Macroeconomia

Mercado de trabalho no Brasil: Uma análise a partir dos dados mensalizados da Pnad Contínua.

30 out 2020

Temos publicado mensalmente neste espaço artigos falando sobre os severos impactos da pandemia do coronavírus, que elevou de forma extraordinária a incerteza na economia, gerando grandes distorções no país, em especial no mercado de trabalho. Faremos neste texto uma atualização desses impactos, tomando como referência a recente divulgação dos dados da Pnad Contínua para o mês de agosto de 2020, por parte do IBGE, que agrega os principais indicadores de mercado de trabalho no Brasil, permitindo uma análise completa do atual momento do emprego no país. Estss dados divulgados mensalmente, no entanto, se referem sempre ao trimestre móvel, de modo que temos para cada mês a média de diversas variáveis no mês de referência e nos dois anteriores.

Diante do atual cenário de elevadas distorções causadas pelo avanço da pandemia do coronavírus, as informações de alta frequência são cada vez mais relevantes para que possamos entender os seus desdobramentos na economia brasileira. Em função disso, diversos pesquisadores têm estudado formas de mensalizar os indicadores da Pnad Contínua, de modo a terem informações mais precisas do atual momento do mercado de trabalho brasileiro, eliminando, assim, os efeitos da média móvel e obtendo fatos estilizados para cada um dos meses. Dentre esses trabalhos, podemos citar o artigo proposto por Hecksher (2020), pesquisador do IPEA, e o trabalho proposto no Box do Relatório de Inflação de junho de 2020, divulgado pelo Banco Central, que,embora usem métodos diferentes, encontram resultados similares.

O objetivo deste texto é aplicar a metodologia proposta pelo Banco Central a fim de que possamos traçar um diagnóstico das principais causas da queda de emprego no Brasil, observada nos últimos meses, bem como do aumento na taxa de desemprego. Tal como proposto pelo Banco Central, para mensalizar as informações da Pnad Contínua iremos utilizar um modelo de espaço de estado para mensalização da série de média móvel trimestral.[1] Neste texto, no entanto, analisaremos as informações das séries sem ajuste sazonal, de modo que as taxas de crescimento das séries apresentadas ao longo do artigo são calculadas sempre em relação ao mesmo mês do ano anterior.

O Gráfico 1 mostra a evolução da taxa de crescimento mensalizada, em relação ao mesmo mês do ano anterior, da população ocupada no Brasil desde o ano de 2013 até o mês de agosto de 2020.

Gráfico 1: Taxa de crescimento da população ocupada
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior) – Brasil.


Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Podemos notar, pelo Gráfico 1, que, ao longo da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 e que durou até o quarto trimestre de 2016, houve forte redução do emprego no Brasil, principalmente no final de 2016, quando as quedas observadas na população ocupada foram de quase 3%, em relação ao mesmo mês do ano anterior. Desde então, a população ocupada no Brasil estava crescendo a taxas robustas, chegando a apresentar um crescimento de 2,9% em maio de 2019.

Podemos notar, no entanto, que após esse longo período de expansão da população ocupada, houve, a partir de março, uma forte retração do emprego no país. Após crescer 1,8% em fevereiro de 2020, em relação ao mesmo mês do ano anterior, a população ocupada no Brasil apresentou queda de 2,5% em março, 9,2% em abril, 10,7% em maio, 12,1% em junho, chegando ao patamar de queda de 14,2% em julho, a maior já observada ao longo da série histórica mensalizada, superando largamente as quedas observadas ao longo da recessão de 2014-2016.[2] Em agosto de 2020, no entanto, foi possível notar uma desaceleração na queda do emprego, de modo que, nesse mês, o emprego recuou algo próximo a 12,1%.

Diante dos fatos apresentados, entender os fatores que explicam esses movimentos ajuda a traçar os diagnósticos corretos da perda de emprego no Brasil. Em primeiro lugar vale destacar que, desde o início da pandemia, a redução de emprego foi generalizada e atingiu praticamente todos os setores da economia. No Gráfico 2, mostramos a taxa de crescimento da população ocupada da indústria e seus principais subsetores.

Gráfico 2: Taxa de crescimento da população ocupada da indústria
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior) – Brasil.

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Pelo Gráfico 2, podemos notar que houve forte redução da população ocupada na indústria e seus segmentos desde março de 2020. Na indústria agregada, em que o emprego crescia acima de 1% desde meados de 2019, a queda na população ocupada foi de 12,7% em agosto de 2020, em relação ao mesmo mês do ano anterior, sendo essa queda um pouco menor do que a observada em julho de 2020 (-17,7%). Essas elevadas quedas, no entanto, confirmam o quadro de forte redução do emprego nesse setor, maior inclusive do que as quedas observadas entre 2014-2016.

