Macroeconomia

Com desaceleração do crescimento na margem, produtividade do trabalho começa a se aproximar da trajetória anterior à pandemia

16 jun 2021

A recuperação do mercado de trabalho deverá ocorrer principalmente por meio de ocupações informais, que são em média menos produtivas. Consequentemente, é provável que ocorra uma volta ao padrão de baixo crescimento da produtividade observado no período anterior à pandemia.

Os eventos associados à pandemia da Covid-19 tiveram impactos negativos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho e elevaram de forma extraordinária o nível de incerteza em relação à dinâmica dos indicadores de produtividade, especialmente no Brasil.

Nas últimas semanas foram divulgados dados de produtividade do trabalho para economias avançadas, como os Estados Unidos e Reino Unido. Nos Estados Unidos foi verificada uma elevação tanto da produtividade agregada quanto do setor manufatureiro no 1º trimestre de 2021. Já no Reino Unido os dados indicaram uma heterogeneidade entre os indicadores de produtividade, com forte queda na medida que considera como medida do fator trabalho o número de pessoas ocupadas e uma elevação do indicador que considera as horas trabalhadas.[1]

Essa heterogeneidade nos resultados da produtividade do trabalho sugere a necessidade de uma análise abrangente das medidas de produtividade calculadas para o Brasil durante este período de pandemia. Como a informação de valor adicionado é a mesma em todas as medidas, as diferenças entre os indicadores de produtividade são provenientes das discrepâncias observadas nas medidas do fator trabalho.

Desde 2019, o Observatório da Produtividade Regis Bonelli tem divulgado estatísticas de produtividade por pessoal ocupado e por hora trabalhada. Esta última medida considera duas informações sobre o total de horas trabalhadas. A primeira são as horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações, obtidas da PNAD Contínua, que têm como referência uma semana em que não haja situações excepcionais que alterem a duração rotineira do trabalho, ou seja, uma semana típica de trabalho.[2]

A PNAD Contínua também fornece informações sobre as horas efetivamente trabalhadas na semana de referência, que podem incluir reduções por motivo de doença, feriado, falta voluntária, atraso ou por outra razão, bem como aumentos por conta de pico de produção e compensação de horas não trabalhadas em outro período.

Até o início da pandemia, os resultados obtidos a partir das duas medidas de horas trabalhadas eram semelhantes. No entanto, em função das medidas de distanciamento social necessárias para conter os efeitos da pandemia, desde o primeiro trimestre de 2020[3] os dados da PNAD Contínua passaram a revelar um descolamento entre as duas medidas de horas trabalhadas, o qual foi particularmente forte no segundo trimestre, com redução muito mais pronunciada das horas efetivamente trabalhadas que das horas habitualmente trabalhadas e do pessoal ocupado, tal como exposto no Gráfico 1.

Gráfico 1: Taxa de crescimento do Valor Adicionado, do pessoal ocupado, das horas habitualmente
trabalhadas e das horas efetivamente trabalhadas para o agregado da economia –
(Em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil

Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE com dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

Como podemos observar, as três medidas do fator trabalho tiveram comportamento semelhante até o quarto trimestre de 2019. No entanto, no primeiro trimestre de 2020, e particularmente no segundo trimestre, houve forte discrepância entre as medidas de pessoal ocupado e horas habitualmente trabalhadas, de um lado, e das horas efetivamente trabalhadas, de outro.

No segundo trimestre de 2020, enquanto o valor adicionado apresentou queda de 10,3% em relação ao segundo trimestre de 2019, as quedas do emprego, das horas habitualmente trabalhadas e das horas efetivamente trabalhadas foram de 10,7%, 10,5% e 27,6%, respectivamente.

No terceiro trimestre, foi possível notar uma desaceleração nas quedas do valor adicionado (-3,7%) e do total de horas efetivamente trabalhadas (-16,4%), mas uma piora na evolução do número de pessoas ocupadas e das horas habitualmente trabalhadas, cujas quedas foram de 12,1% e 11,9%, respectivamente. Já no quarto trimestre de 2020, houve uma intensificação no processo de normalização das horas efetivas, de modo que a queda desta variável (-10,4%) se aproximou ainda mais da redução observada no total de horas habituais (-9,1%) e no emprego (-8,9%).[4]

O processo de normalização da atividade econômica observado ao longo dos últimos meses permitiu uma recuperação mais rápida do valor adicionado no primeiro trimestre de 2021. Em particular, neste trimestre houve uma elevação de 0,8% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Esta melhora também foi notada nas horas efetivas, cuja queda no primeiro trimestre deste ano foi de 3,1%, bem menor que as observadas no ano passado. No entanto, o processo de recuperação do emprego e das horas habitualmente trabalhadas tem sido bem mais lento, de modo que neste trimestre ambos as medidas ainda apresentaram fortes quedas de 7,1% e 7,5%, respectivamente.

