Macroeconomia

Dados do terceiro trimestre indicam que persiste a incerteza sobre os indicadores de produtividade no Brasil

16 dez 2020

Os eventos dos últimos meses associados à pandemia da Covid-19 tiveram impactos negativos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho e elevaram de forma extraordinária o nível de incerteza em relação ao desempenho da economia e quanto à dinâmica dos indicadores de produtividade, especialmente no Brasil.

Nas últimas semanas foram divulgados dados de produtividade no terceiro trimestre para economias importantes, como os Estados Unidos e Reino Unido. Nos Estados Unidos foi verificada uma elevação tanto da produtividade agregada quanto do setor manufatureiro. Já no Reino Unido os dados indicaram uma heterogeneidade entre os indicadores de produtividade do trabalho, com queda na medida que considera como insumo do fator trabalho o número de pessoas ocupadas e uma elevação do indicador que considera as horas trabalhadas.[1]

Essa heterogeneidade nos resultados da produtividade no terceiro trimestre sugere a necessidade de uma análise abrangente das medidas de produtividade calculadas para o Brasil durante este período de pandemia. Como a informação de valor adicionado é a mesma em todas as medidas, as diferenças entre os indicadores de produtividade são provenientes das discrepâncias observadas nas medidas do fator trabalho.

Desde o ano passado temos divulgado estatísticas de produtividade por trabalhador (pessoal ocupado) e por hora trabalhada. Esta última medida considera a informação sobre o total de horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações, obtido da PNAD Contínua, que tem como referência uma semana em que não haja situações excepcionais que alterem a duração rotineira do trabalho, ou seja, uma semana típica de trabalho.[2]

A PNAD Contínua também fornece informações sobre as horas efetivamente trabalhadas na semana de referência, que pode incluir reduções por motivo de doença, feriado, falta voluntária, atraso ou por outra razão, bem como aumentos por conta de pico de produção e compensação de horas não trabalhadas em outro período.

Até o início da pandemia, os resultados obtidos a partir das duas medidas de horas trabalhadas eram semelhantes. No entanto, em função das medidas de distanciamento social necessárias para conter os efeitos da pandemia, desde o primeiro trimestre[3] os dados da PNAD Contínua passaram a revelar um descolamento entre as duas medidas de horas trabalhadas, o qual foi particularmente forte no segundo trimestre, com redução muito mais pronunciada das horas efetivamente trabalhadas que das horas habitualmente trabalhadas, tal como exposto no Gráfico 1. Este cenário se manteve no terceiro trimestre, porém as discrepâncias entre o crescimento das medidas do fator trabalho foi menor, em função, principalmente, do processo de que se inicia de normalização das horas efetivamente trabalhadas.

Gráfico 1: Taxa de crescimento do Valor Adicionado, do pessoal ocupado, das horas
habitualmente trabalhadas e das horas efetivamente trabalhadas para o agregado
da economia – (Em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil

Fonte: Elaboração do IBRE com base nas Contas Nacionais Trimestrais e PNAD Contínua - IBGE

Como podemos observar, as três medidas do fator trabalho tiveram comportamento semelhante até o quarto trimestre de 2019. No entanto, desde o primeiro trimestre de 2020, e particularmente no segundo trimestre, tem havido forte discrepância entre as medidas de pessoal ocupado e horas habitualmente trabalhadas, de um lado, e das horas efetivamente trabalhadas, de outro.

No segundo trimestre deste ano, enquanto o valor adicionado apresentou queda de 10,3% em relação ao segundo trimestre de 2019, as quedas do emprego, das horas habitualmente trabalhadas e das horas efetivamente trabalhadas foram de 10,7%, 10,5% e 27,6%, respectivamente. Já no terceiro trimestre, foi possível notar uma desaceleração nas quedas tanto do valor adicionado (-3,7%) e do total de horas efetivamente trabalhadas (-16,4%), mas uma piora na evolução do número de pessoas ocupadas e das horas habitualmente trabalhadas, cujas quedas foram de 12,1% e 11,9%, respectivamente.

Esta discrepância entre as medidas do fator trabalho foi disseminada entre os principais setores da economia,[4] bem como nas ocupações formais e informais.[5] Isso pode ser em parte consequência da adoção do programa de proteção ao emprego formal, que possibilitou a manutenção do emprego com redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho. Além disso, foi criado o auxílio emergencial, que ao complementar a renda dos trabalhadores informais, pode ter reduzido de forma significativa sua jornada de trabalho.

Em consequência disso, o indicador de produtividade construído com base nas horas efetivamente trabalhadas tem apresentado comportamento muito diferente ao longo deste ano, quando comparado com a produtividade por pessoal ocupado e com a produtividade por hora habitualmente trabalhada. Acesse o relatório completo contendo a análise dos indicadores trimestrais de produtividade do trabalho no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli.


[1] Nos Estados Unidos, os Indicadores do Bureau of Labor Statistics (BLS) apontaram para um crescimento da produtividade agregada (nonfarm business sector) de 4,1% em relação ao mesmo trimestre de 2019, muito maior que o observada no setor manufatureiro, cujo crescimento na mesma base de comparação foi de apenas 0,7%. Em ambos os casos, no entanto, a alta da produtividade foi reflexo de uma queda nas horas trabalhadas maior que a do PIB. Já no Reino Unido, os dados do Office for National Statistics (ONS) mostraram queda de 8,8% na medida de produtividade por pessoal ocupado e alta de 3% na produtividade por hora trabalhada, ambas em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, refletindo uma redução muito maior das horas que do emprego.

[2] O total de horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações corresponde ao produto da jornada média pelo número de pessoas ocupadas.

[3] Na nota que divulgamos referente aos resultados da produtividade do trabalho no primeiro trimestre já havíamos chamado atenção para a queda mais forte das horas efetivas em comparação com as horas habituais em função dos efeitos iniciais da pandemia no mercado de trabalho. O texto pode ser acessado através do link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/indicadores_trimestrais_de_produtividade_do_trabalho_-_1t2020_final.pdf

[4] Na indústria, a queda do valor adicionado no terceiro trimestre de 2020 foi de 0,9%, enquanto que a redução da população ocupada, das horas habitualmente trabalhadas e das horas efetivamente trabalhadas foram de 13,8%, 13,7% e 17,4%, respectivamente. Já no setor de serviços a queda do valor adicionado foi de 4,8%, a do emprego e das horas habitualmente trabalhadas foram de 12,8% e das horas efetivamente trabalhadas foi de 18,1%.

[5] No terceiro trimestre de 2020, o total de horas efetivamente trabalhadas dos trabalhadores informais, que contemplam empregados sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria e empregadores sem CNPJ, e trabalhadores familiares auxiliares, apresentou uma forte redução de 21,7%, enquanto que as horas habitualmente trabalhadas e o emprego recuaram 17,2% e 18,1%, respectivamente. Já no caso dos trabalhadores formais, que englobam os empregados com carteira assinada, os militares e servidores públicos estatutários, bem como os conta própria e empregadores com CNPJ, as horas efetivamente trabalhadas, as horas habitualmente trabalhadas e o emprego recuaram 13%, 8,5% e 7,4%, respectivamente.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

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