Os resultados observados na indústria agregada, como podemos ver, foram influenciados pela retração observada principalmente na construção civil, cuja redução em agosto de 2020 foi da ordem de 13,8%, bem menor do que a queda de quase 23% observada em julho, mas que ainda mostra a fragilidade de um setor em que o emprego já não estava crescendo de forma robusta há bastante tempo. Outro ponto relevante diz respeito à queda de emprego observada no segmento que agrega os setores da indústria de transformação, indústria extrativa e serviços de utilidade pública (SIUP).[3] A perda de ocupações desse segmento foi um pouco menos intensa do que a observada no setor da construção e na indústria agregada. Em agosto de 2020, por exemplo, o emprego alocado neste segmento caiu 12,1%, um pouco menor do que a queda de 14,8% observada no mês anterior.

Outro setor que teve o emprego fortemente afetado pela pandemia do coronavírus foi o setor de serviços. O Gráfico 3 mostra a taxa de crescimento da população ocupada, em relação ao mesmo mês do anterior, deste setor.

Gráfico 3: Taxa de crescimento da população ocupada do setor de serviços
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior) – Brasil.

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

No setor de serviços, o principal setor da economia, que concentra cerca de 70% do emprego gerado no país, as medidas de distanciamento social necessárias a contenção do vírus levaram a população ocupada a apresentar uma forte redução iniciada em março de 2020. Nesse mês, o emprego no setor de serviços havia recuado cerca de 1%.

Nos meses de abril, maio, junho e julho, as quedas ficaram bem mais intensas, de modo que  o emprego recuou, em relação ao mesmo mês do ano anterior, 8,5%, 10,7% e 11,5% e 14,5%, respectivamente. Para se ter uma ideia, ao longo da recessão observada entre 2014 e 2016, que havia sido o pior momento do setor até então, em termos de emprego, a população ocupada não chegou a apresentar quedas naqueles patamares.

Em agosto, no entanto, foi possível notar uma leve desaceleração no ritmo de queda do emprego no setor de serviços, de modo que, nesse mês, a queda foi um pouco menor do que a observada em julho, chegando ao patamar de 13,4%. Esse resultado, no entanto, ainda mostra que o setor de serviços está muito fragilizado.

A forte queda de emprego observada no setor de serviços e na construção civil pode estar associada à elevada informalidade presente nesses dois setores.[4] A queda no emprego informal, por exemplo, foi determinante para queda do emprego observada desde março de 2020, como veremos no gráfico a seguir.

Gráfico 4: Taxa de crescimento da população ocupada alocada em ocupações formais e informais
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior) – Brasil. [5]

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Desde o final da recessão de 2014-2016, a contribuição da informalidade para a recuperação do emprego foi muito elevada, destoando inclusive do padrão observado em recessões anteriores.[6] O avanço da pandemia do coronavírus, no entanto, levou a uma forte destruição do emprego informal, ainda mais elevada do que a ocorrida no emprego formal. Esse último, por exemplo, apresentou recuo de 9,3% em agosto de 2020, quando comparado com o mesmo mês do ano anterior.

Já a população ocupada no setor informal, que em fevereiro de 2020 havia crescido 3,3%, apresentou em março queda de 4% em relação ao mesmo mês do ano anterior, além de nova redução, de 13,1%, em abril, recuo de 15,1% em maio, 17,6% em junho, chegando, finalmente, ao patamar de queda de 17,5% em julho de 2020. Em agosto deste ano, no entanto, foi possível notar uma desaceleração no ritmo de queda do emprego informal (-15%).

Evidencia-se, assim, que a pandemia do coronavírus, de fato, destruiu mais ocupações no mercado de trabalho informal da economia. Em especial, essa forte queda do emprego em ocupações informais desde o início da pandemia está relacionada à redução da população ocupada que trabalha por conta própria e principalmente os que trabalham sem carteira de trabalho assinada. Além disso, a ligeira desaceleração na intensidade da queda do emprego informal em agosto também está relacionada aos movimentos do emprego nessas categorias.

Gráfico 5: Taxa de crescimento da população ocupada que
trabalha sem carteira assinada e por conta própria
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior) – Brasil.


Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

O emprego nessas categorias, apresentado no Gráfico 5, que, desde meados de 2017, vinha apresentando crescimento robusto, foi fortemente afetado pelo avanço da pandemia do coronavírus, de modo que, desde março de 2020, tem apresentado fortes quedas interanuais. Em agosto deste ano ocorreu um recuo de 23% nas ocupações sem carteira assinada e uma queda de 9,9% nas ocupações de pessoas que trabalham por conta própria. Em ambas as categorias, foi possível notar uma desaceleração na intensidade das quedas, em comparação com o mês de julho, que foram de 24,9% no caso trabalhadores sem carteira assinada e de 12,4% no caso dos trabalhadores que trabalham por conta própria.