Esta discrepância entre as medidas do fator trabalho foi disseminada entre os principais setores da economia,[5] bem como nas ocupações formais e informais.[6] Isso pode ser em parte consequência da adoção do programa de proteção ao emprego formal (Benefício Emergencial de Proteção do Emprego e da Renda, BEm), que possibilitou a manutenção do emprego com redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho. Além disso, foi criado o auxílio emergencial, que ao complementar a renda dos trabalhadores informais pode ter reduzido de forma significativa sua jornada de trabalho.

Em consequência, o indicador de produtividade construído com base nas horas efetivamente trabalhadas apresentou comportamento muito diferente ao longo dos últimos trimestres, quando comparado com a produtividade por pessoal ocupado e com a produtividade por hora habitualmente trabalhada. Acesse o relatório completo contendo a análise dos indicadores trimestrais de produtividade do trabalho no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli.


[1] Nos Estados Unidos, os indicadores do Bureau of Labor Statistics (BLS) apontaram para um crescimento da produtividade agregada (nonfarm business sector) de 4,1% em relação ao primeiro trimestre de 2020, maior que a observada no setor manufatureiro, cujo crescimento foi de 1,8%. No que diz respeito a produtividade agregada, o resultado foi gerado a partir da combinação de crescimento do PIB de 1,1% e queda de 2,9% nas horas trabalhadas. Já no setor manufatureiro a alta da produtividade foi reflexo de uma queda nas horas trabalhadas (-2,6%) maior que a do PIB (-0,9%). No Reino Unido os dados do Office for National Statistics (ONS) mostraram queda da produtividade por pessoal ocupado de 4,6% no primeiro trimestre de 2021, em relação ao mesmo período de 2020, e uma alta de 1% na produtividade por hora trabalhada, refletindo uma redução muito maior das horas que do emprego. O aumento da produtividade no Reino Unido na métrica que considera as horas trabalhadas foi disseminada entre vários setores da economia, como construção (7,8%), setor manufatureiro (3,7%) e setor de serviços (1,6%).

[2] O total de horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações corresponde ao produto da jornada média pelo número de pessoas ocupadas.

[3] Na nota que divulgamos referente aos resultados da produtividade do trabalho no primeiro trimestre de 2020 já havíamos chamado atenção para a queda mais forte das horas efetivas em comparação com as horas habituais em função dos efeitos iniciais da pandemia no mercado de trabalho. O texto pode ser acessado através do link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/indicadores_trimestrais_de_produtividade_do_trabalho_-_1t2020_final.pdf

[4] Em 2020, o valor adicionado total da economia recuou 3,9%. Houve uma queda muito mais pronunciada das horas efetivas (-14,5%) em comparação com o emprego (-7,9%) e com as horas habituais (-7,7%).

[5] Na indústria, enquanto que o valor adicionado no primeiro trimestre de 2021 avançou 3% em relação ao mesmo período de 2020, a população ocupada, as horas habitualmente trabalhadas e as horas efetivamente trabalhadas recuaram 7%, 7,7% e 2,5%, respectivamente. Já no setor de serviços, enquanto a queda do valor adicionado foi de 0,8%, a redução do emprego, das horas habitualmente trabalhadas e das horas efetivamente trabalhadas foi de 8,6%, 9,2% e 4,7%, respectivamente.

[6] No primeiro trimestre de 2021, o total de horas efetivamente trabalhadas dos trabalhadores informais, que contemplam empregados sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria e empregadores sem CNPJ, e trabalhadores familiares auxiliares, apresentou uma redução de 4,6%, enquanto que as horas habitualmente trabalhadas e o emprego recuaram 8,1% e 8,4%, respectivamente. Já no caso dos trabalhadores formais, que englobam os empregados com carteira assinada, os militares e servidores públicos estatutários, bem como os conta própria e empregadores com CNPJ, as horas efetivamente trabalhadas, as horas habitualmente trabalhadas e o emprego recuaram 2,2%, 7,2% e 6,2%, respectivamente.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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