens de capital, o quantum importado de agosto recuou 10,5% em relação ao ano passado, e, na média móvel de três meses, envolvendo os dados interanuais, houve contração de 0,9%, ante crescimento de 5,2% no mês anterior. No início do ano, as taxas de crescimento interanuais eram muito mais elevadas, mesmo excluindo a importação de plataforma de petróleo.  Também observamos desaceleração em todas as categorias do quantum importado de bens de consumo: duráveis, não duráveis e semiduráveis5.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, os sinais de resiliência ainda se mostram presentes. Após a divulgação da taxa de desemprego de julho, (resultado em linha com a nossa projeção de 5,6% na série sem ajuste e 5,7% na série dessazonalizada), a expectativa é continuidade de aperto. Para agosto, esperamos taxa de desemprego de 5,6%, o que representa 5,8% nos dados com ajuste sazonal.

Concomitantemente, os dados do Caged corroboram o mesmo diagnóstico. Após registrar a criação de 130 mil novas vagas formais em julho, um resultado mais moderado que o previsto, a expectativa é de manutenção do ritmo de contratação, com saldo de 180 mil vagas em agosto. Considerando os resultados com ajuste sazonal realizados pela equipe do Boletim, a expectativa é de criação de 100 mil vagas, muito similar ao resultado de julho.

Em suma, há sinais claros de desaceleração gradual da atividade, em linha com o diagnóstico da autoridade monetária. Entretanto, a decisão de manutenção da taxa de juros em patamar contracionista por um período bastante prolongado se justifica, em razão do cenário marcado “por expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho”.

Este é o editorial do Boletim Macro IBRE de setembro de 2025.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

marcos nobre ma...
Excelente publicação Parabens
Roger Gouveia
Sugiro revisarem o texto. o parágrafo abaixo está duplicado. "Quando se avalia a saúde externa do país, é preciso considerar que há fontes de financiamento que são mais estáveis, e outras mais voláteis. É comum postular que o déficit externo deve ser coberto pelo fluxo de investimento estrangeiro direto, posto que essa fonte de financiamento seria mais estável e de melhor qualidade (mais associada a investimentos produtivos) do que as demais. Mas os investimentos diretos são divididos em participação no capital (por excelência, um investimento “produtivo”) e empréstimos intercompanhia (que, em muitos casos, referem-se a operações de carry trade entre filial e matriz). Mais ainda, questões contábeis definem que certos investimentos produtivos podem ser contabilizados dentro do investimento em carteira, nas rubricas associadas à renda variável, sob condições específicas."
fernando.dantas
Obrigado por alertar, já foi corrigido. Saudações

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