Além do forte recuo do emprego, foi possível notar, na série mensalizada, um avanço na taxa de desemprego ao longo dos últimos meses.

Gráfico 6: Evolução da taxa de desemprego – Brasil.

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Nesse gráfico, podemos notar uma aceleração na taxa de desemprego mensalizada, fruto da combinação de forte queda da população ocupada e aumento no número de pessoas desocupadas (alta de 11,7% na série mensalizada) no mês agosto.

Como podemos observar, a taxa de desemprego, que estava girando em torno de 12,9%, entre março e maio de 2020, contida em parte pelo aumento expressivo do número de pessoas que estavam fora da força de trabalho, saltou para 14,8%, a maior observada na série histórica mensalizada.[7] É possível que vejamos aumentos ainda mais fortes na taxa de desemprego nos próximos meses, à medida que as pessoas comecem a procurar trabalho e haja uma normalização da força de trabalho no Brasil.

Enfim, os dados apresentados neste artigo mostram as principais causas que levaram ao esgotamento do mercado de trabalho desde o início da pandemia do coronavírus. Vimos que a queda foi generalizada, atingindo os principais setores da economia, em especial a indústria e o setor de serviços, bem como as ocupações informais, por meio de fortes reduções no emprego dos trabalhadores que trabalham sem carteira assinada e que trabalham por conta própria. Notamos, ainda, uma aceleração na taxa de desemprego no mês de agosto de 2020.

Referência

Hecksher, Marcos. Valor Impreciso por Mês Exato: Microdados e Indicadores Mensais Baseados na PNAD Contínua. Nota Técnica 62. IPEA. 2020.

Relatório de Inflação. Estimativa para dados “mensalizados” da PNAD Contínua. Volume 22, nº 2. Banco Central do Brasil. 2020.

 

[1] Neste modelo define-se uma equação de sinal: Xt = (xt + xt-1 + xt-2)/3 e uma equação de estado: xt = xt-1 + stocht, onde stocht = ?.stocht-1 + ?t , ?~N(0, ?). Nesta equação, ? e ? são parâmetros estimados pelo modelo e x é a série mensalizada resultante. Vale destacar que as estimativas mensais dos indicadores da Pnad Contínua, são mais imprecisas do que as estimativas trimestrais, mas dada a relevância do atual cenário de elevada incerteza, faz-se necessário o esforço de desenvolvimento de técnicas que possam capturar os impactos mensais da pandemia no mercado de trabalho brasileiro.

[2] Vale ressaltar que os resultados observados, entre março e junho, na série de emprego que considera a média móvel trimestral foram atenuados devido a inclusão de meses cujo crescimento da população ocupada havia crescido de forma mais robusta ou caído menos. Nesta série original, por exemplo, houve baixo crescimento do emprego em março de 2020, algo próximo a 0,4%, em relação ao mesmo trimestre móvel do ano anterior, e quedas de 3,4%, 7,5% , 10,7%, 12,3% e 12,8% em abril, maio, junho, julho e agosto, respectivamente.

[3] Devido a forma com que são divulgadas as informações mensais do trimestre móvel da Pnad Contínua, não foi possível separar apenas o setor da indústria de transformação. Sabe-se, porém, que devido à baixa participação da indústria extrativa e da SIUP (Serviços Industriais de Utilidade Pública) no emprego da indústria agregada, os movimentos observados na indústria de transformação irão ser bem representativos para explicar o que ocorreu no grupo de atividades que agregada estes três setores.

[4] No setor de serviços e na construção civil, a taxa de informalidade foi, em 2019, próxima de 44,4 e 72,5%, respectivamente.

[5] Consideramos como informais os trabalhadores que trabalham sem carteira assinada, os que trabalham por conta própria e o trabalhador familiar auxiliar.

[6] Veloso, Matos e Peruchetti (2020) detalharam o comportamento do emprego informal e formal, bem como sua contribuição para o crescimento do emprego ao longo das recessões desde meados da década de 1990. Os autores concluíram que o padrão recente de recuperação do mercado de trabalho, caracterizado pelo aumento expressivo da informalidade, é diferente do verificado em outros períodos de recuperação da economia. Para maiores detalhes acesse o texto no link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/padrao_de_recuperacao_do_emprego_apos_a_ultima_recessao_e_sua_relacao_com_a_produtividade_do_trabalho_final_16032020.pdf

[7]Entre março e agosto, a taxa de desemprego no conceito de média móvel trimestral foi de: 12,2%, 12,6%, 12,9%, 13,3%, 13,8% e 14,4%, respectivamente.

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