Cenários

E a taxa de investimento, hein?

27 set 2023

Como antecipamos em 2022, salto da taxa de investimentos a partir de 2020 deveu-se a fatores fortuitos: aumento do preço relativo do investimento, internalização de plataformas e boom de commodities. Agora aquela alta se reverte.

Em janeiro de 2022, escrevemos um artigo argumentando que a alta da taxa de investimento observada naquele período não deveria ser motivo de ampla comemoração. De fato, a taxa de investimento (medida a preços correntes e acumulada em 12 meses) deu um salto a partir de agosto de 2020, saindo de 15,4% e alcançando 19,0% em novembro de 2021. Um avanço de 3,6 p.p. na taxa de investimento em período tão curto de tempo era algo que realmente impressionava, sobretudo no Brasil, país com uma das mais baixas taxas de investimento do mundo. Além disso, a taxa de investimento é uma variável crucial para o crescimento econômico, pois ela indica a proporção da renda do país que se destina à ampliação da capacidade produtiva. Ou seja, estávamos assistindo a um avanço considerável em uma variável fundamental para o PIB potencial.

Na época, diversos analistas afirmaram que aquela taxa de investimento pujante era fruto de um novo modelo de economia brasileira, que estimulava o “PIB privado” ao invés do “PIB público”; que era induzida por reformas econômicas diversas, que melhorariam a alocação de capital e a eficiência geral da economia, e que estava sendo financiada por um mercado de capitais em franca ascensão.

Nossa interpretação era que aquela alta da taxa de investimento seria passageira, influenciada, dentre outras coisas, por três fatores fortuitos: (i) aumento no preço relativo do investimento, já que o deflator da formação bruta de capital fixo estava crescendo bem mais do que o deflator do PIB; (ii) internalização de plataformas de petróleo pertencentes à Petrobrás, em um procedimento meramente contábil, sem qualquer efeito real sobre o investimento; (iii) boom dos preços de commodities no mercado internacional.

Quase dois anos se passaram desde então, tornando necessário retornar aos dados para verificar o que aconteceu de lá para cá.

Primeiro, o aumento no preço relativo do investimento foi revertido. Passado o período crítico da pandemia, que desorganizou cadeias globais de valor e elevou preços de bens industriais no mundo (lembrando que grande parte do investimento é composto por máquinas e equipamentos), o preço relativo do investimento voltou a cair. Nos últimos 12 meses, o deflator da FBCF cresceu menos que o deflator do PIB. 

Segundo, o movimento de internalização de plataformas, que foi muito intenso no período 2020-2021, perdeu relevância. A simples mudança de registro das plataformas, contabilizadas como investimento e como importação nas Contas Nacionais, elevando de forma artificial a taxa de investimento, deixou de ocorrer de forma substantiva (com a exceção de um pico que ocorreu em setembro de 2022).

Terceiro, os preços internacionais das commodities, que passaram pelo maior boom dos últimos 50 anos entre abril de 2020 e maio de 2022, com crescimento de 85% em dois anos, influenciando positivamente o investimento em máquinas e equipamentos (especialmente, tratores, máquinas agrícolas e caminhões), começaram a cair. Desde o pico em maio de 2022, o índice CRB de preços de commodities já acumula uma queda de 14%.

Revertidos os motores fortuitos, a taxa de investimento voltou a diminuir. Como se vê no gráfico, a taxa de investimento alcançou 18,3% no acumulado em 12 meses até julho deste ano, com dados do Monitor do PIB, quase 1 p.p. abaixo do observado no final de 2021. A taxa de investimento atual é inferior à observada na crise de 2009 (18,8%), que gerou muitas preocupações na época e que acabou desencadeando uma política anticíclica chamada Programa de Sustentação do Investimento – PSI. Além disso, a taxa de investimento que ora se observa já está quase no patamar que emana da fraca tendência de recuperação da taxa de investimento observada entre 2017 e fev/20.

Desse modo, reafirmamos o que escrevemos no artigo do começo do ano passado: não havia razão concreta para comemorar o aumento observado na taxa de investimento brasileira entre 2020 e 2021, dado que se tratava de um movimento que não era sustentável. Nem o “PIB privado” foi capaz de sustentar o investimento, nem as reformas parecem (pelo menos até aqui) ter produzido os prometidos efeitos sobre a produtividade total dos fatores (por qualquer medida de PTF que se queira utilizar), tampouco o mercado de capitais foi capaz de financiar a acumulação de capital (se mantendo, sobretudo, como fonte de capital de giro para poucas e grandes empresas). 

Para o futuro, vemos com bons olhos a sinalização (via Novo PAC) de retomada do investimento público no país, que nos últimos seis anos murchou e alcançou as mínimas taxas desde 1947, bem como a preservação dessa rubrica no novo arcabouço fiscal (como dizia James Tobin, Prêmio Nobel de Economia, “é tolo reduzir déficits fiscais pelo corte de investimentos públicos”).

A reforma tributária deve desonerar (e, portanto, estimular) investimentos de forma estrutural. Além disso, uma administração racional do BNDES, após anos de volatilidade excessiva, deve impactar positivamente o investimento agregado, como há ampla evidência empírica disponível. Por fim, a volta para um cenário de normalidade institucional deve reduzir a incerteza econômica para patamares compatíveis com a média histórica, com reflexos positivos sobre a taxa de investimento.

Obviamente, nada disso é garantia que o investimento vá, de fato, subir de forma permanente. Mas são coisas mais concretas e diretas, com capacidade efetiva de romper a fraqueza que temos visto na última década.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

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